Dinheiro Rural

CAPA

HÁ UM VERDADEIRO PELOTÃO DE BACTÉRIAS, FUNGOS, VÍRUS E INSETOS COMBATENDO PRAGAS E DOENÇAS NAS LAVOURAS. ESTAMOS NA ERA MUNDIAL DOS BIOLÓGICOS, QUE JÁ MOVIMENTA QUASE R$ 500 MILHÕES NO BRASIL

- FáBIO MOITINHO, DE PIRACICABA (SP)

COM O USO DE VÍRUS, BACTÉRIAS, FUNGOS E INSETOS, O SETOR DE BIOLÓGICOS COMBATE PRAGAS, GANHA ESPAÇO E SE APRESENTA COMO ALTERNATIV­A SUSTENTÁVE­L PARA A AGRICULTUR­A NO PLANETA

Quem vê o produtor rural Alexandre De Marco, 45 anos, utilizando um pulverizad­or para despejar bactérias e fungos em suas plantações de soja e algodão em Rondonópol­is (MT), pode imaginar que ele ficou maluco. Nada disso. As actérias e fungos, longe de destruir lavoura, podem ser a salvaçnao dela. Tanto que De Marco não é o único fazer isso. A empresa gaúcha Rasip, grande produtora nacional de maçã, também usa bactérias em seus pomares. E até a maior produtora de açúcar e etanol do País, a Raízen – com faturament­o de

R$ 86 bilhões –, entrou nessa. A companhia, que tem 26 usinas espalhadas pelo Brasil, libera milhares de vespas em seus 860 mil hectares de canaviais. Essa turma não está jogando contra o próprio patrimônio. Eles são parte de um grupo cada vez maior de empresas e produtores rurais que fazem uso dos “biológicos do campo”. São bactérias, vírus, fungos e insetos que trabalham a favor da plantação, combatendo micro-organismos nocivos. Trata-se de uma batalha quase sempre invisível a olho nu, travada por soldados microscópi­cos ou minúsculos. “O controle biológico é uma volta às origens da agricultur­a, com a presença dos inimigos naturais das pragas”, diz De Marco, que é diretor do grupo BDM e utiliza os biológicos há dois anos.

Nessa guerra, os combatente­s do bem têm uma missão clara: eliminar o exército inimigo, que são os insetos, fungos e bactérias causadores de danos à plantação e, consequent­emente, de prejuízos ao produtor. Essa realidade já está mudando a agricultur­a e ganhando cada vez mais espaço. Sejam microbioló­gicos (bactérias, fungos e vírus) ou macrobioló­gicos (insetos, como abelhas e moscas), esses

agentes atuam, hoje, em cerca de 10 milhões de hectares, 13% da área ocupada por lavouras e florestas plantadas no País — o equivalent­e a três vezes a Bélgica. Com o avanço da ciência, esse tipo de ação deixa de ser uma alternativ­a ou nicho de mercado para compor o manejo integrado de pragas e doenças das fazendas. “Precisamos encontrar um equilíbrio ecológico nas fazendas. Para isso, temos de estar atentos ao que está acontecend­o e, principalm­ente, ao que pode vir”, diz De Marco.

Além de combater organismos danosos, o uso dos biológicos tem outra vantagem: permite a utilização dos mesmos produtos químicos e equipament­os normalment­e empregados nas fazendas. De Marco, por exemplo, aplica os biológicos utilizando pulverizad­ores de agroquímic­os. Essa integração de tecnologia­s é um dos fatores destacados pelo agrônomo José Roberto Parra, da Escola de Agricultur­a Luiz de Queiroz (Esalq), em Piracicaba, no interior de São Paulo. A instituiçã­o é referência nacionail no assunto. “O controle biológico não é uma substituiç­ão aos produtos químicos. Eles se complement­am”, observa Parra. “Existe um espaço enorme para os biológicos no Brasil, devido às grandes áreas de produção agrícola do País”. Os bons resultados já são

O controle biológico é uma volta às origens da agricultur­a, com a presença dos inimigos naturais das pragas da lavoura Alexandre De Marco

empresário e produtor O mercado de biológicos tem crescido bastante na Europa. E a China também já entrou nessa. Isso tem refletido na busca por mais soluções Arnelo Nedel

Associação Brasileira das Empresas de Controle Biológico

percebidos. O que Alexandre De Marco libera, na sua plantação de soja e algodão, é uma bactéria do gênero Bacillus. Assim, tem conseguido diminuir a população de nematoides, espécie de verme que se alimenta das raízes das plantas. No Brasil, só essa classe de praga causa perdas em torno dos R$ 35 bilhões por ano. “O nematoide é um dos nossos principais problemas”, afirma De Marco. “De duas safras para cá, estamos testando uma linha de produtos que prometem acabar com isso. Pelo pouco tempo de uso, já é possível perceber uma mudança na saúde do solo.” O curioso é que esse mesmo gênero de bactéria tornou mais fortes as lavouras de soja, milho e algodão, graças à engenharia genética, com a obtenção das primeiras variedades de soja transgênic­a. Foi com a inserção de um gene de Bacillus thuringien­sis (mais conhecido por Bt) no DNA desses vegetais que a agricultur­a alcançou uma nova fase: a de plantas mais resistente­s ao ataque de pragas. “Não é à toa que a venda de inseticida­s caiu considerav­elmente desde o surgimento dessa tecnologia”, diz o agrônomo Gustavo Herrmann, diretor comercial da Koppert do Brasil. “Agora, é a vez desses agentes criarem seu próprio espaço no mercado. Acredito que, nos próximos 10 anos, vamos assistir não apenas ao cresciment­o do uso de agentes de controle biológico, mas também ao incremento desse mercado, por meio da agricultur­a digital”.

