CONTRA-ATAQUE
Os novos comportamentos de consumo geram uma disputa acirrada pelo mercado de streaming no Brasil. Saiba como DAZN, ESPN e Esporte Interativo pretendem roubar o reinado da Globo em eventos esportivos
Empresas como Esporte Interativo, DAZN e ESPN estão se movimentando no mercado de streaming de futebol no Brasil
Oano era 2003. Numa tarde ensolarada de 25 de janeiro, aniversário da cidade de São Paulo, os times de futebol Santo André e Santos abririam o Campeonato Paulista daquela temporada. Antes de a bola rolar, entretanto, havia uma movimentação insólita nos arredores do estádio Bruno José Daniel, no ABC paulista. As equipes das emissoras de televisão aberta SBT e Globo duelavam para colocar a partida na televisão. A rede de Silvio Santos havia arrematado, de forma exclusiva, os direitos de transmissão do certame, mas a Globo recorreu. Como a decisão não havia saído até o jogo inicial, as duas emissoras acabaram por difundir a partida e, posteriormente, o torneio. O imbróglio mostra como sempre foi difícil tirar o mando de campo da Globo. Não é para menos. O segmento é um duto nas receitas da emissora. As seis cotas do futebol da temporada 2019 — vendidas para Brahma, Casas Bahia, Chevrolet, Hypera Pharma, Itaú e Vivo — somam R$ 1,8 bilhão e representam o maior patrocínio de toda a publicidade brasileira.
Mas isso começou a mudar em 2016 quando o Esporte Interativo, pertencente à americana Turner, anunciava acordos milionários com diversos times de futebol para a transmissão da Série A do Campeonato Brasileiro. No pacote, a empresa tornou-se detentora dos direitos de transmissão de sete clubes que disputarão o campeonato de 2019. Dentre eles, os campeões brasileiros Athletico Paranaense, Bahia, Internacional, Palmeiras e Santos. O ciclo de contrato vale deste ano até 2024. O vice-presidente de esportes da Turner no Brasil, Fabio Medeiros, diz que os contratos serão suficientes para a transmissão de 42 partidas do principal torneio nacional. “Nossa previsão, em termos de pacote comercial e de produção, era exibir apenas um jogo por rodada. Com sete clubes, transmitiremos quatro a mais do que esperávamos”, afirma Medeiros, um dos fundadores do Esporte Interativo.
Mas uma mudança de rumo quase colocou tudo a perder. A Time Warner, dona da Turner, foi adquirida pela AT&T, em junho de 2018, numa negociação que movimentou US$ 85 bilhões. Com a fusão, uniu-se uma empresa de telecomunicações com uma produtora de conteúdo, algo que não é permitido na legislação brasileira. A Turner, então, ordenou que os dois canais de TV por assinatura do Esporte Interativo fossem descontinuados e que boa parte dos acordos televisivos fosse desfeito. O anúncio forçou a demissão de mais de 160 profissionais e uma guinada para o digital.
A mudança pegou o mercado publicitário de ‘calças curtas’. A Turner decidiu aproveitar os direitos de transmissão da Liga dos Campeões da Europa e investir num conceito chamado de supersta
tion, utilizando espaços
na grade de programação dos canais de TV por assinatura Space e TNT para criar um veículo de entretenimento que tem como diferencial os direitos televisivos de eventos com larga escala de audiência, como o Oscar, o Grammy e importantes torneios de futebol. Para o especialista Ivan Martinho, professor de pós-graduação da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), a estratégia não foi vista de forma positiva pelo mercado. “TNT e Space são dois canais de filmes, e a TV a cabo tem a segmentação de público como característica essencial”, diz Martinho.
Medeiros discorda e diz que a estratégia fez sentido e está sendo positiva para a empresa. “O Esporte Interativo era um canal que tinha uma distribuição menor do que tem a TNT e o Space. Hoje, nós conseguimos entregar aos nossos patrocinadores um resultado melhor”, diz ele. Acima de tudo, a movimentação foi essencial para acalmar os ânimos dos clubes que haviam firmado acordo com o Esporte Interativo, negando propostas da Globo, dona do canal SporTV — muitos times exigiram explicações e cogitaram a quebra de contrato com a Turner após o anúncio do fim das operações dos canais Esporte Interativo.
