A ERA DOS ALIMENTOS DE LABORATÓRIO
HAMBÚRGUER À BASE DE ERVILHA, CARNES VEGETAIS, FILÉS FEITOS COM CÉLULAS DE BOI. TUDO ISSO JÁ É REALIDADE. E FAZ PARTE DE UM NEGÓCIO QUE DEVE MOVIMENTAR MAIS DE US$ 1 TRILHÃO NAS PRÓXIMAS DÉCADAS
“O desafio é imitar não apenas o sabor da carne bovina, mas também a textura” MARCOS LETA, CEO DA FAZENDA FUTURO, STARTUP CRIADA EM ABRIL E QUE Já VALE R$ 380 MILHõES
Nosso plano é chegar cada vez mais perto do sabor da carne bovina, para concorrer com frigoríficos" os MARCOS LETA CEO da Fazenda Futuro
Aqui não temcarne
BCOMEçOU UMA VERDADEIRA REVOLUçãO NA PRODUçãO DE ALIMENTOS. CARNES VEGETAIS, HAMBúRGUER à BASE DE ERVILHA, FILéS FEITOS COM CéLULAS DE BOI. ESTAMOS NA ERA DOS ALIMENTOS SEM ABATES DE ANIMAIS, UM NEGóCIO QUE PODE MOVIMENTAR MAIS DE US$ 1 TRILHãO
ebida é água! Comida é pasto! Você tem sede de quê? Você tem fome de quê? As indagações nas primeiras estrofes da música “Comida”, da banda Titãs, lançada em 1987, embalaram uma época. Havia dois anos que o Brasil voltava para as rédeas da democracia e, apesar de estar no meio de uma cruzada inflacionária que só pioraria cada vez mais, a agropecuária já dava sinais de alento. Naquele ano, o País experimentava saltos na produção de alimentos. A safra de grãos chegou a 66,3 milhões de toneladas e os abates de bovinos, aves e suínos totalizavam 6,5 milhões de toneladas, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês). Os números foram recordes para a época. Hoje, 32 anos depois, mesmo com uma inflação estável e uma produção agrícola bem mais parruda, a indagação continua a mesma: você tem fome de quê? A comida que chega à mesa do brasileiro não vem só do pasto. Ela sai da lavoura, sim. Mas também é produzida em laboratório, fazendo surgir alimentos jamais imaginados pelos nossos avós. Como, por exemplo, uma carne sem... carne. É o caso do hambúrguer vegetal que acaba de ser lançado pela startup Fazenda Futuro, do Rio de Janeiro. A delícia (sim, é gostoso!) nasceu na cozinha experimental da empresa, que queria criar um hambúguer feito à base de vegetais, mas com sabor e aparência de carne de boi. Este, aliás, é o maior desafio entre as companhias de alimentos alternativos: chegar o mais próximo possível da aparência e do sabor da carne vermelha. “O grande diferencial não foi apenas imitar o sabor, mas também a textura”, diz o administrador Marcos Leta, 36 anos, CEO e fundador da Fazenda Futuro. “O plano é chegar cada vez mais perto do sabor da carne bovina, para concorrer com os frigoríficos. Queremos ser uma alternativa ao sistema convencional de produção.”
Marcos Leta é um dos empreendedores que estão por trás de uma onda global de investimentos em tecnologias de alimentos inovadores. São as chamadas foodtechs. Algumas startups nesse mercado têm o propósito de lançar produtos mais funcionais e nutritivos. Outras estão servindo como grandes plataformas de logística e comércio de alimentos, como a brasileira iFood, que se tornou um unicórnio (empresas com valor de mercado acima de US$ 1 bilhão) no final do ano passado. Já a outra parte desse segmento de foodtech – na qual o empresário carioca está – quer mesmo morder uma fatia de um mercado global de carnes avaliado em US$ 1 trilhão, segundo a consultoria americana A.T. Kearney. “Ainda tenho dúvidas do tamanho desse mercado”, destaca o administrador de empresas Francisco Jardim, CEO do fundo de capital de risco SP Ventures, de São Paulo (SP). “Mas de uma coisa eu tenho certeza: esse mercado vai ser bem relevante”, observa.
E bota relevante nisso. Os analistas da A.T. Kearney também têm essa certeza e já traçam os números de negócios das foodtechs plant-based, termo em inglês que designa as startups fabricantes de proteínas à base de vegetais, e as fabricantes de carnes de células animais cultivadas em laboratório. São as duas vertentes principais desse futuro dos alimentos, mas há outras possibilidades. Segundo um relatório da consultoria americana publicado este ano, esses dois negócios deverão movimentar US$ 1,1 trilhão nas próximas duas décadas. Esse valor corresponderá a 60% do mercado global de carnes, que deve chegar a US$ 1,8 trilhão. Os 40% restantes serão das empresas processadoras tradicionais de carne. O que fundamenta negócios dessa ordem é justamente uma fonte de dinheiro ávida por esse tipo de investimento, segundo o cientista da computação Cristiano Kruel, diretor de inovação do Startse, um hub paulistano de startups. “O japonês SoftBank é o maior