A demanda por carnes vegetais é cada vez maior
Ao lançar o seu hambúrguer de carne vegetal próximo ao sabor de carne bovina, a JBS muda seu posicionamento global. Antes, a empresa se intitulava a maior produtora de proteína animal. Agora, frisa que é a maior indústria de proteína. “Estamos apostando muito alto nesse novo mercado”, diz o zootecnista Fábio Dias, diretor de Relações com Pecuarista da JBS. Outras opções veganas já estavam no cardápio do mercado, como os hambúrgueres veganos da Gerônimo Foods, de Atibaia (SP), e da paulistana Superbom. Resta, agora, a BRF. Ainda reticente, mas confiante nesse mercado, a companhia foi a grande pioneira de plantbased no País. Segundo o engenheiro químico Fabio Bagnara, diretor de Inovação da BRF, os estudos começaram na década de 1990, com as primeiras linhas de produtos lançadas em meados dos anos 2000. “Em 2012, esses produtos foram descontinuados, mas a pesquisa ainda é feita até hoje”, afirma Bagnara. Mesmo sem uma data definida, a empresa está interessada em fazer parte dessa onda, segundo o executivo Lorival Luz, CEO Global da BRF. “Observamos que existe um crescimento no número de pessoas vegetarianas e veganas”, diz Luz. “Ainda é uma tendência de nicho, mas não podemos deixar de entender e avaliar”, afirma.
DEMANDA CRESCENTE A companhia, que faturou quase R$ 30 bilhões no ano passado, tem como meta até 2023 ter cerca de 10% de seus ganhos vindos da venda de alimentos inovadores. “As proteínas tradicionais continuarão tendo um papel relevante por bastante tempo. Mas a indústria vai se organizar para atender a essa demanda crescente e ampliar o
seu portfólio”, garante Luz. Para Bagnara, o arsenal tecnológico está bastante avançado com opções de manipulação das proteínas de grãos, como a soja e a ervilha. “As novas tecnologias nos dão a capacidade de fazer um produto muito mais saboroso e menos carregado dos sabores dos vegetais”, destaca.
A própria Embrapa Agroindústria de Alimentos, com sede no Rio de Janeiro, já tinha desenvolvido um hambúrguer vegetal à base de fibra de caju e proteína texturizada de soja. Agora, segundo a pesquisadora Janice Ribeiro Lima, o trabalho é se aproximar mais da carne. “O projeto está sendo feito em parceira com uma empresa para obter uma formulação que se assemelhe sensorialmente ao hambúrguer bovino”, conta Janice. As bases das formulações dessa indústria são a proteína de soja e corantes naturais. Mas há uma tendência de substituição da proteína de soja pela de ervilha, que até então vem sendo importada. Segundo Bagnara, trata-se de uma grande oportunidade para a produção de grãos no Brasil: se especializar mais nas culturas de ervilha, lentilha e grão de bico, que compõem os principais ingredientes da carne vegetal. “Com uma produção de volumes e qualidade, a produção poderá ser totalmente local”, diz o executivo da BRF. Hoje, é bem diferente. A Fazenda Futuro, por exemplo, importa 20% da matéria prima usada em seus hambúrgueres. “Acreditamos que, futuramente, 100% serão de produtos nacionais”, declara Leta.
Inovações, como um tipo de levedura geneticamente modificada, estão formando a base desse negócio de plant-based. O achado foi da Impossible Foods, que agregou a molécula heme – relacionada ao sangue – à soja. Aplicada ao grão, a molécula dá a aparência de carne ao hambúrguer vegetal. Novidades como essa estão no radar da francesa Louis Dreyfus Company (LDC). No início deste ano, a empresa anunciou investimentos da startup Motif Ingredients, subsidiária da americana Ginkgo Bioworks. Além da LDC, outras empresas e fundos de capital de risco dividiram um aporte de US$ 90 milhões para essa onda de comidas de laboratório. “Queremos prover soluções para o aumento da oferta de proteínas de uma maneira sustentável. Nesse sentido, opções de proteína alternativa são fundamentais”, afirma Kristen Weldon, diretora de Inovação de Alimentos da LDC.
