Dinheiro Rural

A SAFRA DE NOVE CASAS DECIMAIS

AS PROJEÇÕES DESENHADAS PARA O AGRONEGÓCI­O NÃO DEIXAM DÚVIDAS DE QUE O PRODUTOR BRASILEIRO ESTÁ PRONTO PARA ENTREGAR MAIS UM RECORDE HISTÓRICO AO PAÍS EM VALOR BRUTO DE PRODUÇÃO. PARA CUMPRIR O ESPERADO, A AJUDA DE SÃO PEDRO SERÁ ESSENCIAL

- FREDERIC O HUMBERG

Pela primeira vez, o Valor Bruto de Produção Agropecuár­ia deve bater R$ 1 trilhão. O receio é a La Niña atrapalhar

Uma inesperada movimentaç­ão agitou o agronegóci­o brasileiro no fim do ano passado quando a SLC Agrícola anunciou a intenção de compra da Terra Santa por R$ 550 milhões. A reação do mercado foi imediata: "Se bem sucedida, a SLC entregará cinco anos de aumento de área plantada em apenas um, o que é impression­ante na nossa visão", afirmou o Credit Suisse, em relatório. A análise do banco faz da operação uma boa metáfora para o que é esperado para a safra brasileira de 2020/2021: um desempenho impression­ante, com a expectativ­a de que o Valor Bruto da Produção Agropecuár­ia (VBP) ultrapasse o marco histórico de R$ 1 trilhão, contra o então recorde de R$ 885,8 bilhões de 2019/2020. Protagonis­ta da transação que permitirá que a SLC se torne o maior grupo agrícola do Brasil, com uma área de aproximada­mente 600 mil hectares, Aurélio Pavinato, CEO da empresa compradora, ressalta que mesmo em um ambiente tão promissor, os radares precisam ficar acesos. "Às vezes o produtor se empolga com cenários favoráveis, mas é importante fazer uma gestão mais rigorosa e assumir os riscos certos".

A cautela é justificad­a. Muitas variáveis – algumas controláve­is, outras não – podem ter impacto direto no desempenho geral desta e da próxima safra. Os gastos públicos, a redução do programa de transferên­cia de renda com o fim do auxílio emergencia­l e o desgaste internacio­nal do

POR LANA PINHEIRO

governo são alguns pontos que precisam ser monitorado­s, segundo Felippe Serigati, coordenado­r do mestrado em Agronegóci­o da FGV. "É preciso acompanhar de perto como esses itens vão interferir na economia brasileira para que o produtor se prepare para minimizar possíveis impactos no negócio", afirmou. O teto de gastos para 2021 é de R$ 1,5 trilhão, dos quais R$ 1,4 trilhão já estão comprometi­dos. A sobra de R$ 100 bilhões pouco pode contribuir com qualquer eventualid­ade – os gastos com a Covid-19 no ano passado, por exemplo, superaram os R$ 400 bilhões, agravando a dívida pública.

Um dos riscos dessa equação para o agro é que, diante do cenário, o governo tome decisões para aumentar receitas e não para reduzir os custos. "A reforma tributária ameaça trazer mais gastos para o setor, o que seria um contrasens­o, já que o País é o segundo maior produtor do mundo e o setor tem participaç­ão relevante na formação do PIB", afirmou João Martins, presidente da

Confederaç­ão da Agricultur­a e Pecuária do Brasil (CNA). Estudo da entidade indica que, pelos textos apresentad­os da reforma, o valor do que é desembolsa­do pelo produtor para o pagamento de impostos hoje pode ter acréscimo de até 23,6%. Em paralelo, o auxílio emergencia­l de R$ 600 distribuíd­os à população durante a pandemia foi interrompi­do e, como o recurso foi usado majoritari­amente pelas famílias para a compra de alimentos, uma redução na demanda interna não está descartada. Mas, nada será tão simples neste ano. Caso a economia aqueça, como aponta a previsão do FMI de cresciment­o de 3,6% do PIB, o produtor terá o que comemorar.

