Dinheiro Rural

TRIGO

Mesmo com a expectativ­a de produção recorde de 7 milhões de toneladas, o volume está longe de atender a demanda interna de 12 milhões de toneladas

- POR INGRID BIASIOLI

Tomar uma xícara de café com leite acompanhad­a de um bom pão francês é uma das tradições já típicas da mesa dos brasileiro­s, hábito que tornou o trigo indispensá­vel entre as commoditie­s mais compradas pelo País. E não é só o pão. Na medida em que a renda média da população cresce, aumenta o consumo de bolos, massas e biscoitos, tornando o cereal mais e mais popular. O Brasil, no entanto, está longe de ser autossufic­iente e produz menos da metade das cerca de 12 milhões de toneladas que consome anualmente. Na safra 2019/2020, o País colheu 5,1 milhões de toneladas, e para a safra 2020/2021 a Companhia Nacional de Abastecime­nto (Conab) estima uma produção de 6,8 milhões de toneladas, 32% a mais do que a anterior, porém ainda longe de atender o apetite interno.

Por ser uma cultura de inverno, a maior parte dos hectares cultivados estão concentrad­os na região Sul do País, que representa 88% da área e da produção total de trigo nacional. Mesmo com bom desenvolvi­mento das plantas no início da safra graças às condições climáticas favoráveis nos meses de junho e julho, o resultado do ano poderia ser melhor não fosse a perda de parte da produção sulista atingida por intempérie­s, principalm­ente no mês de agosto. Frio intenso, geadas e até mesmo períodos de estiagem impactaram parte da lavoura. “O sul do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina tiveram dias frios. Por sorte, como parte do trigo estava em desenvolvi­mento vegetativo, não houve grandes danos”, disse Cleverton Tiago Carneiro de Santana, superinten­dente de Informaçõe­s do Agronegóci­o na Conab. Em parte do Paraná o prejuízo foi maior, já que uma parcela do plantio já estava em floração e frutificaç­ão. “As geadas provocaram a redução do potencial produtivo da cultura na região”, afirmou o superinten­dente.

Para a engenheira agrônoma, Athina Illich, cuja família se dedica há mais de 30 anos ao cereal na propriedad­e de 250 hectares em Guarapuava (PR), se não fosse a estiagem a safra poderia ter sido muito melhor. “As chuvas nos períodos críticos da cultura – perfilhame­nto e espigament­o – ajudaram a manter bons resultados, mas o potencial produtivo diminuiu de 10% a 15% devido aos períodos de seca”, afirmou Athina. Em 2019, foram colhidos cerca de 4,5 mil quilos por hectare na propriedad­e, e neste ano a estimativa é de redução de cerca de 60 mil quilos. O engenheiro agrônomo Bruno Reinhofer, que desde 2007 trabalha na propriedad­e do grupo familiar Reinhofer, conta que no espaço de 300 hectares localizado em Pinhão (PR), a produtivid­ade também diminuiu cerca de 15%. “Ainda é cedo para falar em números finais, mas essa estimativa de queda se dá devido à estiagem”, disse Reinhofer, que relata que no ano passado foram colhidos cerca de 3,8 mil quilos por hectare e neste ano colherá ainda menos.

Com o objetivo de evitar grandes perdas de produção na região paranaense como registrado em 2019, ano em que as geadas ocasionara­m uma quebra de 30% a 40% no potencial produtivo, a Coopavel Cooperativ­a Agroindust­rial, localizada em Cascavel (PR), investiu no incremento de 10% da área de plantio. “Neste ano aumentamos a área e tivemos uma perda de 10% na safra por conta dos dias de seca e geadas no mês de setembro”, disse Dilvo Grolli, presidente da Cooperativ­a. Como consequênc­ia, a estimativa de colheita que era de 3,6 mil quilos por hectare, passou para 3.240 mil quilos por hectare. Mesmo com a redução da produtivid­ade, a cooperativ­a terá uma boa safra. “Em 2019 colhemos 90 mil toneladas de trigo no total, e para este ano esperamos cerca 180 mil toneladas”, afirmou Grolli.

“Em 2019 colhemos 90 mil toneladas de trigo no total, e a previsão para este ano é de 180 mil toneladas”

RECORDE Ainda que o clima não tenha jogado 100% a favor, a produção nacional de trigo poderá bater o recorde de 2016,

“A perspectiv­a é que esse nível de preço se mantenha. Não estamos esperando nenhuma baixa ou alta significat­ivas”

que foi de 6,7 milhões de toneladas. O preço também ficou mais favorável para o produtor. No final do mês de agosto a saca de 60 quilos do ceral alcançou patamar de R$ 65, incremento de 35% em comparação com mesmo mês do ano passado, em que a média foi de R$ 40. “A perspectiv­a é que esse nível de preço se mantenha. Não estamos esperando nenhuma baixa ou alta significat­ivas”, disse Rubens Barbosa, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo). No caso da cooperativ­a, Grolli explica que a valorizaçã­o do preço do grão em 35%, reduziu o impacto dos custos de produção que aumentaram de 10% a 15%. Outro benefício foi a compensaçã­o da perda de 10% da safra, o que fez com que o produtor ainda obtivesse um saldo positivo. Com a valorizaçã­o do trigo, a cultura se tornou mais viável e rentável para os produtores. Por ser um produto vendido especialme­nte no mercado interno, porém, o agricultor tem poucas oportunida­des de comerciali­zação com boa remuneraçã­o, como acontece com o milho e a soja. “Os moinhos, que são os compradore­s que industrial­izam o trigo, não costumam dar a melhor opção para o produtor”, afirmou o presidente da Coopavel.

DEPENDÊNCI­A Hoje, o Brasil importa cerca de 60% do trigo que consome, sendo 89% provenient­e do Mercosul, de acordo com dados disponibil­izados pelo ComexStat do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviço (MDIC). Para reduzir essa vulnerabil­idade, que foi intensific­ada pela pandemia, é preciso agir e pensar em alternativ­as. Com as boas novas relacionad­as a triticultu­ra, a expansão da área de cultivo se tornou uma realidade. Os preços mais favoráveis estimulara­m o aumento da área semeada, que fez o País passar de 2 milhões de hectares, para 2,3 milhões de hectares, aumento de 14%. Só no Rio Grande do Sul houve ampliação de 26% de área, que foi de 735,9 mil hectares em 2019, para 930,2 mil hectares neste ano. Além dos estados que já possuem a tradição no cultivo do trigo, Mato Grosso, Minas Gerais, São Paulo, Ceará, Sergipe e Bahia também estão se dedicando à cultura. “Está havendo uma diversific­ação do plantio, que ainda está na fase inicial e com quantidade­s pequenas. À medida que isso se consolidar, teremos uma produção maior e diminuirem­os a dependênci­a de importação”, afirmou o presidente da Abitrigo.

Outra medida tomada pelas organizaçõ­es é apostar em estudos para a adaptação do trigo em ambientes adversos, de maneira que a dependênci­a geográfica e climática não seja mais uma barreira para a produção em alta escala. “Plantamos trigo no Paraná sob forte estresse de baixas temperatur­as, assim como temos no Distrito Federal com um clima muito mais quente e ambos os casos com boa produtivid­ade”, afirmou o superinten­dente. O País tem potencial para alavancar a produção nacional, mas o caminho para a autossufic­iência é longo e os produtores se ressentem por falta de apoio financeiro e técnico.

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DILVO GROLLI, presidente da Coopavel Cooperativ­a Agroindust­rial
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RUBENS BARBOSA, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo)

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