Com dados precisos, o produtor terá mais informaçõe­s sobre as pragas e doenças que estão ocorrendo nos campos e, a partir disso, usará menos agroquímic­os. Tanto é que companhias químicas tradiciona­is, como as alemãs Bayer e Basf, a suíça Syngenta e a nipobrasil­eira Ihara já estão nesse mercado, ao lado de empresas ligadas exclusivam­ente à produção de agentes biológicos, como a holandesa Koppert e as brasileira­s Promip, Ballagro e Biocontrol­e. “É ótimo termos grandes empresas nesse setor. Isso ajuda ainda mais no desenvolvi­mento do mercado”, analisa Herrmann.

Apesar de o setor de químicos e de sementes melhoradas em laboratóri­o ter garantido saltos de produtivid­ade nas lavouras do mundo, desde a Revolução Verde, nos anos 1950, a opção do consumidor vai contra essa onda. A tendência, agora, é puxada por uma busca por alimentos mais saudáveis, livres de químicos, obtidos por processos naturais e que respeitem o meio ambiente. A Europa é a região do planeta na qual esse movimento é mais evidente. “O mercado europeu de biológicos tem crescido bastante”, diz Arnelo Nedel, presidente da Associação

Brasileira das Empresas de Controle Biológico (ABCBio). “Isso tem refletido na busca por mais soluções para esse mercado. E a China também já entrou nessa”, afirma.

Os números são eloquentes. Em 2017, o mercado global de agroquímic­os foi avaliado em US$ 61,4 bilhões, 2,6% a mais ante 2016, segundo a consultori­a britânica Phillips McDougall. Já de acordo com a consultori­a americana Dunham Trimmer, o mercado mundial de controle biológico saltou de US$ 3 bilhões, em 2016, para US$ 3,5 bilhões, em 2017, alta de 17%. Isso faz com que os biológicos represente­m 5,6% do segmento no planeta. E, segundo especialis­tas, seguirá crescendo. Para 2020, as estimativa­s são de que o setor passe dos US$ 5 bilhões. No Brasil, os dados são ainda mais animadores para o setor, que registra cresciment­o médio de 20% ao ano. Só de 2017 a 2018, o mercado nacional de biológicos saltou 77%, segundo a ABCBio. O faturament­o cresceu de R$ 262,4 milhões, em 2017, para R$ 464,5 milhões no ano passado (uma participaç­ão de 1,5% no mercado nacional). Esse resultado pode ser ainda melhor. É que o Sindicato da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal ainda não apresentou seus números de 2018. No sentido oposto, a indústria de agroquímic­os vem perdendo força. Em 2014, o setor faturou US$ 12,3 bilhões. Já em 2017, esse número foi de US$ 8,9 bilhões, um tombo de quase 28%.

OPORTUNIDA­DES Se, por um lado, o mercado de agroquímic­os diminui, por outro, surgem oportunida­des de novos negócios para quem está atento. É o que tem feito a Koppert, que faturou, só no ano passado, US$ 355 milhões com biológicos, cerca de 10% de todo o mercado global. No Brasil, a participaç­ão da companhia holandesa é ainda maior: 21,5% do segmento. Foram R$ 80 milhões em vendas em 2017 e R$ 100 milhões no ano passado, alta de 25% em apenas 1 ano. Com isso, o País responde por 7,4% dos negócios globais da companhia. A expectativ­a da empresa é chegar a R$ 120 milhões ainda este ano. Para os holandeses, a agricultur­a em larga escala é o grande atrativo brasileiro. “As plantações de soja e de cana-deaçúcar do Brasil foram muito importante­s para o nosso cresciment­o”, diz Paul Koppert, CEO global e filho do fundador da empresa, Jan Koppert. “Antes, nossos produtos biológicos eram usados apenas em pequena escala”.

Presente no Brasil desde 2011 e com duas fábricas no interior paulista — em Piracicaba e na vizinha

Charqueada —, a companhia está em busca de soluções que atendam à necessidad­e do produtor de larga escala. Um dos projetos em desenvolvi­mento visa a criação de um herbicida biológico. “Essa pesquisa faz parte de uma integração das equipes brasileira­s e holandesas”, diz Herrmann, da Koppert do Brasil. “Essa novidade pode chegar aos campos num prazo de 3 a 5 anos”. Segundo o executivo, uma das razões pelas quais esse mercado deve seguir crescendo, no País e no mundo, é a busca por novos produtos. “Há grandes lacunas a ser preenchida­s, como um elemento contra o bicudo do algodoeiro e outro para combater a ferrugem asiática”, destaca Herrmann.

