As perspectivas sobre o cultivo na nova fronteira agrícola brasileira
QUAL O FUTURO DO CERRADO, UM BIOMA DE SOLOS COMPLEXOS E DE BAIXA FERTILIDADE QUE FOI TRANSFORMADO EM LAVOURAS DE ALTA PRODUTIVIDADE
OCerrado é o segundo maior bioma do Brasil. Abrange uma área total de 204 milhões de hectares. A região, que até a década de 1980 se baseava fortemente na pecuária extensiva, tem crescido em produtividade de forma constante no cultivo de grãos. Foram eles que elevaram o bioma ao status de “terra da felicidade”, como canta Dorival Caymmi, um dos mais famosos músicos baianos que morreu aos 94 anos, em 2008. Não por acaso, o Oeste da Bahia, área que já foi chamada por historiadores de “uma região posterior ao agreste, distante e seco” é exemplo de transformação pela produtividade. Hoje, dos 39 municípios baianos dessa região, 4 possuem PIBs acima de R$ 1 bilhão. “O Cerrado brasileiro é
um celeiro de oportunidades”, diz Claudio Karia, pesquisador e chefe-geral da Embrapa Cerrados, unidade com sede em Planaltina (DF).
A região é responsável por 55% da carne produzida no Brasil e 47% da cana-de-açúcar que vem migrando para os estados de Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais. Na região também são cultivados 49% da soja brasileira, 43% do feijão, 49% do milho, 27% do café irrigado, 89% do sorgo e 98% do algodão. No caso do Oeste Baiano, onde a soja é a principal cultura, os produtores comemoram mais uma vez os resultados da safra. No ciclo 2018/ 2019, que termina neste mês, a média colhida foi de 56 sacas por hectare, equivalente a uma produção de 5,3 milhões de toneladas da oleaginosa, cultivadas em 1,5 milhão de hectares. Foi o segundo maior desempenho da história da região, perdendo apenas para a safra 2017/2018.
Os resultados que trouxeram a região do Cerrado até aqui foram frutos de tecnologias capazes de transformar a região em terras bastante produtivas para a agricultura e também para a pecuária que passou a investir em produtividade. Muito diverso das terras complexas, quando os primeiros produtores começaram a desbravar a área,
lidando com solos de baixa fertilidade. Mas não somente isso. A gestão da água tem sido um desafio para o bioma. De acordo com José Guilherme Brenner, produtor rural e presidente da Cooperativa Agropecuária da Região do Distrito Federal (COOPA-DF), que atualmente representa 160 produtores, baseadas em tecnologias as possibilidades da agricultura no Cerrado continuam imensas. “Tivemos um aumento expressivo na área irrigada”, diz ele. “Isso levou a uma grande diversidade de culturas plantadas, como batata, alho, milho doce, milho semente, batata doce, cenoura, café, grão de bico, entre outras.” E, claro, foi o desenvolvimento contínuo de variedades mais precoces de soja que possibilitou o incremento da safrinha de milho e nas últimas safras, de algodão.
O Brasil está entre os 10 países com a maior área irrigada do mundo, de acordo com a Agência Nacional de Águas ( ANA). Atualmente são irrigados 6,95 milhões de hectares, área equivalente a 20% do potencial de uso da tecnologia. Para Brenner, embora a água ainda seja um desafio, a grande vantagem da região – e que precisa ser ainda melhor aproveitada – é a estação seca muito bem definida, na qual é possível produzir produtos de muita qualidade. “Destaco, inclusive, o cultivo de trigo”, afirma. “Temos no Cerrado a maior produtividade do cereal irrigado do País, com alta qualidade. Rivaliza, neste aspecto, com os melhores trigos do mundo.”
DESAFIOS Por conta de seu potencial de crescimento, é no Cerrado que está o grande desafio dos produtores brasileiros para suprir a grande demanda global por alimentos nas próximas décadas. As estimativas indicam que o crescimento no consumo vai ocorrer, sobretudo, nos países em desenvolvimento, onde há uma demanda reprimida por proteína animal e por alimentos de uma maneira geral. Isso vem ocorrendo, principalmente, nos países asiáticos.
Não à toa, a China, com 1,3 bilhão de habitantes, é o maior parceiro comercial do País. Para as 15 principais culturas de grãos, entre elas soja, milho, arroz, feijão, o Brasil deve sair da atual produção de cerca de 240 milhões de toneladas para a casa dos 350 milhões, com grande parte desse crescimento garantido pelo Cerrado. As tecnologias estão mostrando que será possível cumprir essa tarefa, preservando o ambiente e sem desmatamento. A mais famosa delas, a Integração de Lavoura- Pecuária- Floresta ( ILPF), está mostrando que é possível. “Quando integrados, agricultura e pecuária estão comprovando que aumentam a produtividade, pois um complementa o outro”, diz Karia, da Embrapa. Produzir carne, leite, grãos, madeira, bioenergia ou frutos, mais do que nunca, está na agenda do Cerrado.