Sustentabilidade
O ano de 2020 foi marcado pelo retrocesso da imagem do País na questão ambiental. O impacto atinge em cheio o agro
O ANO DE 2020 FOI MARCADO PELO RETROCESSO DA IMAGEM DO PAÍS NA QUESTÃO AMBIENTAL. A LENIÊNCIA DO GOVERNO NO COMBATE AOS INCÊNDIOS E DESMATAMENTOS ILEGAIS CRIOU UMA CRISE REPUTACIONAL INTERNA E EXTERNAMENTE. O IMPACTO ATINGE EM CHEIO O AGROPECUARISTA QUE VÊ NO CAMPO E NO BOLSO AS CONSEQUÊNCIAS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Após meses comemorando resultados recordes na agropecuária, o Brasil entrou no terceiro trimestre do ano passado com um sinal amarelo aceso. O clima da região Sul mudou. A estiagem chegou castigando a lavoura e a pecuária. “Em algumas regiões, as condições climáticas estão muito diferentes dos últimos 10 anos e os impactos são imprevisíveis”, disse Malu Nachreiner, presidente da divisão agrícola da Bayer Brasil, em entrevista que abre essa edição da RURAL. As causas combinam questões
naturais, como o efeito da La Ninã, e intervenções humanas no meio-ambiente, que estão acelerando o processo de aquecimento do Planeta. Como não é possível controlar fenômenos naturais, resta aos líderes dos países se unirem para tentar criar planos para reduzir o impacto das ações do homem. Infelizmente, nem todas as autoridades estão engajadas na causa. O Brasil é uma das exceções. Enquanto o presidente da República se recusa a aceitar os efeitos da mudança climática e profere comentários inconsequentes sobre questões relacionadas à agenda, o seu governo segue um plano quase silencioso de desmonte das instituições dedicadas à sustentabilidade. O resultado é que um grande grupo de produtores rurais que seguem as rígidas leis ambientais brasileiras sofre em três frentes: a mudança do clima tem impacto direto na lavoura com estiagens ou alagamentos que matam animais e safras inteiras; é ele quem assume o custo gerado no processo de ser sustentável perdendo competitividade perante aos concorrentes ilegais; e, finalmente, recai sobre o exportador as ameaças de interrupção de compra de suas mercadorias
como resultado da crise reputacional que atinge o setor no mercado internacional, sobretudo, na Europa.
No balanço do ano, a rubrica de sustentabilidade do Governo Federal será predominantemente vermelha do ponto de vista ambiental. Em um intervalo de doze meses, a Secretaria de Mudança do Clima e Florestas do Ministério do Meio Ambiente foi extinta; os planos de prevenção e controle do desmatamento (PPCDAm e PPCerrado) foram arquivados; o diretor encarregado do combate à mudança climática no Ministério do Meio Ambiente foi demitido; e somente 0,4% da verba anual prevista para a proteção da biodiversidade e na luta contra o aquecimento global foi usada até o fim de outubro - R$ 105,4 mil de R$ 265 milhões. E a lista continua com, entre outros pontos, o desmatamento de mais de 11 mil km² da Amazônia de agosto de 2019 a julho de 2020 e o incêndio de 23 mil km² do Pantanal, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas do Pantanal (INPP) e a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
CONSEQUÊNCIA Enquanto isso, as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) no Brasil cresceram 9,6% na comparação de 2019 contra 2018, para 2,2 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO2e). De acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), as mudanças no uso da terra, alavancadas pelo desmatamento, são as principais responsáveis pelas emissões no País, somando 968 milhões de tCO2e em 2019. Em seguida no ranking, aparece a agropecuária, com 598,7 milhões de toneladas. Segundo o relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), estima-se que as atividades humanas tenham causado aumento de cerca de 1°C no aquecimento global desde o período pré-industrial até hoje. Caso nada seja feito, a projeção é de elevação de 1,5°C entre 2030 e 2052. “Com a intensificação do aquecimento global acentua-se a questão das temperaturas elevadas, assim como as discrepâncias em relação ao regime normal de chuvas, por exemplo”, disse João Rodrigo de Castro, agrometeorologista da Climatempo.
Os efeitos da falta de chuva puderam ser vistos a olhos nus nas lavouras do Rio Grande do Sul no fim do ano. Os milhares de hectares que já deveriam estar cobertos de verdes das mudas da soja em dezembro, estavam secos. O resultado foi o plantio tardio da safra ou, em casos mais extremos, a sua suspensão. “Essa mudança dos padrões do comportamento climático exige uma série de adequações por parte da agricultura. A primeira é em relação às janelas de plantio. O segundo passo é a adoção de tecnologias apropriadas, como a agricultura de precisão”, afirmou Castro. Com o atraso da soja, a safrinha do milho e a produção do algodão devem ser impactadas com uma janela menor de plantio. O prejuízo recairá sobre os ombros do produtor. Diante do cenário, em seu relatório de dezembro, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) reduziu em 3,1 milhões de toneladas a expectativa da safra de grãos de 2020/2021 com relação ao número divulgado em outubro. A estimativa revisada aponta para uma colheita de 265,9 milhões de toneladas em uma área de 67 milhões de hectares, ainda assim números que representam alta de 3,5% e de 1,6% quando comparados à safra anterior.
