Não dá para afundar mais
Dificuldade de articulação política do governo acentua piora das expectativas econômicas e aumenta os desafios da equipe do ministro Paulo Guedes. O que é preciso fazer para recuperar a confiança?
Uma das melhores definições da estratégia que transformou o pouco expressivo deputado federal Jair Bolsonaro no Presidente da República veio do então assessor, e hoje ministro, o economista Paulo Guedes. Para ele, a candidatura Bolsonaro seria a “ordem conversando com o progresso”. O presidente cuidaria de implementar uma agenda conservadora e autoritária nos costumes. Guedes e sua equipe aplicariam um choque liberalizante e privatista na economia brasileira, de modo a destravar o crescimento. A entidade mítica conhecida como mercado financeiro comprou a ideia. Nas primeiras semanas de mandato as ações subiram, o dólar recuou e o otimismo se espalhava pelo noticiário. Mas...
Se fosse necessário resumir os quase cinco primeiros meses do mandato de Bolsonaro, seria possível fazer isso com apenas dois números. No fim de 2018, imediatamente antes da posse do eleito, o boletim Focus, do Banco Central (BC), indicava expectativas de crescimento de 2,55% no Produto Interno Bruto (PIB) em 2019, previsão que se manteve até o início do ano. Na edição mais
recente, publicada no dia 20 de maio, esse prognóstico havia caído à metade, para 1,24%. A tendência deve ser confirmada no dado do primeiro trimestre, a ser divulgado na quintafeira 30 pelo IBGE. A expectativa é de uma leve retração, com a possibilidade de confirmar um quadro de recessão (dois trimestres seguidos de queda).
Há outros sinais de mal-estar. No dia 20 de maio, a taxa de câmbio chegou a R$ 4,10, maior nível do ano e com uma apreciação acumulada de 5,9% desde o fim de 2018. Até o dia 20, o ganho acumulado do Índice Bovespa era de 4,6%. Longe de ser uma catástrofe. Mas bem abaixo do ganho de 13,7% registrado dois meses antes.
Sempre é possível argumentar que, nervoso na essência e volátil por definição, o mercado financeiro amplifica as mudanças de humor. No entanto, as expectativas da chamada economia real também não são boas. Na manhã da quinta-feira 23, a Fundação Getulio Vargas (FGV) divulgou o índice de confiança do consumidor de maio. O resultado foi uma queda de 2,9 pontos ante abril, para 86,6 pontos. Não só é a quarta queda consecutiva. É o menor nível desde setembro do ano passado e uma retração de 12,1 pontos desde o pico de janeiro. Segundo Viviane Seda Bittencourt, coordenadora das sondagens da Fundação, a queda de maio é diferente das baixas anteriores. “A queda da confiança entre fevereiro e abril vinha da frustração de expectativas com a recuperação econômica”, diz ela. “O resultado de maio mostra um aumento expressivo da insatisfação dos consumidores com a situação atual, principalmente entre as famílias de menor poder aquisitivo.” Para ela, o quadro só melhora com a diminuição dos “elevados níveis de incerteza política e econômica observados hoje no País.”
A POLÍTICA ATRAPALHA Um dos pontos centrais por trás da piora das expectativas diz respeito a Brasília. A questão crucial é reformar a Previdência Social. Sem isso, o déficit público vai explodir e o País terá de conviver com o risco de insolvência, o que afasta investidores e cria incertezas quanto à inflação. “Sem a reforma da Previdência o nó fiscal não será desatado, e isso vai virar um problema enorme em dois ou três anos”, diz o
economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC. O problema é que, em seus primeiros meses de governo, Jair Bolsonaro mostrou ser incapaz de articular-se politicamente para fazer avançar a muito necessária pauta de reformas, a começar pela da Previdência. E, sem essa mudança, será impossível sair do buraco.
Para traçar um paralelo com a situação americana de quase três décadas atrás, em 1992 o democrata Bill Clinton disputava a presidência americana com George Bush, pai, que buscava a reeleição. Os Estados Unidos teriam dez anos consecutivos de crescimento, mas, naquele momento, os efeitos da retomada não eram evidentes. O país ainda sofria com o desemprego e com a alta de impostos decorrentes da primeira guerra do Iraque (1990-1991). James Carville, estrategista da campanha de Clinton, criou uma palavra de ordem que sintetizava o desconforto: “It’s the economy, stupid!” (“É a economia, babaca!”).
