Dinheiro Rural

CAPA

A PARTIR DE DEZEMBRO, UMA NOVA FRONTEIRA SE ABRE AO ETANOL BRASILEIRO. O RENOVABIO, UMA POLÍTICA DO GOVERNO, COM O APOIO DA INICIATIVA PRIVADA, PODE GERAR ATÉ R$ 1,2 TRILHÃO PARA A ECONOMIA DO PAÍS, NA PRÓXIMA DÉCADA

- FáBIO MOITINHO

RENOVABIO Tudo o que o Brasil pode ganhar com o programa que, em 10 anos, prevê adicionar cerca de R$ 1,2 trilhão à economia do País

Odia 24 de dezemmbro é a data mais aguardada deste ano para um setor importante do agronegóci­o brasileiro. E pode crer: em nada se relaciona com religião ou com o aguardo de Papai Noel. Tem a ver com persistênc­ia e perseveran­ça em um modelo de sustentabi­lidade ambiental e econômica. A data marca o pontapé inicial da Política Nacional de Biocombust­íveis, mais conhecida por RenovaBio, que está sendo estruturad­a desde dezembro de 2016. “É um grande marco para o setor sucroenerg­ético brasileiro”, afirma o economista Miguel Ivan Lacerda de Oliveira, diretor do Departamen­to de Biocombust­íveis do Ministério de Minas e Energia (MME). “O RenovaBio representa uma grande oportunida­de de mais geração de renda distribuíd­a no País.” Segundo os cálculos de Oliveira, em 10 anos essa política pode adicionar cerca de R$ 1,2 trilhão na economia do País. “Para se ter uma ideia, o Pré-Sal inteiro não vai gerar mais do que R$ 500 milhões no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro”, diz.

Nacionalme­nte, o setor sucroenerg­ético conta com 444 usinas. Elas respondem por um PIB de cerca de R$ 156 bilhões, segundo o dado mais recente do Centro d de Estudos A Avançados em Economia Aplicada (Cepea), de Piracicaba (SP), de 2017. Mas poderia ser mais. Desse total de unidades, cerca de 90 respondem por um PIB de cerca de R$ 156 bilhões. Outr Outras 90 usinas estão em recup recuperaçã­o judicial.

A pergunta é: de onde virá tanto dinheiro se o setor sucroenerg­ético patina e ainda sente o impacto de crises do passado, por quebra de safra e do alto endividame­nto, como as de 2011 e 2015? A resposta é simples: de um serviço ambiental que anteriorme­nte não se cogitava cobrar, que é sequestro de gases de efeito estufa de toda a cadeia produtiva da canade-açúcar, até o efetivo consumo do etanol. Oliveira – considerad­o o pai do RenovaBio por boa parte do setor do agronegóci­o –, estruturou um modelo matemático único que precifica a eficiência da indústria canavieira. Com ele, é possível estruturar um mercado de carbono que pode ser comerciali­zado mundialmen­te.

As usinas de cana-de-açúcar mais eficientes e produtivas passam a ter acesso a preços melhores ao se tornarem

“Cerca de 60 países possuem ou estudam incorporar o etanol em sua matriz energética”

EVANDRO GUSSI presidente da Unica

“O RenovaBio é importante para o Brasil, porque vai nortear os investimen­tos do setor”

PLÍNIO NASTARI CEO da Datagro

capazes de mitigar gases e quantifica­r o processo. Está aberta a possibilid­ade de emissão de créditos de carbono – os Créditos de Descarboni­zação (CBIO), ativo financeiro negociável em bolsa. A partir daí, as distribuid­oras de combustíve­is compram esses créditos e podem revendê-los às empresas que precisam cumprir suas metas de compensaçã­o ambiental sobre as emissões de gás carbônico. A estratégia está no centro das discussões globais de sustentabi­lidade da vida no planeta, por conta do receito do aumento do aqueciment­o global.

No ano passado, a emissão de gás carbônico (CO2) foi a maior da história. Foram despejadas na atmosfera cerca de 37 bilhões de toneladas de CO2 equivalent­e, 2,7% a mais do que em 2017, segundo o The Global Carbon Project, grupo científico com sede na Austrália, que desde 2001 reúne sob seu guardachuv­a 13 instituiçõ­es de pesquisa. No quadro mais otimista, mesmo com a redução de CO2 nos próximos anos, até 2100, a temperatur­a da Terra ficaria 2,3 graus centígrado­s mais quente. Na previsão mais pessimista, o planeta pode ficar 5,4 graus mais aquecido.

O etanol tem um grande potencial para interferir de forma positiva na correção de rota desse futuro ameaçador. Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombust­íveis (ANP), a emissão de CO2 equivalent­e do cultivo da cana-deaçúcar é de 440 quilos por ano, em uma usina típica brasileira, enquanto o volume de emissão equivalent­e para a gasolina totaliza 2,8 toneladas por ano. Assim, o etanol poderia cumprir uma meta ambiciosa de livrar o mundo de um futuro cada vez mais poluente. “Construí um projeto para dar uma resposta clara sobre qual era o papel dos biocombust­íveis para a matriz energética brasileira”, afirma Oliveira. “Ninguém sabia ao certo qual era esse papel. Agora sabemos. O setor passa a ser um grande motor para ganhos ambientais e geração de riqueza.” A fórmula começa com o etanol. Mas, aos poucos, vai se estendendo às demais indústrias de biocombust­íveis, como as usinas de biodiesel, o biogás, o bioquerose­ne e até para o sistema de geração de energia elétrica da queima de biomassa. O RenovaBio se assemelha a uma inciativa do Conselho de Recursos do Ar da Califórnia (CARB, na sigla em inglês), que incentiva o uso de combustíve­is com baixas emissões, desde 2011. “Mas a nossa iniciativa é ainda mais moderna”, afirma ele.

“Lá não se incentiva a produtivid­ade das indústrias, a do Brasil, sim.”

COMBUSTÍVE­L VERDE

O avanço do setor sucroenerg­ético tem a ver com a previsibil­idade de produção atrelada ao compromiss­o de descarboni­zação do ar do RenovaBio. A meta para este ano é o sequestro de 16,8 milhões de toneladas de CO2 equivalent­e, até chegar em 2028 com 90,1 milhões de toneladas. Se for levado o período que correspond­e à essa década, somente o setor sucroenerg­ético será responsáve­l por uma economia de 590,8 milhões de toneladas de CO2 equivalent­e. Para o economista Plínio Nastari, CEO da Datagro Consultori­a e representa­nte da sociedade civil no Conselho Nacional de Política Energética junto ao MME, é justamente nessas metas de descarboni­zação que estarão os ganhos do setor. “Desde 1975, nunca houve uma referência que indicasse a direção da produção de biocombust­íveis do Brasil. Agora temos”, diz Nastari. “O RenovaBio é muito importante para o País, porque vai nortear os investimen­tos do setor”, analisa.

Estima-se uma onda de investimen­tos de cerca de R$ 9 bilhões por ano, especialme­nte com a renovação de

canaviais, mais R$ 4 bilhões com o aumento da produção de cana-de-açúcar. Atualmente, a área plantada com a lavoura é de 10,1 milhões de hectares. Isso representa apenas 1,2% do território brasileiro, sendo que 0,8% destinase ao etanol. Quase 90% da produção brasileira de cana-de-açúcar está concentrad­a na região Centro-Sul e cerca de 10% no Nordeste.

Segundo as projeções da Organizaçã­o das Nações Unidas para Alimentaçã­o e Agricultur­a (FAO, na sigla em inglês), o País deve produzir 30,4 bilhões de litros de etanol, neste ano, e chegar a 37,2 bilhões em 2028. No entanto, para alcançar a economia de CO2 pretendia, a meta é que a produção de etanol alcance 50 bilhões de litros, estimados para 2030. Segundo o advogado Evandro Gussi, diretor presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), entidade representa­tiva das principais unidades produtoras de açúcar, etanol e bioeletric­idade da região Centro-Sul do Brasil, o aumento da produção segue uma tendência mundial por fontes renováveis de combustíve­is. “Atualmente, contabiliz­amos cerca de 60 países que possuem ou estudam algum programa para incorporar o etanol em m sua matriz iz energética”, diz iz Gussi. “Entre re esses países, estão os Estados Unidos, a Índia e a China”, afirma.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a mistura é de 10% e a China também estuda o mesmo porcentual americano. Mas o Brasil é de longe o que está mais avançado nessa questão, segundo Gussi. O executivo lembra que a gasolina já contém 27% de etanol desde 2015. Esse é o maior porcentual registrado no mundo. Isso significa que até os carros importados não foram afetados com uma maior graduação do biocombust­ível. “Então, é possível ter uma gasolina mais limpa e o Brasil é a prova disso. Somos o maior campo mundial de testes da mistura do etanol na gasolina.” Com o aumento da produção, a tendência é reverter o atual quadro de consumo de combustíve­is no País, onde ainda predomina o combustí combustíve­l fóssil. Em 2018, o consumo total foi de 136,2 bilhões de litros entre renovável ou não. O etanol ainda está em terceiro lugar no ranking de uso, com 19,4 bilhões de litros. Enquanto o diesel apontou em primeiro lugar, com 55,6 bilhões de litros. A gasolina está no segundo posto, com 38,4 bilhões de litros.

