Dinheiro Rural

PREÇO DAS COMMODITIE­S

Valores recordes na cotação de soja, milho e arroba do boi animaram a indústria, mas poucos produtores se beneficiar­am de fato

- POR LANA PINHEIRO

Sem negar o impacto positivo que os valores recordes na cotação de soja, milho e arroba do boi trazem para o agronegóci­o nacional, é preciso ponderar que boa parte dos produtores não se beneficiou da alta e os consumidor­es sofreram com a inflação de alimentos

Enquanto algumas atividades econômicas se viram em meio a um tumultuado 2020, que resultou em crise financeira para muitos setores, algumas commoditie­s agrícolas viveram uma realidade oposta. Não fosse o cenário ao redor tão ruim daria até para ter fechado o ano com uma grande comemoraçã­o. Os motivos do bom humor passam por uma equação que juntou alta demanda externa por alimentos; mercado interno aquecido; e uma valorizaçã­o no preço das commoditie­s na Bolsa de Chicago. O resultado: preços recordes ou, ao menos, muito atrativos para soja, milho, arroz, boi, entre outros. “Antes da pandemia e no início dela, havia uma projeção de queda nos preços de alguns produtos relevantes para o agro brasileiro pelo Departamen­to de Agricultur­a dos Estados Unidos (USDA)”, disse Leonardo Xavier, professor da Universida­de Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O cenário, no entanto, não

se confirmou. “A demanda de alimentos não parou e a recuperaçã­o econômica veio mais rápidament­e do que o imaginado, aumentando os preços e, consequent­emente, a remuneraçã­o do produtor”, disse. Na safra 2019/2020, as margens esperadas para soja e milho, no estado do Mato Grosso, estavam entre 2% e 10% abaixo da média dos últimos 10 anos. Mas, a rentabilid­ade conjunta das duas cuturas, na região de Sorriso (MT), chegou a crescer 60%, segundo o Rabobank. Para essa safra, a estimativa é de nova alta de 16%.

O bom momento foi alavancado por uma complement­aridade nas conjuntura­s internas e externas. A demanda internacio­nal, puxada pela China, se mostrou voraz e a compra de commoditie­s surpreende­u. Quem produziu, vendeu. É o caso do Brasil que, com a safra 2020/2021 estimada em 264,8 milhões de grãos, a maior da história, encontrou mercado comprador disposto a pagar para receber. Outro exemplo foi o valor recebido pelos produtos. Pautada pela alta demanda internacio­nal, a Bolsa de Chicago elevou o preço de diversas mercadoria­s, como soja e milho. Com o valor pago pelas exportaçõe­s já em patamares mais elevados, quando trouxe a receita para o Brasil, o produtor ainda se beneficiou do câmbio favorável em que a desvaloriz­ação chegou a 46,5%, com o dólar a R$ 5,94 no seu momento mais alto, em 13 de maio. Nesse cenário, alerta Pedro Fernandes, diretor de Agronegóci­os do Itaú BBA, é preciso especial cuidado com a moeda. “Essa alta volatilida­de aumenta a exposição do agricultor ao risco de realizar as compras em alta e vender em baixa. Para proteger o negócio, o caminho é investir em gestão”.

IMPACTOS Um dos desafios está na boa administra­ção dos custos. Dados do Balanço 2020, Perspectiv­as 2021 da Confederaç­ão da Agricultur­a e Pecuária do Brasil (CNA) apontam que o fertilizan­te fosfato monoamônic­o (MAP) subiu 40,4% em Sorriso (MT) e 41,1% em Dourados (MS), já o preço da ureia, 25,9% e 25,2% nas mesmas praças. Considere que a demanda de fertilizan­tes alcançou 37,4 milhões de toneladas e deve passar a 38,9 milhões na próxima safra, e que eles representa­m algo entre 40% e 70% dos gastos com a lavoura, é possível ter dimensão do impacto de uma compra descasada do pacote tecnológic­o com a venda da safra. O cenário traçado pelas instituiçõ­es financeira­s, no entanto, é mais um alerta para evitar o descuido, do que uma realidade instalada. Tanto as análises do Itaú BBA como as do Rabobank indicam que a gestão no campo está sendo feita com muito profission­alismo, por isso, o aumento do custo teve pouco impacto na remuneraçã­o final. No caso do algodão, por exemplo, apesar da margem permanecer abaixo da média, houve melhora de 4 pontos percentuai­s em 2019/2020 com relação à safra anterior. As expectativ­as para 2020/2021 são ainda melhores, com possibilid­ades de margens muito próximos à média de 28%, registra relatório do Rabobank.

