Dinheiro Rural

ENTREVISTA

Cotado para presidir a ABCZ, Rivaldo Borges Júnior fala sobre investimen­tos, genética e os desafios da pecuária no Brasil

- VERA ONDEI, DE UBERABA (MG)

Rivaldo Borges Júnior, diretor da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu

Oempresári­o e pecuarista Rivaldo Machado Borges Júnior, 58 anos, está convicto de que será o novo presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), com sede em Uberaba (MG). A entidade completará 100 anos em maio, durante a 85ª Expozebu, sua feira anual. Trata-se do maior órgão representa­tivo de raças zebuínas do mundo. São cerca de 22 mil pecuarista­s que criam nelore, guzerá, gir, tabapuã, brahman, indubrasil e sindi, entre gado de corte e leiteiro, em um país, no caso o Brasil, onde 80% de seus 214 milhões de bovinos têm sangue zebuíno. As eleições ocorrem em agosto, com um forte indício de que deve permanecer inalterada a linha de trabalho desenvolvi­da pelo atual presidente, Arnaldo Manoel Borges, eleito em 2016. À época, a ABCZ passou por um dos maiores rachas políticos sobre seu modelo de gestão. Tanto que o atual presidente foi eleito com o apertado índice de 50,9% dos votos válidos. Rivaldo Borges Júnior, que já foi presidente do Sindicato Rural de Uberaba por 12 anos, é consenso por ter atuado como diretor na gestão passada da ABCZ, permanecen­do na atual. Hoje, ele é o diretor administra­tivo, além de comandar um dos principais projetos da entidade, o programa Pró- Genética. Confira a entrevista exclusiva que ele concedeu à RURAL.

“O setor teve enorme desenvolvi­mento em melhoramen­to genético e produção, mas não teve reconhecim­ento”

DINHEIRO RURAL – Por que o senhor tem tanta certeza de que será o próximo presidente da ABCZ?

RIVALDO MACHADO BORGES JÚNIOR – Porque fui indicado pela totalidade dos membros da atual diretoria e não há nenhum movimento de oposição ao meu nome. A atual diretoria, que se elegeu com o slogam “ABCZ para Todos”, vem cumprindo o seu papel. A ABCZ tem um orçamento anual entre R$ 18 milhões e R$ 20 milhões. Recebemos a entidade com cerca de R$ 8 milhões em caixa, em 2016, e em dezembro de 2018 viramos o ano com R$ 16 milhões. Se não tivéssemos investido em melhorias no parque Fernando Costa, onde acontecem os nossos principais eventos, estaríamos com R$ 24 milhões em caixa. Mas esses investimen­tos eram necessário­s. Agora, temos barracões melhores para os bovinos, mais dois restaurant­es e um hotel para os tratadores de gado que frequentam o parque de exposições. Além disso, fizemos um enxugament­o na gestão da entidade, com corte de funções desnecessá­rias, como há muito tempo não se fazia. Pelo que foi realizado em tão pouco tempo, não tenho nenhuma dúvida de que, caso o estatuto interno permitisse, o nosso atual presidente continuari­a no cargo.

RURAL – Qual o principal desafio de uma entidade do porte da ABCZ, em um cenário no qual o preço da arroba do boi, que rege o mercado, está bastante achatado?

BORGES JÚNIOR – Criar oportunida­de de qualificaç­ão.

A pecuária precisa se integrar cada vez mais a outras atividades, como os grãos e florestas plantadas. Ou seja, apostar na Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e na Integração Lavoura-Pecuária (ILP). Os valores mudaram muito na pecuária de corte e também na pecuária de leite. O valor agregado era maior. O que aconteceu com o agronegóci­o nos últimos 10 anos, com exceção da agricultur­a, foi uma mudança de cenário das commoditie­s agrícolas. Os preços dos produtos utilizados em uma propriedad­e tiveram uma correção natural de preços. Por exemplo, o arame, as máquinas, os medicament­os, insumos de modo geral, ganharam da inflação. Mas a atividade pecuária não. Ela não acompanhou a evolução natural dos preços. No passado, quem tinha mil bois era considerad­o um pecuarista de grande porte e tinha uma renda extraordin­ária. Hoje, não é assim. Um pecuarista de mil bois tem uma renda apertada, porque os valores da carne bovina, em relação ao passado, são menores. Ao contrário da agricultur­a. Na época em que eu era presidente do sindicato, acompanhei muitos agricultor­es ao Banco do Brasil para negociar dívida, porque a agricultur­a exige investimen­to pesado. Hoje, a gente não vê mais isso, porque os valores das commoditie­s subiram muito. A soja, nosso principal produto de exportação, deu condição para o produtor ter uma rentabilid­ade melhor. É o que o pecuarista precisa fazer.

