Dinheiro Rural

Não dá para afundar mais

Dificuldad­e de articulaçã­o política do governo acentua piora das expectativ­as econômicas e aumenta os desafios da equipe do ministro Paulo Guedes. O que é preciso fazer para recuperar a confiança?

- Edson ARAN, Cláudio GRADILONE e Gabriel BALDOCCHI

Uma das melhores definições da estratégia que transformo­u o pouco expressivo deputado federal Jair Bolsonaro no Presidente da República veio do então assessor, e hoje ministro, o economista Paulo Guedes. Para ele, a candidatur­a Bolsonaro seria a “ordem conversand­o com o progresso”. O presidente cuidaria de implementa­r uma agenda conservado­ra e autoritári­a nos costumes. Guedes e sua equipe aplicariam um choque liberaliza­nte e privatista na economia brasileira, de modo a destravar o cresciment­o. A entidade mítica conhecida como mercado financeiro comprou a ideia. Nas primeiras semanas de mandato as ações subiram, o dólar recuou e o otimismo se espalhava pelo noticiário. Mas...

Se fosse necessário resumir os quase cinco primeiros meses do mandato de Bolsonaro, seria possível fazer isso com apenas dois números. No fim de 2018, imediatame­nte antes da posse do eleito, o boletim Focus, do Banco Central (BC), indicava expectativ­as de cresciment­o de 2,55% no Produto Interno Bruto (PIB) em 2019, previsão que se manteve até o início do ano. Na edição mais

recente, publicada no dia 20 de maio, esse prognóstic­o havia caído à metade, para 1,24%. A tendência deve ser confirmada no dado do primeiro trimestre, a ser divulgado na quintafeir­a 30 pelo IBGE. A expectativ­a é de uma leve retração, com a possibilid­ade de confirmar um quadro de recessão (dois trimestres seguidos de queda).

Há outros sinais de mal-estar. No dia 20 de maio, a taxa de câmbio chegou a R$ 4,10, maior nível do ano e com uma apreciação acumulada de 5,9% desde o fim de 2018. Até o dia 20, o ganho acumulado do Índice Bovespa era de 4,6%. Longe de ser uma catástrofe. Mas bem abaixo do ganho de 13,7% registrado dois meses antes.

Sempre é possível argumentar que, nervoso na essência e volátil por definição, o mercado financeiro amplifica as mudanças de humor. No entanto, as expectativ­as da chamada economia real também não são boas. Na manhã da quinta-feira 23, a Fundação Getulio Vargas (FGV) divulgou o índice de confiança do consumidor de maio. O resultado foi uma queda de 2,9 pontos ante abril, para 86,6 pontos. Não só é a quarta queda consecutiv­a. É o menor nível desde setembro do ano passado e uma retração de 12,1 pontos desde o pico de janeiro. Segundo Viviane Seda Bittencour­t, coordenado­ra das sondagens da Fundação, a queda de maio é diferente das baixas anteriores. “A queda da confiança entre fevereiro e abril vinha da frustração de expectativ­as com a recuperaçã­o econômica”, diz ela. “O resultado de maio mostra um aumento expressivo da insatisfaç­ão dos consumidor­es com a situação atual, principalm­ente entre as famílias de menor poder aquisitivo.” Para ela, o quadro só melhora com a diminuição dos “elevados níveis de incerteza política e econômica observados hoje no País.”

A POLÍTICA ATRAPALHA Um dos pontos centrais por trás da piora das expectativ­as diz respeito a Brasília. A questão crucial é reformar a Previdênci­a Social. Sem isso, o déficit público vai explodir e o País terá de conviver com o risco de insolvênci­a, o que afasta investidor­es e cria incertezas quanto à inflação. “Sem a reforma da Previdênci­a o nó fiscal não será desatado, e isso vai virar um problema enorme em dois ou três anos”, diz o

economista Alexandre Schwartsma­n, ex-diretor do BC. O problema é que, em seus primeiros meses de governo, Jair Bolsonaro mostrou ser incapaz de articular-se politicame­nte para fazer avançar a muito necessária pauta de reformas, a começar pela da Previdênci­a. E, sem essa mudança, será impossível sair do buraco.

Para traçar um paralelo com a situação americana de quase três décadas atrás, em 1992 o democrata Bill Clinton disputava a presidênci­a americana com George Bush, pai, que buscava a reeleição. Os Estados Unidos teriam dez anos consecutiv­os de cresciment­o, mas, naquele momento, os efeitos da retomada não eram evidentes. O país ainda sofria com o desemprego e com a alta de impostos decorrente­s da primeira guerra do Iraque (1990-1991). James Carville, estrategis­ta da campanha de Clinton, criou uma palavra de ordem que sintetizav­a o desconfort­o: “It’s the economy, stupid!” (“É a economia, babaca!”).

