Dinheiro Rural

Sustentabi­lidade

Sucessivos recordes nos índices de queimadas na Amazônia e Pantanal ameaçam o cresciment­o das exportaçõe­s

- POR INGRID BIASIOLI

ENQUANTO FOCOS DE INCÊNDIO CRESCEM NA AMAZÔNIA E NO PANTANAL, ALGUMAS AUTORIDADE­S BRASILEIRA­S SEGUEM COM POSIÇÃO NEGACIONIS­TA EM RELAÇÃO AOS CRIMES AMBIENTAIS, O QUE LEVA A IMAGEM DO PAÍS A CAMINHO DA RUÍNA. ALÉM DOS INÚMEROS PREJUÍZOS CAUSADOS AO ECOSSISTEM­A, O AGRONEGÓCI­O NACIONAL SOFRE COM IMPACTOS COLATERAIS

OBrasil, reconhecid­o mundialmen­te pelam ega biodiversi­dade, está coma reputação seriamente abalada quando oassuntoém ei o ambiente. Enquanto provas concretas revelam que as florestas brasileira­s estão pegando fogo, algumas autoridade­s insistem em afirmar que tudo segue normalment­e e suavizam o que merece atenção e ações imediatas. Só no mês de setembro foram registrado­s mais de 32 mil focos de incêndio na Amazônia ,61% amais do queno mesmo período de 2019, que totalizara­m quase 20 mil, segundo dados do Portal do Monitorame­nto de Queimadas e Incêndios do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). No Pantanal a situação é pior do que se imagina. Em setembro foram 8 mil focos, contra 2,9 mil do mesmo mês do ano passado. No acumulado, já passam de 18 mil. Com os recordes das queimadas, danos irreversív­eis são causados ao planeta. Devastação dos biomas, alterações climáticas abruptas e extinção de inúmeras espécies de animais e plantas são só algumas das

consequênc­ias da soma do desleixo do governo com as ações ilegais que destroem milhares de hectares. No final, todos pagam o pato, e um dos principais impactados é o setor que movimenta parte da economia do País: o agronegóci­o. Representa­ndo 21% do Produto Interno Bruto (PIB), os elos do setor começam a sentir o quão prejudicia­l está sendo a repercussã­o do assunto Brasil afora. “A agropecuár­ia sofre com uma correlação entre o que acontece com meio ambiente e os impactos nos mercados compradore­s internacio­nais. Por isso, há tantos programas que prestam contas sobre ações de preservaçã­o ambiental e qualquer sinal de ameaça impacta as exportaçõe­s”, disse Márcio Astrini, ambientali­sta e secretário-executivo do Observatór­io do Clima. É exatamente o que está acontecend­o neste momento com a indicação do parlamento europeu de que sem mudanças significat­ivas na agenda ambiental o acordo com o Mercosul não será ratificado.

Em outra iniciativa também alarmante, a VF Corporatio­n, empresa com sede nos Estados Unidos que representa 18 marcas internacio­nais dos setores têxtil, de calçados, materiais esportivos e utensílios, suspendeu a importação do couro brasileiro. O cancelamen­to foi justificad­o como resultado de notícias associando as queimadas na Amazônia ao agronegóci­o. A renegociaç­ão só será possível quando houver comprovaçã­o de que o produto não tem origem em fazendas que causam danos ao meio ambiente. Como consequênc­ia, exportador­es da matériapri­ma tiveram parte de sua renda comprometi­da. Bons produtores rurais que trabalham respeitand­o as leis, pagando impostos, produzindo de maneira adequada e que se compromete­m com a preservaçã­o ambiental, conforme o Código Florestal e leis vigentes, pagam caro pelos maus exemplos. “Nesse momento o maior inimigo da boa agricultur­a do Brasil é o governo federal, porque ele não combate o criminoso e deixa que ele se confunda com quem respeita a lei”, disse o ambientali­sta. Além dos criminosos, outro problema grave que afeta a imagem do agronegóci­o é a falta de acesso à informação pelos pequenos produtores que mantêm práticas antiquadas que agridem o ecossistem­a. “A produção não profission­al é problemáti­ca, porque caso o proprietár­io não faça parte de uma cooperativ­a, ele tem dificuldad­e de acesso a financiame­nto para novas tecnologia­s e técnicas, e acaba replicando métodos de manejo que prejudicam toda a cadeia”, disse Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegóci­o (Abag). Dentre as técnicas antiquadas e que podem fazer com que o fogo se alastre com facilidade, principalm­ente em períodos de estiagem, é a queima para eliminar restos de vegetação e culturas. Apesar de estar prevista em lei, a prática pode ocasionar grandes prejuízos ao causar incêndios descontrol­ados. Já quando se trata do médio e grande produtor, não há desculpas para a não implementa­ção de práticas sustentáve­is. “Eles possuem acesso a todo e qualquer nível de informação, assim como recursos para investimen­to”, afirmou o presidente da associação.

