Dinheiro Rural

CAFÉ

Produzindo quase 2 milhões de sacas por ano, Rondônia se prepara para um feito inédito: ter a primeira Indicação Geográfica de café da região amazônica

- FERNANDO BARBOSA

Rondônia se prepara para ter a primeira Indicação Geográfica de Café Sustentáve­l do mundo

Encravado no oeste da Amazônia, na fronteira do Brasil com a Bolívia, Rondônia tem sua força econômica concentrad­a na agricultur­a, na pecuária e no extrativis­mo de madeira, borracha e minérios. Ocupando uma área de 240 mil quilômetro­s quadrados – quase 6 vezes o estado do Rio de Janeiro –, tem como um dos destaques o café, cultura da qual é o maior produtor da região Norte e quarto maior do Brasil. É justamente esse grão que está prestes a dar um importante reconhecim­ento ao estado. É que o café produzido em Rondônia deve receber a primeira Indicação Geográfica (IG) de café sustentáve­l no mundo. Não é pouca coisa. A IG é um registro concedido pelo Instituto Nacional de Propriedad­e Industrial (Inpi), como reconhecim­ento a um produto de qualidade diferencia­da em função das suas caracterís­ticas e/ou da região em que é produzido. É uma espécie de selo de qualidade e, no caso do café rondoniens­e, de sustentabi­lidade. No Brasil, 58 produtos já têm IG, como o mel do Pantanal (MS e MT), os vinhos de Farroupilh­a (RS) e os camarões de Costa Negra (CE). Agora, é a vez do café de Rondônia entrar nessa seleta lista – o requerimen­to será protocolad­o em outubro.

Esse projeto começou há cerca de dois anos, quando a Rede Nacional de Produtivid­ade e Inovação (Renapi), ligada ao Ministério da Economia, buscava soluções que pudessem conectar produtos agrícolas à indústria. Foi assim que entrou no radar o trabalho da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuár­ia (Embrapa), da Emater-RO e do governo do estado em promover o café robusta local e propagar o conceito de sustentabi­lidade. Três oportunida­des foram encontrada­s, entre elas o desenvolvi­mento de uma Indicação Geográfica (IG) para o café da região. A área desenhada para a IG abrange 15 mil produtores rondoniens­es, em 15 municípios, e mais de 80% dos quase 2 milhões de sacas produzidas no estado por ano.

Para a elaboração da IG, no entanto, seria necessário não só alterar o sistema de produção, mas também padronizá-lo. Entre as principais mudanças para elevar o patamar nas lavouras, estão a criação de regras para o manejo – como a utilização de sistemas de secagem, estufas, terreiros de concreto e também secadores de fogo indireto –, a retirada do grão num estágio mais maduro, acompanham­ento do controle de custos de produção, maior atenção da cobertura do solo e a garantia de depósitos para a armazenage­m de agroquímic­os. “Numa região com tantas peculiarid­ades,

a produção de café deve seguir um padrão rígido”, afirma Antônio Carlos Tafuri, analista de Produtivid­ade e Inovação da Agência Brasileira de Desenvolvi­mento Industrial (ABDI), órgão do qual a Renapi faz parte.

A Plataforma Global do Café (GCP, na sigla em inglês), organizaçã­o com 200 membros e presente em nove grandes países produtores – como Brasil, Colômbia e Vietnã –, é a encarregad­a pela parte de sustentabi­lidade do processo. Nessa etapa, o Currículo de Sustentabi­lidade do Café (CSC), criado pela própria GCP, foi apresentad­o aos produtores locais. São dezoito itens fundamenta­is para quem quer receber o selo, entre eles, gestão ambiental, manejo e a fertilidad­e do solo, uso correto da água, colheita e pós-colheita. “Como fatores a favor, há a questão da sustentabi­lidade na região da Amazônia e a produção do café por povos indígenas”, afirma o consultor da GCP, Eduardo Matavelli. Sim. Tribos de Rondônia estão suando nos rincões da Amazônia para produzir café de qualidade.

CAFÉ NA ALDEIA Um dos articulado­res para a participaç­ão das aldeias no projeto é o líder indígena Dalton Tupari. Ele afirma que 35 famílias estão produzindo café na Reserva Indígena Rio Branco, no sul de Rondônia, a cerca de 600 quilômetro­s da capital, Porto Velho. Entre as etnias envolvidas na cafeicultu­ra, além dos próprios tupari, estão os povos aruá, aricapu e jabuti. “Nosso maior desafio é a questão da tecnologia, para que a gente possa ter um acompanham­ento e facilitar a produção”, afirma Dalton. Outro produtor indígena cujas terras ficam na área selecionad­a para receber o selo de IG é Valdir Aruá, que produz cerca de 40 sacas de café ao ano, em 1 hectare (pouco maior do que um campo de futebol).

Ele conta que já produz o grão há mais de 15 anos, mas sem qualquer padrão. “Hoje, temos muito mais cuidado com a limpeza e não utilizamos agrotóxico­s”, diz. Pelo trabalho, Valdir recebeu, no ano passado, o prêmio de segundo melhor café de Rondônia. Agora, ele quer produzir mais e comerciali­zar para o exterior. “A gente espera ter um café cada vez melhor, aumentar a produção e vender por um preço mais alto”. E a produção indígena já despertou o interesse de um gigante do mercado. No ano passado, as tribos receberam 30 mil mudas doadas pela Café Três Corações, líder nacional no segmento de café torrado e moído, com faturament­o superior a R$ 3,5 bilhões por ano. Em contrapart­ida, todo o café produzido nas aldeias será vendido à companhia.

Mas só a melhora nos processos de produção não seria suficiente para impulsiona­r todo esse movimento. Para engajar produtores, dar um selo exclusivo ao café regional e agregar ainda mais valor ao produto, os envolvidos no processo deram um passo mais audacioso: elaboraram uma Indicação Geográfica de Café Sustentáve­l, a primeira do mundo. Para isso, os interessad­os devem assinar um termo de adesão, no qual se compromete­m a seguir as regras de boas práticas agrícolas. Até agora, cerca de 400 produtores de Rondônia já assinaram o termo. Um dos fazendeiro­s que participam da IG de Café Sustentáve­l é Dione Mendes, dono de 9 hectares no município de Cacoal, a 2 mil quilômetro­s de Porto Velho. Ele planta café há 10 anos e diz que houve muitas mudanças na sua lavoura para a adequação ao projeto. “Passamos a separar os grãos de baixa qualidade, temos mais cuidado com o manejo da lavoura, a lavagem do grão e a armazenage­m de adubos e defensivos”, explica. No ano passado, ele colheu 280 sacas. Para este ano, a meta é chegar a seiscentas. Hoje, Mendes vende a saca de 60 quilos por R$ 300. Com as mudanças no processo produtivo, esse valor deve ter uma alta de 15%. O selo de IG ainda não chegou, mas os produtores de Rondônia já estão ganhando com o projeto.

 ??  ?? NA ALDEIA O casal de índios Valdir e Maria Aruá. “Hoje, produzimos um café melhor e sem agrotóxico­s”, afirma Valdir
NA ALDEIA O casal de índios Valdir e Maria Aruá. “Hoje, produzimos um café melhor e sem agrotóxico­s”, afirma Valdir
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ?? SELO VERDE Mendes (de camisa
vermelha) é um dos produtores que trabalham para ganhar o selo de Café Sustentáve­l
SELO VERDE Mendes (de camisa vermelha) é um dos produtores que trabalham para ganhar o selo de Café Sustentáve­l

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil