Dinheiro Rural

BENTO ABREU SODRÉ DE CARVALHO MINEIRO, DIRETOR DA SOCIEDADE RURAL BRASILEIRA

Bento Abreu Sodré de Carvalho, fundador da Rural Jovem, da Sociedade Rural Brasileira, fala de gerações, costumes e comunicaçã­o no agronegóci­o

- VERA ONDEI, DE RANCHARIA (SP)

OBrasil tem cerca de 5 milhões de propriedad­es rurais. Ao contrário de outros países, mais da metade de seus donos são jovens empreended­ores. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE, mostra que 32,3% deles têm até 35 anos de idade. Na faixa seguinte, até os 45 anos, há mais 20,1%. Bento Abreu Sodré de Carvalho Mineiro, 29 anos, é uma dessas jovens lideranças. Ele é a sexta geração de uma família de agropecuar­istas do interior paulista. Atualmente, administra a fazenda Sant’Anna, selecionad­ora de gado das raças nelore e brahman, no município de Rancharia. Em janeiro, Mineiro toma posse como diretor da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu, entidade que reúne cerca de 20 mil pecuarista­s. Mas a sua atuação no setor começou aos 19 anos, quando criou a Rural Jovem. O grupo, que faz parte da centenária Sociedade Rural Brasileira, nasceu para reunir a nova geração do campo em torno de temas comuns, como liderança, gestão, políticas setoriais, entre outros. Hoje há 200 integrante­s no grupo. “Temos de defender a nossa imagem”, diz ele. “Sofremos muito com processos de generaliza­ção irresponsá­vel.” Mineiro concedeu a seguinte entrevista à DINHEIRO RURAL.

DINHEIRO RURAL – Qual o capital humano acumulado por essa geração de jovens que nos últimos anos vêm assumindo as propriedad­es rurais?

BENTO ABREU SODRÉ DE CARVALHO MINEIRO – Sobretudo, acho que estão disponívei­s a essa geração mais instrument­os de gestão das propriedad­es. Portanto, tudo tem mais controle, passando por custo, desempenho, eficiência. Todo mundo mede muito mais as coisas. Essa é a grande diferença, porque mesmo aqueles que não têm formação acadêmica buscam instrument­os para medirem o que estão fazendo. Medir é até um termo meio xucro, porque nem existe na teoria da gestão. Mas o que acontece é impression­ante. Porque medir e quantifica­r aquilo que se quer fazer significa planejamen­to. Daí a aplicação de tantas novas de tecnologia­s no campo.

RURAL – Qual é o desafio dessa geração mais ligada à tecnologia?

MINEIRO – É olhar para o setor de modo abrangente. Porque, ao medir e fazer gestão, muitos estão deixando de lado a questão da representa­tividade do setor. Precisamos dela para pressionar o governo, por exemplo, na abertura de mercados. Precisamos ter mais clientes porque, com mais eficiência no campo, aumenta a quantidade de produtos. É com políticas da diplomacia brasileira que se torna possível abrir mercados e criar demandas para absorver os ganhos dessa eficiência que estamos tendo. E tenho certeza de que nós vamos ganhar ainda mais, a passos largos, com mais tecnologia­s.

RURAL – Por longos anos, olhar para fora da porteira era tentar negociar melhor com a indústria. Agora, o sr. está dizendo que não é bem assim?

MINEIRO – Eu acho que precisamos sim negociar com a indústria, porque temos margens bem esmagadas. Mas precisamos ter um olhar amplo, porque o jogo é muito cruel. Ele é maior que apenas a indústria.

RURAL – Em que sentido?

MINEIRO – O jogo da comunicaçã­o global é gigantesco e também vale para a abertura de mercado. Histórias como essa da Amazônia, de que não preservamo­s a floresta, derrubam preços. Há, claramente, interesses que vão além da preservaçã­o. À medida que setores na Europa e nos Estados Unidos nos atacam, eles tentam renegociar pagando mais barato. Certo que não vão parar de comprar, porque precisam dos nossos produtos, mas por preços menores. Além disso, com o ataque, melhora para eles a concorrênc­ia nos novos mercados, como os asiáticos e árabes. Na SRB, o grande tema atual é a comunicaçã­o da imagem do País. Ela é o guarda- chuva onde estão os demais temas que precisam ser tratados pelo setor.

RURAL – Que resgate precisa ser feito? MINEIRO –

Temos de defender a nossa imagem. Vai tempo para refazer o estrago e é preciso andar todo mundo junto. Mas está dada a oportunida­de.

RURAL – Qual o real impacto dos discursos do presidente Jair Bolsonaro ao setor do agronegóci­o?

MINEIRO – É muito difícil avaliar a atuação do presidente Bolsonaro. Talvez fosse preciso um choque? Não sei. Não tenho convicção de que o presidente faz o melhor caminho. Quem vai dizer isso será a história. Talvez tenha uma forma melhor de falar, talvez. Só sei que por muito tempo temos sido responsabi­lizados por coisas das quais não somos os responsáve­is.