Repetida à exaustão, essa frase — levemente alterada — explica perfeitamente a piora das expectativas por aqui. “É a política, babaca!” As investigações da Operação Lava Jato desidrataram os principais partidos brasileiros, como PT e MDB. Mesmo abalado por escândalos, o lulismo chegou ao segundo turno em 2018, mas não conseguiu eleger outro “poste”. Desse vácuo político, nasceu a candidatura do folclórico deputado de extrema-direita. Sua vitória transformou o inexpressivo Partido Social Liberal (PSL) na segunda maior bancada do Congresso, atrás apenas da do PT. Só que os políticos eleitos não são, exatamente, políticos, e a trajetória pessoal do presidente aponta para quatro anos tumultuados. Entusiasta da ditadura militar brasileira (1964-1985), Bolsonaro é fã declarado do coronel Carlos Brilhante Ustra, torturador de opositores do regime. Em um evento diplomático com autoridades paraguaias em Foz do Iguaçu, em fevereiro, Bolsonaro causou constrangimento ao elogiar Alfredo Stroessner, o pedófilo que tiranizou o Paraguai entre 1954 e 1989.
O presidente também se espelha em Augusto Pinochet, o brutal ditador chileno (1973-1990), que calou Judiciário e Legislativo para fazer passar reformas liberais no país. Olhando apenas para a economia, a admiração é compreensível. O Chile tem hoje uma invejável taxa de desemprego em 7% e cresceu 4% em 2018, enquanto o Brasil registrou um avanço pífio de 1% e amarga 12,5% de desemprego. A dívida pública chilena está em 25% do PIB. A brasileira bate em 76,7%. O Chile está em 44º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), enquanto Brasil ocupa um constrangedor 79° lugar. No entanto, a situação confortável chilena de hoje foi obtida com sangue e lágrimas. Durante a implantação das reformas, a dita
dura de Pinochet teria prendido 80 mil pessoas, torturado 30 mil e assassinado outras três mil. Nada disso ajuda na hora de negociar reformas. Muito pelo contrário. “O estilo do bolsonarismo não contribui para o processo político”, diz Rafael Cortez, da Tendências Consultoria Integrada. “Ele é contrário ao mainstream e tem uma visão antipolítica, que não dá o devido peso às negociações”.
Embora tenha sido deputado por seis mandatos consecutivos, Bolsonaro se vende como “diferente de tudo o que está aí”. De propósito, confunde negociação com negociata e composição com corrupção. A estratégia funcionou bem na campanha presidencial, mas não serve para nada na hora de administrar o País. A Previdência é um exemplo disso. Cortez avalia que a melhor estratégia teria sido votar a proposta encaminhada por Michel Temer em 2016, em vez de inventar uma nova e mais ambiciosa, como fez Guedes. “E isso sem a construção de uma base parlamentar sólida”, acrescenta o analista da Tendências. Ricardo Ribeiro, da MCM Consultores Associados, vai pelo mesmo caminho. “O governo tem uma propensão a criar antagonismo e produzir inimigos reais ou imaginários para sustentar seu discurso.”
Como prova de que essa postura cria instabilidade, um processo corriqueiro da gestão orçamentária, o contingenciamento de recursos, deflagrou protestos pelo Brasil, um sinal de que o governo dissipa o respaldo político das urnas quando mais precisa. O presidente e sua equipe acentuam essa sensação ao atacar a classe política. “A tensão entre os poderes vai permanecer, pois a lógica do bolsonarismo é incentivar os conflitos. Vai ser um quadro de constante instabilidade”, afirma Cortez.
PROPOSTAS Diante da velocidade e da magnitude da deterioração, Guedes admitiu, em audiência no Congresso, que a economia está no fundo do poço. Para sair dessa posição, o mais urgente é conter a piora. “Precisa melhorar a comunicação”, afirma o economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira. “Muito do que o governo propõe acerta no conteúdo e erra na forma. Os problemas são internos.” Para os economistas mais alinhados à visão liberal da equipe de Guedes e o merca