Para tentar reverter o quadro crítico, autoridades mundiais exigem novas condutas. Uma das principais iniciativas é o Acordo de Paris que, no dia 12 de dezembro de 2020, completou cinco anos. Na data, nações signatárias apresentaram novas metas na redução de emissões para que o objetivo do acordo de manter o aumento da temperatura do planeta abaixo dos 2 ºC seja cumprido. O Brasil participou da solenidade e se comprometeu a atingir “emissões zero” até 2060. Mas, para cumprir a palavra, o ministro do Meio Ambiente exigiu US$ 10 bilhões que podem ser pagos, segundo ele, “através dos mecanismos do artigo 6º do Acordo de Paris e do programa de pagamento de serviços ambientais, o Floresta+”. Não houve resposta.
Independentemente do que acontece nos ministérios ao lado, a ministra da Agricultura, Teresa Cristina, segue executando uma agenda de promoção da sustentabilidade e de fortalecimento do agronegócio. Dentro do Plano Safra 2020/2021, aumentou em R$ 400 milhões os recursos destinados ao Programa para Redução de Emissão de Gases de Efeito Estufa na Agricultura (ABC), que
JOÃO RODRIGO DE CASTRO, da Climatempo
“A mudança dos padrões do comportamento climático exigem uma série de adequações por parte da agricultura”
recebeu R$ 2,5 bilhões; e incluiu também a possibilidade de financiamento de até 30% de projetos para a construção de biofábricas. Em maio, mais um incentivo para a área com o Programa Nacional de Bioinsumos e, em setembro, tornou o Brasil o primeiro país a emitir Títulos Verdes para Agricultura Sustentável.
Mesmo diante dos subsídios, explica Mariane Crespolini, diretora do Departamento de Produção Sustentável e Irrigação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), alguns desafios estão dentro da porteira. “Existe uma barreira cultural para a implementação de algumas tecnologias sustentáveis, principalmente por parte do pequeno produtor. Mas, quando ele olha o vizinho fazendo e vê que o resultado é melhor, ele busca aplicar”, disse.
No campo, as práticas parecem estar bem disseminadas. Em 2011, a agropecuarista Sônia Bonato começou a adotar
MARIANE CRESPOLINI, do Mapa
“Existe uma barreira cultural para a implementação de algumas tecnologias sustentáveis, principalmente por parte do pequeno produtor. Mas quando ele olha o vizinho fazendo e vê que o resultado é melhor, ele busca aplicar”
o sistema Integração Lavoura Pasto (ILP) na propriedade familiar de 130 hectares, em Ipameri
(GO). Com o sistema, os processos de degradação são controlados por meio de práticas conservacionistas. “Fomos ampliando o ILP aos poucos e temos ótimos resultados. Com um solo de maior qualidade, aumentamos a nossa produtividade e somos menos afetados pelas mudanças climáticas, além de garantirmos o alimento para o gado no inverno”, disse Sônia. Nas grandes empresas, o estágio de comprometimento com práticas responsáveis estão ainda mais estruturadas. Caso da Tereos Açúcar e Energia Brasil, que se comprometeu a alcançar os objetivos globais de desenvolvimento sustentável alinhados com o da Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo Raul Guaragna, diretor de Operações Agroindustriais da empresa, há mais de três anos as atenções se voltam para a mitigação de carbono equivalente por tonelada de cana processada (tCO2eq/tc), que passou de 3% para 5% até 2023. As emissões são medidas por meio do Programa Brasileiro GHG Protocol. Em 2018, a empresa emitiu 0,042 de tonelada de C02/eq por tonelada de cana. Em 2019 foram 0,037, redução de 11,90%. “Temos um trabalho sólido de mapeamento dos principais itens causadores de emissões, dentre eles o uso de combustível fóssil nas máquinas e de de fertilizantes nitrogenados no solo”, disse Guaragna. Para avançar na pauta, ano passado a operação global da Tereos captou US$ 105 milhões. Os recursos serão usados em quatro frentes: redução de emissões de GEE, diminuição relativa do consumo de água na moagem de cana, aumento de certificação de matériaprima e aumentar seu rating ESG.
Mesmo fazendo a lição de casa dentro da porteira e com um ministério a seu favor, o agronegócio precisa que o rumo da narrativa presidencial seja corrigido para que os mercados internacionais tenham a segurança de que o campo brasileiro é regido por uma das mais rigorosas leis ambientais do mundo. Neste desafio, é preciso que os ilegais sejam punidos e que a diplomacia entre em cena para defender que o agro brasileiro profissional é sim sustentável.