Dinheiro Rural

MERCADO

REDES DE VAREJO SE ORGANIZAM PARA VENDER APENAS OVOS DE GALINHAS LIVRES DE GAIOLAS. O PROBLEMA é QUE OS PRODUTORES NãO CONSEGUEM SUPRIR A DEMANDA

- FáBIO MOITINHO

O varejo se organiza para vender apenas ovos de galinhas livres de gaiolas. Mas os produtores não conseguem suprir a demanda

Há dois anos, o grupo mineiro Mantiqueir­a, maior produtor de ovos da América Latina, deu início a um projeto de criação de galinhas livres de gaiolas. Até agora, o resultado é uma produção de alto custo e de pouca demanda. Mas esse cenário deve mudar nos próximos anos. “O compromiss­o do varejo é vender apenas esse tipo de produto a partir de 2025”, declara Leandro Pinto, presidente da Mantiqueir­a, que fatura cerca de R$ 550 milhões por ano. “Quando isso acontecer, vai faltar esse tipo de ovo, porque o produtor não atingirá o volume esperado.” Pelas estimativa­s do setor, dos 44,5 bilhões de ovos produzidos no País anualmente, apenas 5% vêm do sistema de criação sem gaiolas, que inclui a produção orgânica e caipira.

No entanto, as maiores redes de varejo do País, como Carrefour e Grupo Pão de Açúcar (GPA), acreditam que esse tipo de ovo, que tem forte apelo sustentáve­l, possa se tornar uma realidade em larga escala. O GPA, que faturou R$ 53,6 bilhões no ano passado, não revela seus números de vendas de ovos, mas afirma que, hoje, 25% das unidades comerciali­zadas já vêm desse tipo de sistema. “Para nós, esse tipo de produto já deixou de ser nicho”, diz Paulo Pompilio, diretor de Sustentabi­lidade do GPA. Há dois anos, esse número era de apenas 5%. Nas fazendas, porém, a realidade é outra. Para os produtores, ovos de galinhas livres de gaiolas ainda é visto como um nicho e não há, hoje, no Brasil capacidade de produção que consiga atender à eventual demanda que as grandes redes podem exigir.

Problemas à parte, o fato é que há uma forte tendência nesse mercado e que não pode ser ignorada: a busca por mais qualidade de vida das galinhas, de acordo com as diretrizes de bem-estar animal. Esse movimento está transforma­ndo a produção agropecuár­ia no mundo: já é empregado na criação de bovinos e vai se aproximand­o cada vez mais da produção de suínos e aves. Em todas as granjas da Alemanha e em muitas dos Estados Unidos, a criação de galinhas sem gaiolas já é uma sólida realidade. “Mas nesses países, a renda per capita é muito superior à do brasileiro”, observa Leandro Pinto, da Mantiqueir­a. “Vai demorar muito para o Brasil chegar a esse patamar.”

A empresa de Pinto, que tem a matriz em Itanhandu (MG) e unidades em Primavera do Leste (MT) e Paraíba do Sul (RJ), produziu 2,4 bilhões de ovos no ano passado – 5,4% de toda a produção nacional. Dos seus 11,5 milhões de galinhas, 575 mil são criadas livres de gaiolas e produzem 120 milhões de ovos por ano, o que representa apenas 5% da produção da empresa. E, por enquanto, deve ficar nisso. “Não penso em aumentar. Vou esperar o mercado amadurecer”, diz Pinto. Ele afirma que investiu cerca de R$ 10 milhões desde o início do projeto, em 2016, com instalaçõe­s, equipament­os e mão-de-obra. O custo no sistema de criação de galinhas livres é fator prepondera­nte, chegando a ser 40% superior ao sistema tradiciona­l de criação. Para criar uma galinha em gaiola, o produtor gasta, em média, R$ 12 por mês. No sistema em liberdade, esse valor pode chegar a cerca de R$ 20. “O ovo é a proteína animal mais barata que existe, além de ser a mais nutritiva, só perdendo para o leite materno”, destaca Pinto. “Por isso, pela economia do País, é uma conta que ainda não fecha”.

Estímulo à demanda Segundo dados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), o mercado interno absorve praticamen­te toda a produção nacional de ovos: 99,7%. Apenas 0,3% é exportado. Outro fato interessan­te: nunca se comeu tanto ovo no Brasil como em 2018. Foram 212 unidades por pessoa, contra 192 em 2017, alta de mais de 10%. Para Paulo Pompilio, do GPA, é crescente também o gosto pelos ovos do sistema livre de gaiolas. Há dois anos, a empresa anunciou que, até 2025, só venderia esse tipo de produto. “Pelo cresciment­o que observamos, acreditamo­s que estamos no caminho certo”, afirma o executivo.

Para ele, quanto maior o consumo de ovos no País, melhor será a receptivid­ade desse tipo de produto. O nó a ser desatado está, segundo ele, justamente na produção. “É um desafio não só das grandes redes de varejo, mas também do sistema produtivo e do próprio governo”, diz Pompilio. Com linhas especiais de financiame­nto, os produtores poderão estruturar as granjas e reduzir os custos. “Temos consciênci­a de que o ovo é a proteína animal mais barata que há. Por isso, não deixamos de lado a nossa responsabi­lidade de oferecer um produto que o consumidor possa comprar”. Atualmente, cinco granjas atendem à demanda do GPA por ovos de galinhas livres de gaiolas.

No ano passado, o Carrefour anunciou postura semelhante à do GPA. A empresa, que faturou R$ 56,3 bilhões em 2018, espera vender exclusivam­ente esse tipo de ovo até 2028. Diretor de Sustentabi­lidade do Carrefour Brasil, Paulo Pianez destaca o apelo sustentáve­l dos ovos de galinhas criadas fora de gaiolas. “Cada vez mais, o consumidor quer saber de onde vem o alimento que consome, se sua produção respeitou as questões ambientais, sociais e de bem-estar animal”, destaca Pianez. Para ele, é um caminho sem volta. Inclusive, para os fazendeiro­s. “Os produtores podem não estar investindo agora, mas vão investir, porque a demanda vai crescer.”

“Para nós, ovos de galinhas livres de gaiola já deixou de ser nicho. Pelo cresciment­o, estamos no caminho certo” PAULO POMPILIO Grupo Pão de Açúcar “Os produtores podem não estar investindo agora, mas vão investir, porque a demanda por esse produto vai crescer” PAULO PIANEZ Carrefour

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PIONEIRO Maior produtor de ovos da América Latina, Leandro Pinto foi o primeiro empresário do Brasil a investir na criação de galinhas livres de gaiola
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