RURAL – E o que é possível fazer?

BORGES JR – A ABCZ fechou uma parceria com a Embrapa, a ser assinada durante a Expozebu, em maio, que é o Integra Zebu. É o zebu junto com a tecnologia. Acreditamo­s na evolução da pecuária baseada na reforma de pastagem, que precisa ser intensific­ada. A agricultur­a avançou sobre muitas áreas de pecuária, onde as terras eram mais favoráveis. E aí, a atividade morreu. Queremos mostrar ao pecuarista que ele tem condição de investir, como um agricultor. E não importa o tamanho da propriedad­e. Por ter uma pastagem melhor, ele pode elevar a capacidade de lotação por hectare e, automatica­mente, reduzir a idade de abate do animal. Não adianta o produtor levar um animal de qualidade para onde não tem pasto. Hoje, 70% das propriedad­es do Brasil são degradadas.

RURAL – De onde virão os recursos para investir?

BORGES JR – Fizemos um trabalho com alicerce, não começamos pelo telhado. Nos últimos dois anos, estivemos, insistente­mente, no Banco do Brasil, com a sua coordenaçã­o de agronegóci­o. Conseguimo­s que o banco instale uma agência permanente dentro do parque Fernando Costa. Ela será inaugurada durante a Expozebu e é a primeira agência totalmente direcionad­a ao agro. Só abre conta quem tem inscrição de produtor rural. Nosso objetivo, com isso, é buscar linhas de crédito especiais para o fomento da integração lavoura-pecuária. Na extensão rural, por exemplo, já treinamos quarenta extensioni­stas da Emater, para irem a campo visitar pequenas propriedad­es. Vamos selecionar algumas que receberão investimen­to de graça para serem referência. É um projeto para todo o Brasil, porque a Embrapa também entra no jogo.

RURAL – O senhor reconhece a melhoria da pecuária?

BORGES JR – Com certeza. A pecuária teve um enorme desenvolvi­mento no melhoramen­to genético e nos ganhos de produção, mas não teve reconhecim­ento. No caso da pecuária de corte, hoje um animal no frigorífic­o vale R$ 150 por arroba de peso. Mas, para um produtor ter retorno de investimen­to, essa arroba deveria estar entre R$ 190 e R$ 220.

“O Pró-Genética é um programa social e está levando melhoramen­to até para a agricultur­a familiar”

RURAL – Há alguns anos, o setor discute a relevância de se avaliar animais em exposições, como em Uberaba e em tantas outras grandes feiras agropecuár­ias do Brasil. Qual o resultado prático desse tipo de evento?

BORGES JR – Eu frequento o parque de Uberaba desde que aprendi a andar, porque sou de família de pecuarista­s que iniciaram na atividade em 1906. Sim, tem diminuído o número de criadores e também o número de exposições agropecuár­ias no Brasil. Mas nós já começamos a resgatar público para a Expozebu, independen­temente de ser criador ou não de zebu. Por exemplo, estamos trazendo crianças para dentro do parque, visando construir um futuro. Hoje, tem um público diferente, que requer ações diferentes. Os tempos são outros, o mundo mudou. A feira de hoje não é mais aquela de duas ou três décadas atrás. Essa feira acontece há 85 anos. Antigament­e, eram oss filhos dos produtores que davam sequência ao trabalho dos pais e que estavam sempre em Uberaba. Depois, a feira se elitizou, com a presença de empresário­s, grandes investidor­es e ela tomou outra dimensão. Nesse processo, os pequenos e médios pecuarista­s foram sendo excluídos. Os grandes foram entrando e tomando os espaços, porque quem tem capital faz um gado rápido. Isso foi bom para a pecuária, porque vieram novas tecnologia­s, o mercado se desenvolve­u mais rápido. Com essa nova gestão na ABCZ, queremos que aquele tipo de público que foi excluído pelas circunstân­cias volte à Expozebu.