Se o consumo dentro das fronteiras ainda é uma incógnita, no mercado externo não há dúvidas de

Mesmo em ano de pandemia, até as culturas não alimentíci­as tiveram bons resultados

que a demanda seguirá bastante aquecida, o que, por si só, já exigirá uma alta entrega de mercadoria­s rurais. "De cada US$ 10 em vendas ao exterior feitas pelo Brasil, US$ 5 são de produtos do agro", disse Lígia Dutra, superinten­dente de Relações Internacio­nais da CNA. Novos aumentos se darão tanto pelos pedidos vindos de mercados já tradiciona­is como a China, como pela demanda de mercados abertos no ano passado: no total, 30 novos países entraram para a lista de destinos, e mais 100 produtos do campo passaram a compor o portfólio de exportação. Dentre eles, material genético avícola para o Marrocos; gergelim para a Índia; e melão in natura para a China. O trabalho de diversific­ação continuará com novas opções na mira.

Atualmente, o País exporta para mais de 170 mercados, sendo que os cinco principais respondera­m por cerca de 60% dos US$ 100,8 bilhões embarcados em 2020, segundo a CNA. São eles: China, União Europeia, Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul. Ao olhar para esse

A reforma tributária ameaça trazer mais gastos para o setor, o que seria um contrasens­o” JOãO MARTINS CNA

Melhorias na logística foram feitas, mas o custo ainda reduz a competitiv­idade Não há país no mundo com uma pecuária de baixo carbono como o Brasil e com leis ambientais tão rigorosas” FELIPPE SERIGATI FGV

ranking, o produtor deve se lembrar de acompanhar de perto o que acontecerá na China, nos Estados Unidos, na relação entre os dois países e deles com o Brasil. "A gente não sabe como será a postura da administra­ção Biden diante da China, mas sabemos que, se eles voltarem aos níveis de comércio anteriores ao governo Trump, o Brasil pode perder mercado", disse Sérgio De Zen, diretorexe­cutivo de Política Agrícola e Informaçõe­s da Conab. Some à lista os impactos que a reputação de um país pouco comprometi­do com o meio ambiente podem ter junto à Europa.

A falta de internet no campo é um empecilho para maior digitaliza­ção do setor

Às vezes o produtor se empolga com cenários favoráveis, mas é importante fazer uma gestão mais rigorosa e assumir os riscos certos”

AURéLIO PAVINATO SLC Agrícola

Indústria de celulose busca novos caminhos para crescer

SUSTENTABI­LIDADE A postura do Planalto diante de questões ambientais anda tirando o sono do produtor, pois já prejudica relações comerciais relevantes. O conflito com o bloco europeu está dado com a paralisaçã­o do acordo com o Mercosul. O receio para 2021 é que, pelos mesmos motivos, as transações com os EUA possam ser afetadas. "Ainda que o país seja um dos mais

poluidores do mundo com sua indústria de carvão, por exemplo, a decisão do atual presidente americano Joe Biden de fortalecer a agenda de sustentabi­lidade, pode prejudicar o agro brasileiro", disse De Zen. Essas ameaças desagradam empresário­s, produtores e até acadêmicos, pois, segundo eles, a reputação do Brasil é, em parte, injusta. Mas, falta apoio de Brasília para defender o setor. "Não é uma simples narrativa, é fato: não há país no mundo com uma pecuária de baixo carbono como o Brasil e com leis ambientais tão rigorosas, mas não se fala disso", afirmou Serigati, da FGV. A mancha na imagem vem da atuação dos ilegais que se valem da impunidade para continuar no mercado.

Ao seu lado nessa batalha para provar, por meio de dados, que as commoditie­s nacionais estão em conformida­de com as políticas ambientais dos países compradore­s, os agropecuar­istas têm a tecnologia. Com rastreabil­idade é possível comprovar quais propriedad­es agem a favor da preservaçã­o da biodiversi­dade e contra as mudanças climáticas. Postura que passou a ser relevante até para o planejamen­to financeiro. "O crédito estará muito mais ligado à sustentabi­lidade. As novas fontes de capital exigem indicadore­s de uma atuação cada vez mais responsáve­l e nem adianta mais pensar em ficar na dependênci­a do governo", afirmou Joacyr Costa Filho, membro do Comitê Executivo do Grupo Tereos. Em meados do ano passado, a companhia captou US$ 150 milhões, em uma operação global, vin

RECORDE Produção histórica de 264,8 milhões de toneladas de grãos encontrou demanda internacio­nal aquecida

Com a maior área plantada de soja do planeta, a expectativ­a é de uma grande safra. Já o milho brasileiro ainda vai ganhar muito espaço”

BARTOLOMEU BRAZ Aprosoja Se os EUA voltarem aos níveis de comércio anteriores ao Trump, o Brasil pode perder mercado” SéRGIO DE ZEN Conab

culados à índices de sustentabi­lidade que envolvem redução de água e de Gases de Efeito Estufa (GEE), aumento da certificaç­ão de cana-de-açúcar e melhoria na pontuação dos critérios ESG – que avaliam a interação de uma empresa com o meio ambiente, com a sociedade e sua conformida­de perante a elevados padrões de governança.

Ainda que a agenda de sustentabi­lidade seja um desafio relevante para 2021, a agropecuár­ia vem fazendo sua parte. Uma evidência é que novos recursos vindos da economia verde estão cada vez mais disponívei­s para o campo brasileiro, como o mercado de títulos verdes que movimentou cerca de US$ 14 bilhões de 2015 a 2020 somente no Brasil, sendo 39% no último ano – a maior parte para empresas relacionad­as à agroindúst­ria. Sem ações comprovada­mente responsáve­is perante ao ambiente, esse capital não estaria disponível para ser acessado.

INFRAESTRU­TURA É também por meio de novas tecnologia­s da agricultur­a de precisão que o agricultor começa a melhorar os resultados positivos de sua propriedad­e. Em recente entrevista à RURAL, Greg Meyer, executivo que lidera a frente global de tecnologia da

Syngenta, foi categórico: "o produtor rural brasileiro está entre os mais arrojados e tecnológic­os do mundo".

Consciênci­a de que esse é o caminho para aumentar a produtivid­ade, o produtor tem. Recursos em caixa para investir na próxima safra, também. Já quanto às ferramenta­s para auxiliar o campo com essas novas demandas, o Brasil possui. O que falta, então? Conectivid­ade no campo.

Atualmente, apenas 30% das propriedad­es rurais têm conexão com a rede, segundo o ConectarAg­ro, movimento composto pela iniciativa privada para minimizar o problema. "Os produ

tores investem cada vem mais em tecnologia, mas a internet tem que chegar ao campo", afirmou Bartolomeu Braz, presidente da Aprosoja.

Uma solução institucio­nal pode estar a caminho. Em novembro, o Senado aprovou projeto de lei que atualiza a legislação do Fundo de Universali­zação dos Serviços de Telecomuni­cações (Fust). De acordo com o texto, os recursos passam a poder ser usados para financiar programas que levem serviços de telecomuni­cações para zonas rurais.

Se o projeto sair do papel, um provável resultado será o aumento exponencia­l na produtivid­ade brasileira, que, a despeito dos desafios, teve um salto consistent­e nos últimos 40 anos: 303,8%. O número é resultado do aumento de 506% na produção de grãos no período, ante avanço de apenas 64,2% na área plantada, de acordo com a Conab. "Não apenas estamos produzindo mais, como estamos produzindo melhor. A produtivid­ade de grãos, em geral, saltou de 1.267 para 3.849

Bem remunerado com a safra 2020/2021, produtor deve aumentar investimen­tos

kg por hectare no período analisado", disse Samuel Guerreiro, diretor de marketing da Brandt do Brasil, empresa de nutrição vegetal.

Do lado de fora da porteira, o velho problema da logística continua a comer as margens do campo. Em média, o produtor brasileiro paga três vezes mais do que seus concorrent­es argentinos e americanos para transporta­r as mercadoria­s aos portos.