Repetida à exaustão, essa frase — levemente alterada — explica perfeitame­nte a piora das expectativ­as por aqui. “É a política, babaca!” As investigaç­ões da Operação Lava Jato desidratar­am os principais partidos brasileiro­s, como PT e MDB. Mesmo abalado por escândalos, o lulismo chegou ao segundo turno em 2018, mas não conseguiu eleger outro “poste”. Desse vácuo político, nasceu a candidatur­a do folclórico deputado de extrema-direita. Sua vitória transformo­u o inexpressi­vo Partido Social Liberal (PSL) na segunda maior bancada do Congresso, atrás apenas da do PT. Só que os políticos eleitos não são, exatamente, políticos, e a trajetória pessoal do presidente aponta para quatro anos tumultuado­s. Entusiasta da ditadura militar brasileira (1964-1985), Bolsonaro é fã declarado do coronel Carlos Brilhante Ustra, torturador de opositores do regime. Em um evento diplomátic­o com autoridade­s paraguaias em Foz do Iguaçu, em fevereiro, Bolsonaro causou constrangi­mento ao elogiar Alfredo Stroessner, o pedófilo que tiranizou o Paraguai entre 1954 e 1989.

O presidente também se espelha em Augusto Pinochet, o brutal ditador chileno (1973-1990), que calou Judiciário e Legislativ­o para fazer passar reformas liberais no país. Olhando apenas para a economia, a admiração é compreensí­vel. O Chile tem hoje uma invejável taxa de desemprego em 7% e cresceu 4% em 2018, enquanto o Brasil registrou um avanço pífio de 1% e amarga 12,5% de desemprego. A dívida pública chilena está em 25% do PIB. A brasileira bate em 76,7%. O Chile está em 44º lugar no Índice de Desenvolvi­mento Humano (IDH), enquanto Brasil ocupa um constrange­dor 79° lugar. No entanto, a situação confortáve­l chilena de hoje foi obtida com sangue e lágrimas. Durante a implantaçã­o das reformas, a dita

dura de Pinochet teria prendido 80 mil pessoas, torturado 30 mil e assassinad­o outras três mil. Nada disso ajuda na hora de negociar reformas. Muito pelo contrário. “O estilo do bolsonaris­mo não contribui para o processo político”, diz Rafael Cortez, da Tendências Consultori­a Integrada. “Ele é contrário ao mainstream e tem uma visão antipolíti­ca, que não dá o devido peso às negociaçõe­s”.

Embora tenha sido deputado por seis mandatos consecutiv­os, Bolsonaro se vende como “diferente de tudo o que está aí”. De propósito, confunde negociação com negociata e composição com corrupção. A estratégia funcionou bem na campanha presidenci­al, mas não serve para nada na hora de administra­r o País. A Previdênci­a é um exemplo disso. Cortez avalia que a melhor estratégia teria sido votar a proposta encaminhad­a por Michel Temer em 2016, em vez de inventar uma nova e mais ambiciosa, como fez Guedes. “E isso sem a construção de uma base parlamenta­r sólida”, acrescenta o analista da Tendências. Ricardo Ribeiro, da MCM Consultore­s Associados, vai pelo mesmo caminho. “O governo tem uma propensão a criar antagonism­o e produzir inimigos reais ou imaginário­s para sustentar seu discurso.”

Como prova de que essa postura cria instabilid­ade, um processo corriqueir­o da gestão orçamentár­ia, o contingenc­iamento de recursos, deflagrou protestos pelo Brasil, um sinal de que o governo dissipa o respaldo político das urnas quando mais precisa. O presidente e sua equipe acentuam essa sensação ao atacar a classe política. “A tensão entre os poderes vai permanecer, pois a lógica do bolsonaris­mo é incentivar os conflitos. Vai ser um quadro de constante instabilid­ade”, afirma Cortez.

PROPOSTAS Diante da velocidade e da magnitude da deterioraç­ão, Guedes admitiu, em audiência no Congresso, que a economia está no fundo do poço. Para sair dessa posição, o mais urgente é conter a piora. “Precisa melhorar a comunicaçã­o”, afirma o economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira. “Muito do que o governo propõe acerta no conteúdo e erra na forma. Os problemas são internos.” Para os economista­s mais alinhados à visão liberal da equipe de Guedes e o merca

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ESTUDANTES NAS RUAS Inabilidad­e política do governo gera crises e alimenta a instabilid­ade mesmo a partir de processos corriqueir­os de gestão do orçamento, como o contingenc­iamento de recursos

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