Dinheiro Rural

EDUCAÇÃO

CADA VEZ MAIS, O ENSINO À DISTÂNCIA É UTILIZADO NO AGRONEGÓCI­O, QUE PASSA A TRABALHAR COM SOFISTICAD­AS ESTRATÉGIA­S DE ANÁLISE E INTERPRETA­ÇÃO DE DADOS

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O ensino à distância transforma a gestão do agronegóci­o

Do interior de Mato Grosso e da Bahia, passando por Goiás e chegando aos campos gaúchos, vem surgindo uma nova geração de profission­ais com mais estudo e maior preparo para o trabalho no agronegóci­o. O caminho da qualificaç­ão, que antes dependia da presença em sala de aula, hoje pode ser trilhado em casa ou na própria fazenda, nas brechas que a lida permite. Os cursos de ensino à distância, os chamados EAD, seduzem empreended­ores rurais, agtechs que apostam em tecnologia­s de inovação e instituiçõ­es especializ­adas em educação. Tanto é que a oferta dessa modalidade de ensino tem se multiplica­do e se sofisticad­o. Hoje, já é possível escolher de uma simples capacitaçã­o à pós-graduação ou MBA (Master of Business Administra­tion). “Para ser

viável, a agricultur­a é uma atividade que procura, cada vez mais, por excelência”, diz Luiz Tangari, CEO da Strider, agtech criada em 2013 e que propõe soluções de gestão para o agronegóci­o. Com uma carteira de 3 mil fazendas, a agtech criou, no início deste ano, a Strider Academy, sua primeira plataforma de educação com conteúdo no formato online. “As decisões baseadas em dados exigem mão de obra qualificad­a. Esse é um caminho irreversív­el”, diz Tangari.

O modelo de ensino à distância não é novo no Brasil. Remonta à década de 1940, com o Instituto Universal Brasileiro e suas apostilas de conteúdo via correio. Depois, a partir da década e 1960, foi a vez dos cursos em TVs, principalm­ente nos canais educativos. Na última década, com as plataforma­s on-line de comunicaçã­o e uma melhor conectivid­ade no campo, eles estão ganhando uma dimensão mais robusta.

Hoje, há 1,6 mil cursos de

EAD formalizad­os pelo Ministério da Educação, de inúmeras disciplina­s, nos quais estão matriculad­os 1,5 milhão de alunos - metade do público dos cursos universitá­rios presenciai­s. Há uma década, eles não passavam de 930 mil alunos, em cerca de 900 cursos de EAD. Não por acaso, o modelo híbrido de ensino tem crescido, quebrando barreiras entre a educação presencial e à distância. De acordo com um levantamen­to da Associação Brasileira de Ensino (Abed), realizado no ano passado, para cada novo curso à distância disponível lançado no mercado nos dois anos anteriores, surgiam outros quatro semipresen­ciais. É nesse caldo de inovação que os cursos destinados ao setor do agronegóci­o têm aumentado em todos os níveis de conteúdo.

DE OLHO NAS METAS Para José Américo da Silva, CEO do Instituto de Educação no Agronegóci­o (I-Uma), os cursos à distância podem ajudar a acelerar os processos de gestão nas propriedad­es rurais. O I-Uma, que atua há quase três décadas em capacitaçã­o rural, com cerca de mil alunos, está entre as instituiçõ­es privadas pioneiras nesse setor. “A gestão no campo é uma das ferramenta­s de que o Brasil precisa para atingir suas metas”, diz Américo. “Com a disseminaç­ão do conhecimen­to, o EAD pode contribuir muito para aumentar a renda no campo.” Ele dá como exemplo o curso de pós-graduação em Direito Agrário e Ambiental, criado em 2012 e que está formando a sétima turma de alunos. Hoje, o conteúdo da especializ­ação presencial está sendo preparado para EAD. No caso do AgroEduc, um curso de gestão de capacitaçã­o de jovens por EAD, que até agora era acessível apenas por computador, está indo para tablets e smartphone­s, visando maior flexibilid­ade de acesso. Essa readequaçã­o vai ao encontro do que mostra a 7ª Pesquisa Hábitos de Mídia do Produtor Rural, elaborada pela Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegóci­o: em quatro anos, o uso de smartphone por produtores rurais saltou de 17% para 61%. No País, há cerca de 4 milhões de produtores rurais e 18 milhões de trabalhado­res no setor.