Dos cerca de 300 produtos considerad­os agentes biológicos registrado­s pelo Ministério da Agricultur­a, Pecuária e Abastecime­nto (Mapa), apenas poucas dezenas formam a base do controle nas lavouras do

A pesquisa de biológicos é um dos focos da nossa companhia. Vamos investir de forma constante nesse segmento Eduardo Leduc

vive-presidente da Basf

As plantações de soja e de cana do Brasil foram importante­s para o nosso cresciment­o. Antes, nossos produtos eram usados apenas em pequena escala Paul Koppert

CEO da Koppert

Brasil (confira os principais no quadro da página 38). “Por isso, é importante que as pesquisas encontrem mais inimigos naturais de pragas e doenças, e resolvam os problemas dos agricultor­es”, analisa Herrmann. Ele destaca que, no ano passado, a Koppert evoluiu bastante nesse sentido, apresentan­do uma solução para o psilídeo, inseto considerad­o a pior praga para a produção de laranja. A novidade nasceu de um projeto de cooperação entre a empresa, a Esalq e o Fundo de Defesa da Citricultu­ra (Fundecitru­s), e fez surgir uma esperança para acabar – ou, ao menos, reduzir – a infestação de 18% dos 192 milhões de árvores de citros em São Paulo e em Minas Gerais.

GIGANTES DO SETOR Os bons resultados vistos atualmente no mercado de agentes biológicos são fruto de um trabalho a longo prazo. Em meados da década de 1990, as empresas Basf, Bayer, Syngenta e Sumitomo Chemical já tinham em seu portfólio produtos de base biológica. À época, o setor ainda era pífio, mas já se mostrava bastante promissor. Os números atuais falam por si. Só este ano, a Basf investirá R$ 3,6 bilhões no segmento. E não pretende parar. “A pesquisa de bio

lógicos é um dos focos da nossa companhia”, afirma o agrônomo Eduardo Leduc, vice-presidente sênior da Divisão de Soluções para Agricultur­a da Basf, na América Latina. “Vamos investir de forma constante nesse setor”.

MANEJO INTEGRADO A empresa, que em 2018 faturou cerca de

R$ 270 bilhões em todo o mundo, se especializ­ou em produtos de tratamento de sementes, que combatem ataques de fungos e auxiliam na nutrição do vegetal. Seguindo no mesmo compasso, a Basf lançou, no ano passado, um produto de controle da broca na cana-de-açúcar, praga que chega a causar perdas de R$ 5 bilhões por ano. “Sabemos que os agricultor­es estão cada vez mais atentos a outras formas de controle nas lavouras”, diz Leduc. “Os biológicos são aliados dos defensivos agrícolas químicos e se destacam no manejo integrado de pragas e doenças”, analisa o executivo.

A Ihara, que faturou R$ 1,5 bilhão no ano passado, é outra que também vem apostando alto nos agentes biológicos. Dentro de cinco anos, a fatia de ganhos com essa classe de produtos deve chegar a 10% da receita da empresa, segundo o seu diretor de Marketing e de Pesquisa e Desenvolvi­mento, Clayton Veiga. Esse cresciment­o na participaç­ão dos ganhos da companhia vem de um incremento de portfólio de produtos, saindo de dois para cinco itens nos próximos dois anos. Entre as novidades, estão o controle de nematoides, de fungos e de folhas, como a ferrugem asiática. “Esses elementos são extremamen­te necessário­s para uma agricultur­a cada vez mais moderna e saudável”, diz Veiga.

O executivo da Ihara fala de uma realidade atual que já era pensada por um cientista brasileiro há quase 40 anos. Pesquisado­r da Esalq e doutor em Entomologi­a pela Universida­de de São Paulo (USP), José Roberto Parra, 74 anos, lembra que, nos anos 1980, quando estudava espécies de vespas, já imaginava um tipo de aeromodelo que faria a distribuiç­ão desses agentes pelo campo. “Hoje, os drones e os agentes biológicos são uma realidade”, destaca Parra. “Este ano, devemos ter 2 milhões de hectares de cana-de-açúcar tratados com vespas nas principais regiões do País.” Ele vislumbra um alcance ainda maior da agricultur­a digital aliada ao controle biológico. Nesse futuro não muito distante, drones estarão munidos de sensores avançados e de um sistema de inteligênc­ia artificial. Juntos, esses equipament­os poderão quantifica­r a população de pragas, sua localizaçã­o exata numa plantação e o momento ideal para liberar os minúsculos soldados que irão combatê-las. “Com certeza, os agentes biológicos têm um futuro brilhante pela frente”, afirma o pesquisado­r. O microscópi­co exército do bem seguirá forte e invencível.

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NEGóCIO EM ALTA O executivo Gustavo Herrmann, da Koppert, aposta no cresciment­o dos biológicos. “Esse mercado vai aumentar muito nos próximos 10 anos”, afirma
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FOTO: ORESTES LOCATEL
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NEGóCIO DA CHINA Com meta de se tornar a maior economia do mundo, os chineses querem aumentar o uso de agentes biológicos
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