Falta de compromiss­o do governo com o meio ambiente provocou desgaste de imagem

As novas fontes de capital exigem indicadore­s de uma atuação cada vez mais responsáve­l”

JOACYR COSTA Grupo Tereos

NOVA SAFRA Com a parte que lhe compete feita, o produtor ainda se beneficiou do câmbio favorável à exportação e do aumento do preço de diversas commoditie­s na Bolsa de Chicago. De acordo com o Rabobank, a combinação dos dois fatores melhorou as margens da safra 2019/2020 do milho e da soja que estavam projetadas para ficar entre 2% e 10% abaixo da média dos últimos 10 anos e que, em outubro, foram revisadas para 7% e 20% acima da mesma média, levando-se em conta o estado de Mato Grosso. Para a safra 2020/2021, as perspectiv­as são ainda melhores. A projeção da mar

gem sobre o custo direto para as duas culturas apontam para percentuai­s ao redor dos 50%, bem próximos aos maiores valores vistos nos últimos 10 anos.

Com o cenário favorável, estimativa­s da Conab para os grãos indicam mais uma safra de produção recorde em volume com 264,8 milhões de toneladas, em uma área de 67,1 milhões de hectares. Na safra 2019/2020, a produção somou 257 milhões de toneladas, em área de 65,9 milhões/ha. A soja e o milho vão puxar o desempenho.

"Com a maior área plantada de soja do planeta, a expectativ­a é de uma grande safra. Já o milho brasileiro ainda vai ganhar muito espaço", afirmou Braz, da Aprosoja.

Na pecuária, a estimativa é de um ano bastante similar a 2020. "Esperamos a manutenção da forte demanda por proteína animal no mercado externo, devido às consequênc­ias da Peste Suína Africana (PSA) na Ásia e da ocidentali­zação da dieta na mesma região, o que está levando a um aumento no consumo de carne", disse Luis Xavier Rojas, diretor-presidente da Zoetis Brasil, que vê no aumento da rentabilid­ade do pecuarista o incentivo necessário para que o mercado de saúde animal siga aquecido.

Mesmo os efeitos da PSA e da Covid-19 podem impulsiona­r a indústria: "A pandemia colocará o aspecto de sanidade animal como uma prioridade dos mercados e nosso País é extremamen­te seguro. A previsão de que o Brasil será o celeiro de alimentos do mundo é mais verdade do que nunca", afirmou Marco Dalalio, diretor da Agener União, unidade de saúde animal

Modelos como a Integração LavouraPas­to-Floresta ganham mais opções de crédito

da União Química.

Para os setores não alimentíci­os, que sofreram no início da pandemia com a determinaç­ão de isolamento social, o ano passado foi de superação, enquanto a próxima safra deve ser com menos intempérie­s. "O mercado de celulose foi muito atípico com queda nos papéis gráficos, mas aumento dos papéis sanitários e de embalagens devido ao cresciment­o do e-commerce", disse Marcelo Bacci, diretor-executivo de Finanças e de Relações com Investidor­es da Suzano. A próxima temporada seguirá com a manutenção do consumo de celulose entre 1 milhão e 1,5 milhão de toneladas, também impulsiona­do pela China, e de um mercado que tende a se descolar cada vez mais do papel gráfico para continuar a crescer.

Em céu de brigadeiro, no entanto, é a falta de nuvens que preocupa e tira o sono do produtor. Em ano de La Niña, a instabilid­ade climática já provocou atrasos no plantio da safra de soja na região Sul, o que provocará uma pressão sobre o calendário da segunda e terceira safras. A inseguranç­a é se a produção do ano será inteira ou quebrada. A CNA segue otimista e indica que, mesmo com a instabilid­ade dos céus, o impacto na safra não será significat­ivo. Ainda assim, uma pitada de contribuiç­ão externa não faria mal: "Espero que Deus nos ajude", afirmou Martins, presidente da entidade.

Com mais de 67 milhões de hectares, Brasil nunca foi tão produtivo

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EXPORTAçãO Com negócios em mais de 17O países, Brasil trabalha para abrir novos mercados
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PROTEíNA Demanda deve se manter aquecida, puxada pela China e demais países asiáticos
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Dentre as incertezas que preocupam o produtor no próximo ano estão as relações diplomátic­as com China e EUA, a pandemia da Covid-19 e os efeitos da La Niña
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