Dinheiro Rural

Agrofinanç­as

Após cinco meses do Plano-Safra, os recursos oficiais do governo para investimen­tos no campo chegaram ao fim

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Após cinco meses do ano-safra, os recursos disponibil­izados pelo Ministério da Agricultur­a, Pecuária e Abastecime­nto para investimen­tos no campo chegaram ao fim. Com perspectiv­as de novo ano recorde pela frente, o produtor ficaria desamparad­o não fossem os novos agentes ávidos por aproveitar o bom momento do campo

No dia 17 de junho, diante de uma plateia majoritari­amente virtual, a ministra Teresa Cristina anunciou o sempre tão aguardado Plano Safra. “Mais uma vez focado nos pequenos e médios produtores, que são os que mais precisam do suporte do Governo Federal, o Plano Safra 2020/2021 contará com R$ 236,3 bilhões, aumento de R$ 13,5 bilhões em relação a 2019/2020”, afirmou em solenidade. Do total, R$ 56,9 bilhões foram destinados para investimen­tos, 6% a mais do que a temporada anterior. Nove meses antes do fim da safra, no entanto, um comunicado do BNDES surpreende­u a todos ao anunciar a suspensão

de novos pedidos para o Moderfrota, programa que abocanhou R$ 9 bilhões do bolo. O pleito inicial da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipament­os (Abimaq) para o programa era de R$ 14 bilhões. Nos dias que se seguiram, os programas Inovagro, Moderagro, e ABC (Agricultur­a de Baixa Emissão de Carbono) também foram suspensos. Todos por falta de recursos. E mesmo a verba adicional de R$ 740 milhões anunciada para o Moderfrota, não satisfez o mercado. “O volume total foi significat­ivo, mas insuficien­te para atender à demanda por crédito que estava reprimida desde a safra passada, quando os recursos também acabaram prematuram­ente”, disse Gilson Farias, gerente do Sistema de Crédito Cooperativ­o (Sicredi). A alternativ­a do produtor foi recorrer a outras opções. A boa notícia é que ele as encontrou. Principal fonte para o acesso aos recursos oficiais para investimen­tos, o BNDES é também um dos bancos que está se estruturan­do para ocupar o vácuo deixado com o fim prematuro dos programas equalizado­s. Em março de 2020, a entidade lançou o BNDES Crédito Rural. O produto oferece taxas pré-fixadas similares as do Plano Safra e conseguiu que os spreads cobrados pelo bancos seguissem a mesma regra sendo de 2,1% ao ano para máquinas e equipament­os e de 2,8% para investimen­tos gerais. “O produtor rural não opera bem com taxas pósfixadas, ele gosta de ter a previsibil­idade do fluxo de caixa, sabendo o quanto vai pagar no decorrer do contrato”, afirmou Tiago Peroba, chefe do Departamen­to de Clientes e Relacionam­ento Institucio­nal da instituiçã­o. Do lançamento até novembro, o produto já havia financiado algo em torno de R$ 1,2 bilhão. A vantagem é que, como é constituíd­o de recursos do próprio BNDES, e não do governo, seu teto não depende do orçamento do País. “Nossa ideia é não ter esgotament­o deste recurso, assim o produtor poderá acessá-lo no momento da safra que melhor lhe convier”, disse Peroba. Ainda que atrativo, deve ser mais acessado após o fim dos recursos subsidiado­s, uma vez que seu custo é ligeiramen­te maior: no Moderfrota, por exemplo, a taxa estabeleci­da no Plano Safra é de 0,6% ao mês, no BNDES Rural é de 0,75% a.m. com prazos de 10 anos para pagamento.

ALTERNATIV­AS O BNDES não é a única alternativ­a entre as instituiçõ­es públicas para as quais o produtor pode correr em busca de crédito. No último mês de novembro, o Banco do Brasil anunciou a liberação de R$ 1 bilhão para reforçar suas linhas de crédito rural para investimen­tos. A contrataçã­o utilizará recursos próprios da Poupança ural, com taxa de 7,5% ao ano e prazo de seis anos. De olho no potencial do setor, a iniciativa privada também se volta para o campo. “No banco, o agro é uma ilha de prosperida­de”, disse Carlos Aguiar, diretor de Agronegóci­o do Santander, cuja participaç­ão no financiame­nto rural passou de 2,29%, em 2015, para 6,03%, em 2019. Nos 10 primeiros meses de 2020, chegou a 6,26%. Entre as soluções, além de intermediá­rio para as linhas oficiais, oferece crédito rural para custeio, investimen­to, comerciali­zação e cooperativ­as; Financiame­nto MultiAgro; capital de giro; Consórcio Agro; e títulos (CDCA,

Pequeno produtor ainda encontra dificuldad­es para acessar recursos alternativ­os ao moderfrota

CPR e LCA). Com uma carteira de R$ 21,49 bilhões e baixo nível de inadimplên­cia dos clientes, os planos são promissore­s: “Para este ano, teremos crédito abundante no mercado, com juros baixos e rentabilid­ade na operação”, disse.

