O futuro é biológico
Quem acompanha o agronegócio sob o ponto de vista da evolução tecnológica no campo é testemunha das ferramentas que o setor tem incorporado continuamente para impulsionar a produtividade. Para quem vive do que planta, uma consequência direta do trabalho desenvolvido por cientistas é o benefício obtido pelo melhoramento genético das variedades usadas no cultivo. Plantas mais resistentes a pragas e a variações climáticas são uma realidade nas fazendas, graças ao empenho de universidades, institutos de pesquisa e empresas que produzem insumos. Ainda que novas tecnologias agrícolas aumentem a eficácia no campo, muitas delas podem trazer consequências ambientais de longo prazo ainda não totalmente conhecidas. Por isso, é importante valorizar iniciativas que integram o modo de produção conhecido como agricultura biológica, na qual não se usam produtos químicos sintéticos (sejam fertilizantes ou pesticidas) nem organismos geneticamente modificados (OGM). A ideia é respeitar o meio ambiente e a biodiversidade, sem arcar com perdas nos índices de produtividade. Aliás, pelo contrário: pesquisas comprovam que quando o principal agente é a própria natureza, o resultado são alimentos com bem menos risco de contaminação e maior valor nutricional, como mostra a reportagem de capa desta edição.
Por acompanhar de perto a produção vitivinícola nacional há mais de uma década (tanto na posição de jornalista especializado quanto na de jurado em avaliações), tenho o privilégio de ver na prática os efeitos da aplicação de métodos biológicos no cultivo das videiras. Dependendo do tipo de filosofia por trás dos cuidados no parreiral, a uva pode ser classificada como orgânica (quando é vetado o uso de agrotóxicos) ou biodinâmica (quando o processo se apoia nos princípios do filósofo austríaco Rudolf Steiner, fundador da antroposofia). No caso da agricultura biodinâmica, não se trata apenas de substituir fertilizantes e pesticidas químicos por compostos naturais. A técnica compreende uma percepção do processo produtivo a partir do equilíbrio da energia dos elementos, tratando a fertilidade do solo e o crescimento das plantas de forma ecologicamente integrada. Ainda que seja motivo de muitos questionamentos científicos (até por sua tendência esotérica e espiritualizada), a biodinâmica ajuda a produzir vinhos que revelam melhor a tipicidade de cada casta de uva, além de eliminar conservantes, como o dióxido de enxofre, e de manter vinhedos mais sustentáveis. A partir das várias entrevistas que já realizei com produtores que aderiram ao cultivo orgânico em pelo menos parte de suas uvas, posso afirmar que não se trata de modismo, e sim de uma tendência irreversível, capaz de reaproximar a agricultura atual daquela praticada por nossos ancestrais. Revisitar antigas tradições agrícolas e aprimorá-las com os recursos atuais talvez seja a melhor forma de promover a evolução do setor que precisa gerar alimentos, energia e fibras, respeitando os recursos naturais e os diferentes biomas. Só assim poderemos garantir o futuro sustentável dessa nobre atividade que é o agronegócio.