Indústria afinada

O potencial econômico desenhado pelo RenovaBio tem chamado a atenção do empresaria­do do setor energético e feito que com cada vez mais usinas se engajem no processo. A estimativa é de que até o primeiro trimestre de 2020 todas as 36 associadas à Unica estejam credenciad­as no programa.

A Raízen, maior produtora de açúcar e etanol do País, dona de um faturament­o de R$ 86,2 bilhões, 26 usinas nos Estados

“Aumentar a participaç­ão dos combustíve­is renováveis é uma importante estratégia de segurança”

CLÁUDIO OLIVEIRA diretor de Relações Externas e de Sustentabi­lidadee

de São Paulo, ulo, Goiás e Mato to Grosso do Sul, , e com 860 mil hectares de canaviais, está nesse processo. E bem animada com a nova guinada do setor, segundo o executivo Cláudio Oliveira, diretor de Relações Externas e de Sustentabi­lidade da companhia. “Todas as unidades produtoras de etanol serão registrada­s no programa e já se encontram em processo avançado de registro”, afirma. “Aumentar a participaç­ão dos combustíve­is renováveis é uma importante estratégia de segurança energética”. Na safra 2018/2019, a Raízen produziu 2,5 bilhões de litros de etanol e 16,5 milhões de litros de etanol de segunda geração.

Com 4 unidades de produção (3 em São Paulo e 1 em Goiás), uma área de colheita de 300 mil hectares, e um faturament­o de R$ 3,4 bilhões na safra 2018/2019, o grupo São Martinho conseguiu produzir 1,1 bilhão de lit litros de etanol, 15,1% a mais que na temporada anterior. Segundo o administra­dor de empresas Marcelo Campos Ometto, presidente do Conselho de Administra­ção, a companhia está bem atenta às oportunida­des que estão por vir com o RenovaBio. “Estamos com projeto de aumentar a nossa eficiência e produção, cada vez mais”, diz Ometto. Uma das opções vislumbrad­as pelo executivo está em perceber um mercado externo global e demandado para o etanol. Segundo ele, americanos e chineses já estão apostando na produção do biocombust­ível fora de seus território­s. “A China, inclusive, já adquiriu muitas terras na África para começar sua produção”, afirma Ometto. “A partir do momento que o etanol passa a ser produzido em vários países, ele se torna uma commodity muito mais fácil de ser acessível”, explica Ometto.

Para Nastari, da Datagro, nesse movimento global o etanol brasileiro sai na frente pelo trunfo da tecnologia desenvolvi­da. A Agência Americana de Proteção Ambiental coloca no biocombust­ível nacional como o menos poluente do mundo. Na comparação, reduz as emissões de gases de efeito estufa em 61% ante a gasolina. O milho americano transforma­do em etanol tem capacidade de reduzir cerca de 15%. Se colocado nessa mesma régua o renovável europeu, no caso o biodiesel, a redução varia de 20% a 30%. “Dentro de 5 a 10 anos, eu vejo um setor sucroenerg­ético ainda mais moderno e mais competitiv­o”, afirma Nastari. “Isso porque os custos vão ser menores e o setor caminha para uma diversific­ação cada vez maior”. Para ele, o negócio não é só o etanol de cana nessa conta. Daqui a pouco o brasileiro de milho também terá um espaço significat­ivo. Também tem a integração do etanol com os demais biocombust­íveis, como o biogás e o biodiesel. “Isso não só irá integrar melhor as cadeias de geração de valor como também fortalecer­á as demais agroindúst­rias.”

“Estamos com projeto de aumentar a nossa eficiência e produção, cada vez mais”

MARCELO CAMPOS OMETTO, presidente do Conselho de Administra­ção da São Martinho

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CANA NO CAMPO Até 2030, o Brasil vai aumentar a área e a eficiência no cultivo. A estimativa é de uma produção de 50 bilhões de litros de etanol, por safra
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PAPEL SOCIAL Para Miguel de Oliveira, do MMA, o RenovaBio é uma oportunida­de de distribuiç­ão de renda
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INOVAçãO Na Raízen, as pesquisas levaram ao etanol de segunda geração, na crença de seu peso na matriz energética
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ATENTOS No grupo São Martinho, a ordem é para que todas as unidades estejam atentas às oportunida­des do RenovaBio
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