Garantir a manutenção dos direitos televisivos de clubes da principal competição de futebol do País também ajudará o Esporte Interativo em outro mercado que está cada vez mais aquecido: o
A nossa missão é ajudar o futebol brasileiro a se desenvolver, para que os clubes tenham mais receita e os melhores jogadores” FABIO MEDEIROS, VICE-PRESIDENTE DE ESPORTES DA TURNER
de empresas que entregam conteúdo audiovisual pela internet sem que os usuários precisem assinar serviços de empresas de TV a cabo ou via satélite. É chamado de conteúdo OTT ( over-the-top, na sigla em inglês). Criado há cerca de seis anos, o EI Plus é a aposta da Turner nesse mercado. Disponível em formato de aplicativos para smartphones, tablets, computadores e televisões inteligentes, o serviço de streaming tem plano mensal de R$ 19,90 e anual de R$ 13,90 ao mês, e se aproveita da base de fãs do Esporte Interativo nas mídias digitais: são mais de 16 milhões de curtidas no Facebook e 5 milhões de seguidores no Instagram. O diretor de novos negócios da CSM Golden Goal, empresa especializada em gestão e marketing esportivo, Danyel Braga, diz que o movimento do Esporte Interativo foi pensando no futuro. “A audiência, em geral, está cada vez mais migrando para o online”, afirma Braga.
O NOVO JOGADOR O EI Plus não jogará sozinho no quintal do online. No fim de 2018, o serviço de streaming britânico DAZN (pronuncia-se Da-Zone) , conhecido como a Netflix dos esportes, acirrou a concorrência com as grandes do mercado brasileiro. A empresa estreou no País com os direitos de cinco eventos esportivos de relevância: a Copa Sul-Americana, Recopa Sul-Americana, Campeonato Italiano, Campeonato Francês e a Copa da Liga Inglesa. Os jogos, por ora, estão sendo transmitidos de forma gratuita pelos perfis da empresa no Facebook e no YouTube. O Facebook, aliás, detém os diretos de transmissão em sua plataforma de dois filés desse segmento em 2019: Libertadores e Champions League. Nesta semana, Atlético Madrid 2 x 0 Juventus pelo torneio europeu foi transmitido pela rede social. A oferta de suportes fará com que transmissões sejam cada vez mais cruzadas e menos monopolizadas. Em 11 de fevereiro, a DAZN fechou acordo com a Rede TV! para jogos da Copa SulAmericana e do Campeonato Italiano. O primeiro teste foi em 14 de fevereiro, quando as empresas compartilharam a transmissão da partida entre Corinthians e o clube argentino Racing, pelo torneio continental. O jogo terminou empatado, mas isso é o que menos importava. Com a transmissão, a Rede TV! atingiu sua maior audiência desde 2011. Na faixa de horário entre 21h28 e 23h23, a média ficou entre os 7,5 pontos e o pico de audiência foi de 10,1 pontos.
Com valor mensal estimado de R$ 44,90, a DAZN deve estrear no País com direitos de eventos de futebol e de boxe, como nos Estados Unidos. A empresa, no entanto, não abre novas negociações. A plataforma deve ter início efetivo em março.
Outra precursora no mercado de strea
ming de eventos esportivos no Brasil é o Watch ESPN. Segundo Flavio Pereira, diretor de business inteligence da ESPN, o serviço já existe há nove anos no País. Mas só recentemente serviços para quem não é assinante da TV a cabo passaram a ser oferecidos. Em 2017, a empresa, controlada pela Disney, lançou o ESPN Play. “É um serviço com opções de conteúdos ao vivo e sob demanda, com um preço mais acessível para quem não tem TV por assinatura”, diz. No ano passado, a empresa avançou com a proposta de diferentes parcerias, firmando acordos com o PlayPlus, serviço da Record TV; com o Oi Play; e com o UOL Esporte Clube, que foi lançado em abril de 2018 em parceria com ESPN e Esporte Interativo. Pereira vê com bons olhos a distribuição de direitos nas mãos de diversas redes. “Nós temos concorrentes fortes no Brasil e no mundo. A DAZN é um exemplo disso. Cada um tem seu espaço e vai procurar fazer o seu trabalho, seguindo a sua estratégia”, afirma.
Os surgimentos de novos players faz com que a Globo, principal detentora dos direitos de eventos esportivos nacionais, se movimente. Segundo números da consultoria BDO, que audita os balanços dos principais clubes brasileiros, a cota de televisão continua sendo a principal fonte de receita dos times nacionais. Em 2017, 37% da arrecadação total dos 25 maiores clubes do País foram provenientes dessa fonte, número que chegou a ser de 50% em 2016, ano em que a Globo e o Esporte Interativo inflacionaram o mercado com as negociações para a transmissão do Campeonato Brasileiro. “Isso é bom para os clubes, porque eles conseguem obter mais fontes de receita com os direitos de transmissão”, diz Carlos Aragaki, sócio-diretor da área Esporte Total da BDO. “A Globo ofereceu mais aos clubes como forma de defender seu território. Esses novos players tendem a ser uma ameaça a ela.” Com tantas novidades, esse mercado só tende a cada vez mais se fortalecer. E isso é bom para o consumidor.