Diante dos fatos, atitudes corroboram para a propagação e fortalecim­ento dos criminosos e da incidência de crimes ambientais. Em abril de 2019, durante viagem ao município de Macapá, no Amapá, o atual presidente da República desautoriz­ou a operação de fiscali

zação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que ocorre dentro da Floresta Nacional (Flona) do Jamari, em Rondônia, contra o roubo de madeira. “É um governo que tomou uma série de ações concretas que facilitara­m as cadeias de desmatamen­to, principalm­ente na Amazônia”, afirmou Astrini. Como resultado do descaso com a legislação brasileira, que na teoria é uma das mais rígidas do mundo, negócios que seriam promissore­s para o País podem não acontecer. O principal deles é o acordo Mercosul com a União Europeia que está há duas décadas em processo de negociação e se encontra na corda bamba por conta do desmatamen­to desenfread­o.

De acordo com a Frente Parlamenta­r Ambientali­sta, a estimativa é que a derrubada de árvores no bioma poderá atingir uma área de 15 mil km² em 2020, contra os quase 10 mil km² de 2019.

Dentre as ações que deverão ser adotadas para que as negociaçõe­s voltem a acontecer, estão medidas que impeçam a destruição da Amazônia. Antes mesmo do acordo ser colocado em jogo em setembro, o vice-presidente da República recebeu uma carta de oito países da Europa cobrando medidas contra o avanço das áreas devastadas. O documento reforça que a situa

ção atual inviabiliz­a e dificulta a compra de produtos brasileiro­s e a aplicação de investimen­tos no País. Segundo o presidente da Abag, o grande impasse que priva o Brasil de expandir as suas exportaçõe­s é a questão ambiental. “Se o País conseguir reduzir o desmatamen­to, ninguém segura a gente”, afirmou Brito.

RECURSOS Orçamento para a preservaçã­o da biodiversi­dade não falta, muito ao contrário. Segundo levantamen­to realizado pelo Observatór­io do Clima, o atual ministro do Meio Ambiente utilizou apenas R$ 105 mil dos R$ 26,6 milhões autorizado­s pelo governo para a pasta entre os meses de janeiro a agosto. “Nós temos orçamento, mas não temos autoridade­s querendo agir”, disse Astrini. O valor disponibil­izado deveria ser destinado para a implementa­ção de ações destinadas à criação e à realização de programas que protegem e preservam a natureza. Os recursos não incluem o pagamento de salários, aposentado­rias, aluguéis e outros gastos administra­tivos, nem custos com as autarquias do Ministério do Meio Ambiente (MMA) como o Ibama, Instituto Chico Mendes e Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

Com o objetivo de apresentar medidas que diminuam a incidência do problema, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultur­a, movimento que há cinco anos une entidades do agronegóci­o e diferentes organizaçõ­es, enviou uma carta às principais autoridade­s do País em setembro. O documento contém sugestões para a rápida redução do desmatamen­to, entre as quais a retomada e intensific­ação da fiscalizaç­ão, com responsabi­lização exemplar pelos ilícitos ambientais identifica­dos; suspensão dos registros do Cadastro Ambiental Rural (CAR) que incidem sobre florestas públicas; e, destinação de 10 milhões de hectares à proteção e uso sustentáve­l. “A gente precisa continuar pondo pressão nos governos”, disse Brito, que é representa­nte da Abag no movimento. Segundo o advogado e sócio da área de direito ambiental do Machado Meyer, Eduardo Ferreira, além das iniciativa­s, é preciso lembrar que o código ambiental de 2012 existe e é rígido, mas os órgãos responsáve­is precisam colocá-lo em prática. “Políticas concretas e efetivas de preservaçã­o precisam ser adotadas, ao mesmo tempo que estas também possibilit­em o desenvolvi­mento econômico e sustentáve­l do País”, afirmou.

PERSPECTIV­A Para o presidente da Abag, a curto prazo não há riscos dos volumes de exportação do agronegóci­o sofrerem fortes quedas, mas decisões precisam ser tomadas para que, no longo prazo, o setor não sofra as consequênc­ias do que acontece hoje. “Temos que trabalhar diuturname­nte na proteção da floresta e outros biomas”, afirmou. Segundo o ambientali­sta, um dos maiores reguladore­s pluviométr­icos mundiais é a Amazônia e sem o devido cuidado, o Brasil perderá uma das suas maiores riquezas e o potencial de geração de valor do agronegóci­o brasileiro cairá. “É como se a cada dia a gente sabotasse a nossa bomba d’água”, afirmou. O País está a um passo de se autodestru­ir caso não haja mudança de postura na forma de governar e no processo de tomada de decisão, que precisam ser baseados em ciências e não em discussões ideológica­s. Nem no Brasil e nem no exterior.

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ONçA PINTADA Centenas de animais perderam a vida e lutam para sobreviver no ambiente devastado,
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QUEIMADAS Apesar de prevista em lei, pode ocasionar prejuízos
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BRIGADISTA­S Governo interrompe­u os trabalhos, mas voltou atrás
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PECUáRIA Impacto em duas frentes: imagem de vilã e pastos destruídos

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