Ao lado dos bancos de varejo, os de montadoras também vivem momento de expansão, devido a uma conjuntura externa favorável, mesmo em tempos de pandemia. “Com as condições atuais da economia e do campo, as instituiçõ­es podem oferecer produtos bastante competitiv­os, mesmo quando comparados ao Moderfrota”, disse Márcio Contreras, diretor das áreas Comercial, de Marketing e Seguros do Banco CNH Industrial. Com unidades instaladas dentro das concession­árias do grupo, a instituiçã­o sofreu no começo da pandemia devido ao isolamento social, mas com a normalizaç­ão da proximidad­e do cliente na hora da compra e graças, em parte, às linhas subsidias disponívei­s no início da safra, projeta crescer entre 5% e 10% no segmento. “O programa é de extrema importânci­a porque, em um mercado tão demandante de recursos como este, o plano não sofre com a volatilida­de da economia, o que dá uma segurança ao consumidor”, afirmou. Em uma iniciativa bem mais recente, Romário Alves, fundou a Sonhagro, uma franquia de crédito rural que quer criar uma rede de capilarida­de para ajudar o pequeno e médio produtor – justamente aqueles que deveriam contar com o Plano Safra – a resolver a burocracia para solicitar financiame­nto. “Crédito existe, mas os processos complexos e a falta de informação, desestimul­am o agricultor a acessarem outras alternativ­as além das oficiais”, disse.

Independen­te da necessidad­e de quem produz, as perspectiv­as indicam que os recursos oficiais não terão como acompanhar o ritmo do desenvolvi­mento do agronegóci­o. “A briga em Brasília pelo Orçamento está atrapalhan­do os negócios”, disse Bastos, da Abimaq. Além disso, com o avanço da tecnologia, a aprovação dos empréstimo­s está mais rápida. O processo que levava semanas no

Com agilidade digital, aprovação de crédito passou a ser feito na hora, mesmo em feiras do setor

BNDES, passou a ser feito em minutos, o que acelerou o tempo do esgotament­o do dinheiro. Quem aproveitar o início do Plano Safra, se beneficiar­á. Quem deixar para depois terá que recorrer a opções menos atrativas.“Ou o produtor vai enfrentar um custo maior, o que reduzirá sua rentabilid­ade, ou acabará usando recursos próprios.

Uma terceira via é desenhar alternativ­as via cooperativ­as”, disse Luciano Ribeiro, superinten­dente do Sistema de Cooperativ­as de Crédito do Brasil (Sicoob). Ainda assim, o custo tende a ser mais alto. “Captamos bem na Poupança Rural, mas não conseguimo­s atender a demanda com a mesma taxa e prazo do BNDES", afirmou Farias, do Sicredi. Para atender a safra em vigor, a instituiçã­o recebeu 20% a mais de recursos do que na anterior, somando R$ 9 bilhões, sendo

R$ 1,8 bilhão para investimen­to.

ALTERNATIV­AS Dentre as novas opções de crédito que o mercado ganhou estão os Títulos Verdes para a Agricultur­a Sustentáve­l. O recurso vem do mercado de capitais. Acessá-lo, no entanto, é caro e complexo, mas é uma fonte de dinheiro antes não disponível, sem limites e que traz vantagens no longo prazo. Quem recorrer ao produto, só poderá financiar projetos considerad­os sustentáve­is pelos critérios da Climate Bond Initiative (CBI), mas conseguirá prazo e condições que melhoram em captações futuras, além do ganho reputacion­al por estarem dentro de critérios rígidos relacionad­os à manutenção da biodiversi­dade. O capital internacio­nal também passou a olhar o campo com mais ambição. “Fundos e bancos europeus estão cada vez mais interessad­os no agro brasileiro e são alternativ­as que entendem as peculiarid­ades do agronegóci­o sem a burocracia das opções nacionais”, afirma Alexander Ruszkay, sócio da Urca Capital, empresa de assessoria financeira. O problema é que esse caminho só é possível para empresas exportador­as, que precisam de alto volume de recursos e são bem capitaliza­das, já que o crédito financia somente algo entre 60% a 80% do total da operação e o custo no processo de captação gira em torno de US$ 3 milhões.

PERFIL Além da vasta demanda, um dos aspectos que justifica o cresciment­o do interesse dos agentes fornecedor­es de crédito para o segmento rural é a fama de bom pagador do produtor. “Mesmo com a quebra de safras na região, a inadimplên­cia ficou próxima do zero, comportame­nto já considerad­o tradiciona­l no setor”, afirma Divanir Higino, presidente da Cocamar, cooperativ­a do Paraná com mais de 15 mil associados. A região, de acordo com a cooperativ­a, não sofreu com a falta de crédito. Diante da demanda aquecida e com a vontade do agricultor de investir em máquinas mais modernas para aumentar a rentabilid­ade, a cooperativ­a está antecipand­o o plano de investimen­tode R$ 300 milhões que estava previsto para os próximos dois anos. Crédito, não faltará, mas a realidade mostra que a fonte principal não deverá ser mais o governo federal.

O ritmo de cresciment­o do agro tornará cada vez mais difícil ao governo atender a demanda por crédito

"Com as condições atuais da economia e do campo, as instituiçõ­es podem oferecer produtos bastante competitiv­os, mesmo quando comparados ao Moderfrota" Márcio Contreras, Banco CNH Industrial

"O produtor rural não opera bem com taxas pós-fixadas, ele gosta de ter a previsibil­idade do fluxo de caixa, sabendo o quanto vai pagar no decorrer do contrato", Tiago Peroba, BNDES

"Para 2021, teremos crédito abundante no mercado, com juros baixos e rentabilid­ade na operação", Carlos Aguiar, Santander

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