Com o uso de biotecnologia e fermentação, a companhia poderá trabalhar na engenharia de alimentos vegetais para a base de substitutos de lácteos, s, ovos e carne. “A iniciativa está apenas s começando. Mas há grandes oportunidades, inclusive para os próprios negócios da LDC”, diz Kristen. Um exemplo é a fabricação de ração para criação de peixes, à base de proteínas de insetos. Segundo o engenheiro agrônomo Murilo Parada, CEO da LDC no Brasil, há diversas oportunidades para os negócios da empresa no País. “A originação de grãos, como soja e milho, pode ser combinada nessas formulações”, diz Parada. “Como temos avançado nos programas de rastreabilidade e sustentabilidade, conseguimos atestar a segurança de onde saiu cada alimento.”
CARNE CELULAR Na esteira dessa revolução alimentar também está a promessa das carnes de laboratório. E que, na visão da A.T. Kearney, deve ultrapassar os ganhos do mercado de plant-based. A expectativa é de que, em 2040, esse mercado esteja movimentando US$ 750 bilhões. Loucura? Para o executivo do Startse, não. Especialmente, quando se tem gigantes como as americanas Tyson Foods, tradicional processadora de carnes, e a Cargill, originadora de grãos e fabricante de alimentos, apostando nesse tipo de negócio. Tanto a Tyson Foods quanto a Cargill já estão investindo, desde o ano passado, na
Há um excesso de dinheiro no mundo para investimento em negócios que vão resolver grandes problemas. E a alimentação é um deles CRISTIANO KRUEL Diretor de Inovação da Startse
Memphis Meats, empresa criada em 2016 e que produz carne bovina e de aves a partir de célulastronco desses animais. “Quando você vê multinacionais apostando nisso, é porque esse negócio tem muito valor”, afirma Kruel. “No Vale do Silício, os caras brincam, dizendo que o boi é uma máquina muito antiga para fazer proteína.”
O que levaria a Tyson Foods a apostar num negócio que pode ameaçar futuramente o reinado da empresa no mercado de proteína animal? Para Jardim, da SP Ventures, a resposta é simples: não deixar de ganhar. “Faz muito sentido a Tyson investir numa startup de carne de laboratório, pois tem muito a ver com o seu próprio negócio”, diz. “É uma forma de a companhia dar um hedge em seu principal produto, que é a carne.” Por enquanto, a novidade é guiada por startups nos Estados Unidos, Reino Unido, Israel e Austrália. “Esse movimento veio para ficar”, afirma a farmacêutica bioquímica Caroline Mellinger Silva, pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos. “São mercados que vão diversificar a produção de proteínas mundialmente.”
Segundo a pesquisadora, a tecnologia usada na produção das carnes de laboratório é totalmente segura. Saiu de uma aplicação médica, para perceber a evolução de doenças, e já serve para produzir carne – a autêntica proteína animal, sem a necessidade de sacrificar nenhum animal. “É uma produção muito exigente. Pois, para que o tecido celular do animal cresça e se desenvolva bem, é preciso um controle muito grande, além de uma alimentação bem rica.” Em geral, uma mistura de aminoácidos, sais minerais e demais nutrientes.
É justamente nesse aspecto que mora o alto custo dessa tecnologia. “A Memphis já se comprometeu a trazer essa carne para o mercado no próximo ano”, destaca a bioquímica da Embrapa. “Vamos esperar para ver se eles vão conseguir.” Atualmente, nos Estados Unidos, o quilo da carne bovina sai por US$ 7, ao passo que o custo da carne de laboratório está em US$ 40 o quilo (quase 6 vezes mais). Mas o potencial é enorme. De um cultivo de 6,2 mil células-tronco, pode-se produzir o volume previsto para o consumo sumo mundial de carne bovina, que está stá em 60 milhões de toneladas, segundo do o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Esse volume equivale ale ao abate de cerca de 300 milhões es de bois. Na era das comidas de laboratório, oratório, nenhum desses animais precisará cisará ser sacrificado para a produção ção de filés e hambúrgueres.