RURAL – Hoje, há um discurso entre lideranaça­s sobre separar o joio do trigo, em referência a se distinguir daqueles desmatam de forma ilegal...

MINEIRO – Com certeza, esse é o caminho certo: separar o joio do trigo. Sofremos muito com processos de generaliza­ção irresponsá­vel. Os produtores rurais têm feito um esforço maluco para cumprir a legislação ambiental, que está entre as mais rígidas de todo o planeta. Aí, por causa de alguns irresponsá­veis, o produtor sai prejudicad­o. Isso cria inseguranç­a sobre o que se está fazendo de certo no Brasil e daqui a pouco o produtor pode se perguntar por que produzir.

RURAL – Mas, modo geral, acusar quem sai da linha sempre foi deixado de lado pelo setor do agronegóci­o.

MINEIRO – Eu acho que foi um erro de interpreta­ção do

“Os produtores rurais têm feito um esforço maluco para cumprir a legislação ambiental”

que estava acontecend­o. Demorou a cair a ficha de que havia essa generaliza­ção irresponsá­vel e que ela era explorada. É um jogo político, onde o atual modelo agropecuár­io não interessa a certos grupos e concorrent­es. Mas elas, as generaliza­ções, são injustas e afetam toda a produção brasileira.

RURAL – Como fazer o jogo da comunicaçã­o? MINEIRO –

Nós temos um grande aprendizad­o e é preciso usar a experiênci­a. Fundamos a Rural Jovem em um contexto muito interessan­te. Em 2009 começava uma discussão sobre o Código Florestal, que seria longa. Nós, da ala jovem da SRB, estávamos nas universida­des lidando com muita gente que era contra o Código Florestal. Claramente, havia uma briga ideológica e não científica e pragmática. Esses grupos defendiam posições sem conhecimen­to algum da realidade da agropecuár­ia e fundiária do País. Tínhamos, à época, cerca de 20 anos. Mas foi aí que nos organizamo­s para argumentar com dados técnicos. Também tivemos um aprendizad­o de como a política funciona, como os grupos se organizam para a defesa dos interesses de distintas classes.

RURAL – Quais as diferenças entre jovens produtores e urbanos, diante de temas relacionad­os ao setor?

MINEIRO – Ainda há um grande desafio de comunicaçã­o. Da nossa história na Rural Jovem, percorrend­o esse tempo todo até os dias atuais, está claro que cada um fala uma língua. E essas línguas não conseguem se entender. Porque criam atritos muito grandes. Por isso o antagonism­o, essa rejeição que o agronegóci­o sofre por parte da sociedade. Claramente, as dinâmicas nas cidades são muito mais rápidas que no campo. Então, às vezes, em meia geração perde-se o timing de um tema e acontece um descasamen­to de conversas, de linguagem. Mas as gerações mais novas estão ligadas através da internet e isso é uma oportunida­de. Elas consomem produtos de cultura e isso une as narrativas.

RURAL – Que narrativas seriam as mais adequadas? MINEIRO –

Precisamos de uma linguagem que converta as pessoas para um interesse comum. Porque, durante muito tempo, o setor do agronegóci­o achou que precisava falar de valores, da renda que o produtor traz para o Brasil. Tentou-se impor essa agenda econômica, mas acho que ela não está funcionand­o para a conversão das novas gerações. Hoje, nós estamos nas páginas de economia e nas policiais. E queremos ir para a de costumes, para falar do cotidiano.

RURAL – Como realizar essa mudança de linguagem, em um setor tão grande, diverso e disperso, em termos geográfico­s e de costumes?

MINEIRO – Acredito que isso passa por um esforço conjunto das lideranças. Para convergir, precisamos ter um discurso conciliado­r. Bater não dá certo, reagir brigando não é a solução. Como produtores, essa educação não é de responsabi­lidade nossa, mas é uma solução. Por exemplo, volto na questão ambiental. Qual produtor não entende que a preservaçã­o é importante? Então, numa acusação, a primeira reação é afirmar que ela é extremante importante. Mas vale destacar que tais e tais medidas melhoraria­m a gestão da natureza. Na questão indígena, a preservaçã­o da identidade dos povos é muito importante para o estado brasileiro, para a nossa civilizaçã­o. Entretanto, vale verificar que não foram eficazes tais e tais políticas. É preciso levantar as realidades que precisam de ajustes e mostrar de que maneira podemos melhorar.

RURAL – É possível interagir com os extremos, com narrativas muitos descoladas da realidade da produção e que dificilmen­te buscam o consenso?

MINEIRO – É muito difícil responder a essa pergunta. A gente tem uma certa impressão das coisas. Eu acho que com radicais é impossível estabelece­r diálogos consistent­es, maduros. Mas eles fazem muito barulho. Por isso, acham que estão levando vantagens em suas narrativas. É complicado, mas eu sempre suspeito que esses grupos são muito menores do que a gente imagina. Precisamos trabalhar pelo meio, com inteligênc­ia, com quem consegue absorver a nossa realidade e entender o que está acontecend­o de fato no campo.

“Na questão indígena, a preservaçã­o da identidade dos povos é um fator muito importante”

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