PROTEÍNA ANIMAL
Em meio à crise reputacional provocada por suspeitas de contaminação dos produtos e pela ligação com a degradação ambiental, a pecuária mostra resiliência e expande mercado
As projeções das entidades não deixavam dúvidas: 2020 seria um grande ano para as exportações de proteína animal. Pelas estimativas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) os embarques de frango nacional cresceriam 5%, de carne bovina 10,6% e de suína 20%. No fim do primeiro trimestre, o susto. Com os registros dos primeiros casos de Covid-19 no Brasil, a falta de clareza sobre o futuro do mercado interno e externo criou um clima de suspense. Os dias seguintes, no entanto, surpreenderam os mais otimistas.“Em nenhum momento faltou alimento no Brasil e ainda batemos recordes de exportações”, disse Lorival Nogueira Luz Junior, CEO da BRF. Para o mercado de avicultura, o isolamento social trouxe uma demanda não prevista. “Nos preparamos para queda já que escolas e empresas fecharam as portas, mas o que vimos foi um aumento exponencial no consumo de frango e de ovos” afirmou Renato Klu, gerente de Negócios Aves da De Heus. Segundo dados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), o País deve registrar recorde de consumo de ovos com 250 unidades por pessoa em 2020, 8,5% a mais do que em 2019. Já o mercado de bovinos e suínos vive dias de bonança com o aumento das exportações, impulsionadas pela demanda da Ásia.
Tudo parecia ter entrado sob controle quando mais intempéries se abateram sobre a indústria. Notícias de que os frigoríficos brasileiros eram foco de contaminação da Covid-19, a declaração dada pelas autoridades chinesas de que haviam encontrado coronavírus em um lote de frango brasileiro, e o aumento das queimadas e do desmatamento que são, via de regra, associados à expansão da pecuária acenderam a luz amarela sobre uma possível queda das exportações. Tanta instabilidade gerou preocupação entre entidades e produtores.“A reputação do Brasil foi atacada com algumas declarações sem base científica nenhuma”, disse Ricardo Santin, presidente da ABPA. O primeiro alarme veio em julho quando a China suspendeu seis frigoríficos brasileiros. “Nunca houve um fato concreto contra o Brasil. Fomos ao mercado com fatos e dados para mostrar que o Brasil é um dos melhores produtores de alimento não só em escala como em qualidade”, disse Luz, da BRF. Em agosto, o mesmo país anunciou que encontrou vestígios do vírus em uma carga de frango brasileira. Logo se esclareceu que o que aconteceu, de fato, foi o registro de material genético de um vírus desativado na caixa que transportava a mercadoria. Não há maneiras de saber em que momento da logística, que envolve mais de 16,6 mil quilômetros, a contaminação aconteceu. A notícia correu o mundo levando o governo filipino a interromper a compra de frango brasileiro e Hong Kong a suspender temporariamente as importações de frigorífico
Aurora, que já foram restabelecidas.
Para evitar que o alarme se transformasse em crise, a indústria brasileira agiu rápido. A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) e a ABPA se uniram para lançar uma campanha com vídeos e documentos em mandarim para mostrar as ações adotadas pelos frigoríficos. Na Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), o presidente Antônio Jorge Camardelli reuniu-se com autoridades da China no Brasil e participou ativamente para que a portaria interministerial 18/20 que estabelece protocolos para garantir a saúde e segurança dos trabalhadores fosse cumprida. “Adotamos os protocolos ainda em março, conseguimos agir antecipadamente no monitoramento, comunicação e afastamento dos colaboradores”, afirmou o presidente da entidade. Entre as medidas tomadas, redução de funcionários, distanciamento entre as pessoas, equipamentos de segurança no ambiente e nas vestimentas dos profissionais, além da realização de testes e controle de sintomas. “Dentro do frigorífico, o nível de assepsia e de proteção das pessoas é semelhante ao usado em UTI's”, disse Luz. Ainda assim, diversas unidades tiveram suas portas fechadas pelo Ministério Público.
SUSTENTABILIDADE Como se não bastasse a crise sanitária, a questão ambiental colocou outra espada sobre os produtores brasileiros. Com pouca informação e assistindo a leniência de autoridades brasileiras em negar os impactos da mudança climática, sem nenhuma ação efetiva contra os incêndios ou na punição de práticas ilegais de desmatamento, mercados como União Europeia atribuem à pecuária os danos ambientais e ameaçam interromper as importações. O recado foi dado por autoridades que barraram o acordo comercial com o Mercosul e pela população: uma petição organizada por ONGs européias reúne 1,7 milhão de assinaturas que exigem o fim das transações entre os blocos. “O Brasil não precisa desmatar nenhum quilômetro a mais para alimentar o mundo, temos espaço de sobra e temos tolerância zero com corte ilegal de árvores em áreas
protegidas”, afirmou Santin, da ABPA. De acordo com a Embrapa, no Brasil existem mais de 200 milhões de hectares de pastagens, dos quais estima-se que 130 milhões estão degradados, mas podem ser recuperados.
Nenhuma das ameaças, no entanto, derrubaram o pecuarista brasileiro que tem mostrado resiliência e profissionalismo. Impulsionado pelo câmbio desvalorizado e pelo aumento da demanda chinesa, os embarques de suínos aumentaram 55,1%, para US$ 1 bilhão no primeiro semestre de 2020. Em volume foram embarcadas 421 mil toneladas, com alta de 38,4%. Os embarques de bovinos cresceram 9% para 909 mil toneladas. Na mesma comparação, as exportações de carne de frango do Brasil avançaram 1,7%, atingindo 2,11 milhões de toneladas.
Para 2021, a expectativa é de bons resultados já que o mundo sofre com uma redução de oferta de 10 milhões de toneladas de proteína animal frente aos resultados de 2018 devido à peste suína africana que levou ao abate de parte do plantel da Ásia. Com a demanda quase certa e com o mercado mais preparado para lidar com a Covid-19, a preocupação do produtor recai sobre o custo. “Como se não bastasse o esforço para continuarmos a produzir no meio da pandemia, tivemos uma pressão do valor dos grãos que chegam a 60% do custo de produção”, afirmou Santin,. Com o aumento do custo, aumenta o preço final e, até o momento, nenhum especialista é capaz de medir qual será o impacto da crise econômica na renda do consumidor. Esteja ele no Brasil, na Arábia Saudita, China, Europa ou nos Estados Unidos.