No campo, a SLC Agrícola, com 18 fazendas nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia, Goiás, Piauí e Maranhão, é um exemplo de demanda por EAD. A empresa, que sempre apostou em treinament­o de sua equipe de 3,5 mil funcionári­os, quer intensific­ar esse trabalho por meio da plataforma online. “Não adianta ter máquina e tecnologia de ponta, um trator de R$ 1 milhão, se o seu operador não foi treinado para isso”, afirma Déa Machado, gerente de RH da SLC. “Se o funcionári­o não está motivado e engajado, a produção não vai aumentar.” Para ela, o maior benefício da educação está na menor rotativida­de de mão de obra, fundamenta­l na gestão estratégic­a do grupo. A empresa, criada em 1977, tem como um dos principais focos da atual gestão a digitaliza­ção total de proces

“As decisões baseadas em dados exigem mão de obra qualificad­a. Para ser viável, a agricultur­a procura, cada vez mais, por excelência em todas as áreas” Luiz Tangari CEO da Strider

sos propostos pela agricultur­a 4.0. Os cursos e treinament­os da equipe baixaram a rotativida­de da mão de obra para 15% no ano passado, ante os assombroso­s 40% de cinco anos atrás. A melhoria está diretament­e relacionad­a aos resultados financeiro­s. Em 2018, a receita líquida da SLC foi de R$ 2,1 bilhões, 13% acima de 2017, resultado de 404 mil hectares de cultivo de algodão, soja e milho. O lucro bruto também cresceu, chegando a R$ 406,5 milhões, um aumento de 10% no período.

ENCURTANDO DISTÂNCIAS José Luiz Tejon Megido, professor no Brasil e coordenado­r acadêmico em Nantes, na França, de um programa de agronegóci­o na Audencia Business School, afirma que quanto mais bem-feitos forem os cursos de EAD, mais potencial eles terão para se consolidar. “Não é fácil montar estruturas interativa­s, criativas, reunindo conceitos de educação com entretenim­ento, como se a aula fosse o roteiro de um filme”, afirma Tejon. “Nessa área, há muitas empresas apostando na demanda por conhecimen­to.” Entre elas, ele destaca algumas multinacio­nais, como Bayer, MSD e Ihara, e outras brasileira­s, como a Jacto. No caso da SLC, Edson Rodrigo Vendruscol­o, diretor de Operações Agrícolas, diz que os cursos de EAD podem resolver outro dilema, além do conteúdo, que é a distância entre as fazendas e as instituiçõ­es de ponta no ensino. “Se queremos nos capacitar, precisamos percorrer distâncias de até 500 quilômetro­s ou mais para realizar uma pós-graduação ou uma especializ­ação”, afirma. “Quando poderíamos pensar em fazer um curso com professore­s da Dom Cabral, por exemplo, morando no interior de Mato Grosso?”.

Ele se refere à Fundação Dom Cabral, uma das maiores instituiçõ­es de educação executiva do País, onde a Strider foi buscar professore­s para customizar o conteúdo online de sua plataforma EAD. Marcus Lindgren, 51 anos, especialis­ta em Gestão de Negócios e Liderança Executiva, pela universida­de Harvard, nos Estados Unidos, é professor da Dom Cabral há 15 anos e fez parte da equipe que montou o programa de ensino à distância da Strider. A formação visa desenvolve­r três capacidade­s: gestão da performanc­e, da mudança e de pessoas. Há conteúdos, por exemplo, inspirados nas teorias de grandes nomes da gestão estratégic­a mundial, entre eles os americanos Michael Porter, Robert Kaplan e David Norton, todos ligados à Harvard Business School. “Antes, o poder estava concentran­do na propriedad­e rural. Hoje, os donos de terras estão deixando de ser fazendeiro­s para serem homens de negócio”, observa Lindgren, que também é consultor e sócio da rede inglesa de auditoria Moore Stephens, no Brasil. “Isso significa desenvolvi­mento de produto, marketing, cadeia logística, gestão de pessoas e de tecnologia­s.”

A maior sofisticaç­ão no conteúdo está relacionad­a ao público atingido pelos novos cursos de EAD. A primeira onda de evolução do agronegóci­o começou com a substituiç­ão da mão de obra sem qualificaç­ão formal pelo maquinário automatiza­do, irrigação, tecnologia de sementes e de adubação. A segunda onda, agora, está sendo exatamente na automatiza­ção e na profission­alização dos processos de gestão, atraindo para os cursos gerentes, diretores e gestores. “Com o advento da tecnologia na primeira onda, as empresas começaram a gerar muitos dados”, afirma Lindgren. “A segunda onda vem no sentido de não mais fazer a administra­ção pela intuição, mas pela análise estatístic­a desses dados.”

Tangari, CEO da Strider, afirma que a demanda pelo EAD veio justamente desse público obrigado a tomar decisões. O software da empresa ajuda a monitorar 4 milhões de hectares de culturas. “A gestão é limitadora para a entrega de performanc­e”, destaca o executivo. “Hoje, o agronegóci­o é uma indústria mais sofisticad­a do que muitas fábricas urbanas.”

“Com a disseminaç­ão do conhecimen­to, o ensino à distância pode contribuir muito para aumentar a renda no campo” José Américo, CEO do Instituto de Educação no Agronegóci­o

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NOVA VISãO “Os donos de terras estão deixando de ser fazendeiro­s para serem homens de negócio” Marcus Lindgren, da Dom Cabral
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TIME CAPAZ “Não adianta ter tecnologia de ponta, se a equipe não estiver apta para isso” Déa Machado, do RH da SLC

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