Uma oportunidade da China
Há uma crença de que as palavras “crise” e “oportunidade” sejam representadas pela mesma grafia na China. Não é verdade. Se fosse, estamos num momento que poderia definir essa imaginada característica do idioma. Se a produção de proteína suína enfrentará crises ou oportunidades será por consequência das decisões locais e globais formuladas nos próximos meses. Vem desafio pela frente.
Até o início de maio, as estimativas mais aceitas para a redução na produção chinesa anual de carne suína estavam entre 8 e 10 milhões de toneladas, queda de 18% em relação ao total produzido em 2018. Para o mercado de grãos, o impacto era ainda maior, pois a redução do rebanho poderia atingir 30%. A produção não cairá no mesmo ritmo que o rebanho. Por ora, acredita-se que os rebanhos que sofrerão os maiores impactos serão os de menor porte tecnológico e, consequentemente, com piores indicadores de produtividade.
A crise que assola a suinocultura chinesa trará impactos sociais significativos na população local e nas regiões mais pobres do mundo. Para os pequenos produtores chineses, o futuro não reserva boas notícias. A recuperação da suinocultura daquele país de tradições milenares se concentrará na produção mais tecnológica, moderna e empresarial.
Para 2019, no cenário conservador, a queda do mercado na China representa 8,4% do segmento mundial de carne de porco, ou 3,5% da soma da produção de carnes suína, bovina e de frangos. Ainda que os números impressionem, é fundamental lembrar que a epidemia não estava controlada até o início de maio. Não se sabe até que ponto a produção será afetada. Mas já existem estimativas apontando para até 50% do rebanho suíno da China, o que impactaria entre 25% a 30% da produção do país. Mesmo para países bem posicionados em proteína de origem animal, como é o caso do
“A crise que assola a suinocultura chinesa terá impactos sociais na população local e nas regiões mais pobres do mundo” MAURÍCIO PALMA NOGUEIRA, engenheiro agrônomo e diretor da consultoria Athenagro
Brasil, a proporção da crise chinesa já foi além das oportunidades. É preciso se preparar para o médio e longo prazos. O produtor brasileiro contará ainda com duas variáveis positivas. A primeira é o evidente aumento nas vendas externas e a consequente firmeza nos preços, que deverão permanecer em alta. A segunda é a queda nos custos de produção, com preços de concentrados mais em conta, especialmente as fontes de proteína.
A suinocultura brasileira responderá mais lentamente, pois a produção terá de se reorganizar depois de 15 meses sequenciais de maus resultados no setor. Os bons resultados no curto prazo, portanto, não serão capturados por todos os players, pois muitos dos produtores não terão suínos para vender. Para o médio e longo prazos, é importante estabelecer uma estratégia. Dependendo da extensão do impacto da peste suína na China – e do tempo de resposta da produção chinesa –, pode ser mais interessante investir nos mercados que sofrerão com o rearranjo que irá ocorrer no comércio global de carne de porco.
Na bovinocultura, o ciclo pecuário está num momento de inversão, deixando a fase de baixa nos preços para a de alta. A produção de 2019 deve recuar em relação à de 2018, mas deve voltar a aumentar em 2020. O cenário favorável poderá adiantar para 2019 animais que seriam abatidos apenas em 2020, fortalecendo o posicionamento da carne bovina brasileira no disputado mercado mundial. A avicultura, com ciclo de produção mais rápido, deverá ser a grande alternativa de curto prazo, ótima oportunidade para a competitiva produção. O risco será sanitário, visto que o crescimento desordenado na produção asiática pode facilitar o surgimento de uma nova epidemia de gripe aviária. Os próximos meses exigirão muito dos empresários brasileiros. São nos momentos favoráveis que geralmente se formulam as decisões que enfraquecem as empresas para as próximas fases desfavoráveis. E negligenciar a ciclicidade dos mercados é um erro.