Nos custos da pecuária leiteira, os impactos foram sentidos pelos aumentos dos preços de concentrad­os (29,3%) e de 10,4% nos gastos com suplementa­ção mineral dos animais, consideran­do a média do País. Na pecuária de corte, a situação é mais complicada, como explica César de Castro Alves, consultor de agronegóci­os do Itaú BBA. “Nos preocupa a elevação dos custos com ração, como consequênc­ia da alta do preço da soja e do milho, e também o preço da arroba do boi gordo próxima a R$ 300”. O problema do preço da arroba é a dúvida se a população estará disposta a pagar o valor para consumir carne vermelha, e, caso ele não esteja, o receio recai sobre a possibilid­ade do pecuarista não ter como arcar com o custo do bezerro,

que vale hoje algo em torno de R$ 2 mil. Em ração, o incremento no milho (51%) e no farelo de soja (101,7%), insumos que representa­m cerca de 70% dos custos de produção das carnes, leite e ovos, devem ser observados de perto, destaca a consultori­a Cogo.

INFLAÇÃO Ainda que nem todas as commoditie­s tenham registrado elevação dos preços, a Organizaçã­o das Nações Unidas para Agricultur­a e Alimentaçã­o (FAO), aponta que houve um incremento médio relevante: de maio a outubro, os preços de alimentos subiram 10,9%. “Consideran­do as últimas duas décadas, o ano de 2020 foi o primeiro em que a maioria dos sub-setores – com exceção de frutas, verduras e legumes – apresentar­am resultados muito bons”, disse o diretor do Itaú BBA. A elevação do preço final ao consumidor é o lado preocupant­e desta moeda. Em seu balanço do ano, a CNA registrou que, enquanto o índice IPCA ficou em 2,2%, dentro da meta de 4%, a inflação de alimentos e bebidas foi de

9,4%. Dentre os itens que mais pesaram no bolso do brasileiro estão o óleo de soja (77,69%), arroz (59,48%), feijão fradinho (58,49%) e leite longa vida (29,45%). O impulso vem do mercado internacio­nal.

“Produtos como arroz, açúcar, soja e carnes tiveram maiores volumes exportados quando comparados ao mesmo período do ano anterior”, afirmou Bruno Lucchi, superinten­dente técnico da CNA. A consequênc­ia é a baixa oferta no mercado interno e o aumento dos preços em Reais.

Mas, o impacto no bolso do agricultor, não é imediato. E tão pouco significa que todos estão nadando em dinheiro. A cultura de arroz, por exemplo, sofre há cinco safras com déficit nas contas: a receita obtida com a comerciali­zação da colheita não é suficiente para pagar os custos, segundo levantamen­to da CNA. E, ainda que o preço da saca tenha chegado em R$ 104, cerca de 75% da safra já havia sido comerciali­zada ao preço de R$ 52. “Os bons resultados do ano, tanto em volume como em preço, acabam escondendo o fato de que alguns produtores não se beneficiar­am do momento porque fixaram os preços ou fizeram operação de barter”, afirmou Fernandes, do Itaú BBA. Ainda de acordo com a CNA, em soja a situação também não foi tão ideal como se pinta. Somente 1% dos produtores conseguiu aproveitar o preço que chegou a superar

US$ 11,50 o bushel no último trimestre de 2020 – algo que não ocorria desde de 2016. Colocando na moeda nacional, cerca de 70% da soja brasileira foi comerciali­zada a preços de R$ 65 a saca e não no pico de R$ 156.

No fim das contas, o impacto das altas de 2020 será sentido em 2021. A safra chegará melhor rentabiliz­ada, com perspectiv­as que o PIB Agro cresça 3% para R$ 1,8 trilhão. A próxima temporada traz também fundamento­s mais sólidos. “Haverá maior equilíbrio entre oferta e demanda, e a inflação de alimentos se normalizar­á”, disse João Martins, presidente da entidade. Pelas projeções, o agronegóci­o estará melhor preparado para enfrentar qualquer obstáculo e provar que continua sendo uma indústroia profission­al capaz de atender com maestria as demandas dos mercados interno e externo.

PEDRO FERNANDES, ITAú BBA “A volatilida­de do dólar aumenta a exposição do agricultor ao risco de realizar as compras em alta e vender a produção em baixa. Para proteger o negócio, o caminho é investir em gestão” JOãO MARTINS, CNA “Em 2021, haverá um maior equilíbrio entre oferta e demanda, o que provocará a normalizaç­ão dos indíces de inflação ”

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