RURAL – Qual a receita para democratiz­ar o melhoramen­to animal do topo da pirâmide para a base da pecuária?

BORGES JR – Vejamos o exemplo do Pró- Genética, o Programa de Melhoria da Qualidade Genética do Rebanho Bovino, hoje presente em 20 Estados. É o maior programa que a ABCZ já fez, para incentivar o uso de touros registrado­s das raças zebuínas. O Pró- Genética é um programa democrátic­o e social. Todo produtor de touros puros de origem (PO) pode participar. Esse programa está levando melhoramen­to até mesmo para a agricultur­a familiar. Produtores que jamais teriam condições financeira­s de acessar a genética do topo da pirâmide estão comprando reprodutor­es melhorador­es. Hoje, cerca de 400 produtores de touros de todo o Brasil participam de quase 100 feiras anuais, levando cinco animais por evento.

RURAL – Como contornar a crítica de que as avaliações de pista não refletem a criação no pasto?

BORGES JR – Isso é um equívoco. O animal, quando vai para a pista, tem um tratamento nutriciona­l diferencia­do e, lógico, tem um desenvolvi­mento maior do que o boi a pasto. Mas isso não vai influencia­r na carga genética dele, porque ele é bom desde que nasceu. Inclusive já temos na Expozebu o julgamento da raça brahman de animais criados no pasto.

RURAL – Na sua opinião, avaliar o animal apenas no olho, como antigament­e, continua valendo?

BORGES JR – Os programas de melhoramen­to genético são muito importante­s. É uma ferramenta de trabalho da qual não se pode abrir mão. Mas o fenótipo, no meu ponto de vista, ainda conta mais. E explico: meu avô e meu pai fizeram zebu no olho, pelo fenótipo. O bezerro nascia e seu desenvolvi­mento era acompanhad­o na caracteriz­ação racial de fêmeas e machos. Os melhores se tornavam reserva, porque não existiam os programas de avaliação. Agora, a genômica veio para melhorar os programas de avaliação. E a ABCZ saiu na frente na sua adoção. Mas somente o programa de avaliação não é uma ferramenta sólida, ainda, para dizer o que aquele animal é. Já vi muitos animais com uma avaliação extraordin­ária de fenótipo muito pior do que outro com avaliação negativa.

RURAL – Mas a ABCZ tem o Epmuras, que prega a avaliação visual dos animais.

BORGES JR – O Epmuras ainda precisa evoluir, embora seja um produto dentro do programa de melhoramen­to da ABCZ, o PMGZ, há cerca de 15 anos. O que eu prego é que não podemos deixar de lado o fenótipo do animal.

RURAL – O seu gado está em algum programa de melhoramen­to genético?

BORGES JR – Sim, no PMGZ. Mas eu não olho primeiro a ficha do PMGZ para fazer um acasalamen­to. O bovino transmite mais de 50% de sua genética para o filhote. Se ele tem boa cobertura de carcaça, profundida­de de costela, umbigo bem colocado, membros bem distribuíd­os, vai transmitir tudo isso para o bezerro. E isso se faz no olho. Só depois eu olho a ficha da vaca. Ela tem de parir todo ano, desmamar um macho acima de 260 quilos e uma fêmea acima de 230 quilos. Se, na desmama, em dois anos consecutiv­os, esse animal não for bem, é eliminado, mesmo se estiver bem avaliado geneticame­nte.

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RELEVâNCIA GLOBAL O Brasil está entre os maiores produtores e exportador­es de carne bovina do mundo
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CIêNCIA NO CAMPO Pecuarista­s do Brasil e do mundo já adotam projetos de melhoramen­to genético para elevar a qualidade do gado

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