ECONOMIA COMPARTILHADA
ovos momentos exigem novas atitudes, novos insights e perspectivas sobre o trabalho e a própria vida, enfim. O mercado precisa enxergar que o consumidor tem interesses diferentes dos de dez anos atrás. E a oferta de produtos e serviços deve se adequar a novos canais de interação com esses clientes – e também às novas formas como os melhores profissionais desejam expor os resultados da sua criatividade.
Foi pensando nas oportunidades de sinergia com o mercado e essa busca das empresas e consumidores por uma oferta diferenciada de conteúdos que Adriana Scartaris – designer e artista plástica com 35 anos de carreira – associou-se ao designer português com 25 anos de carreira Paulo André, agente de importantes marcas europeias, que conheceu no Salão do Móvel de Milão, para um projeto revolucionário em vários sentidos. Juntos, criaram o Coletivo 284, um espaço impressionante em Lisboa, no bairro das Amoreiras, onde começam a desenvolver uma série de iniciativas inovadoras, promovendo a economia criativa e compartilhada.
Com uma conexão entre Brasil e Portugal, o Coletivo 284 nasce com projetos inovadores em torno de economia criativa e feita em conjunto, unindo arquitetura, design, arte e o mundo dos negócios numa
A ideia é apresentar produtos e catálogos de parceiros no mesmo local em que obras de arte são expostas. De olho num público formado por jovens profissionais de arquitetura e design, estudantes e interessados nesses setores, o Coletivo 284 ainda será local de eventos de portes variados, workshops, treinamentos, palestras, exposições, encontros de network e até vai abrigar reuniões de seus clientes.
Todos esses eventos tendem a estar ligados à arquitetura, ao design, ao design de interiores, moda, arte, marketing e publicidade. Mas a proposta pode se abrir a outros campos, desde que passem pelos princípios do trabalho coletivo e da economia compartilhada, que estão na essência dessa realização.
“Poderíamos ter criado um coworking ou mais um showroom. Mas queremos fomentar o mercado, deixar um legado especial, fazer realmente a diferença”, explica Adriana. O nome do projeto vem do interesse em fazer um trabalho “coletivo”, e o número tem uma explicação que remete à própria fundação do empreendimento. O número começa com “2” porque a iniciativa envolve dois países,
Brasil e Portugal; o “8” é uma referência ao número de criativos, de especialidades diferentes, envolvidos na criação do projeto; “4” vem do número de empresas que farão parte do conselho curador desse trabalho.
Um preview das atividades do Coletivo 284 foi a primeira exposição individual do fotógrafo brasileiro Gabriel
Wickbold, em 17 de abril. Trata-se de um artista que utiliza a fotografia para falar sobre o corpo, a natureza, o envelhecimento, a conectividade e a luz. O tipo de profissional que Adriana e Paulo pretendem promover por meio do seu empreendimento.
Agora, a dupla está prestes a inaugurar um projeto de grande porte, marcando de vez a entrada do Coletivo 284 no mercado. Trata-se da Colourful Experience, uma
“experiência”, como o próprio nome diz, de ressignificação de um espaço, por meio uma imersão em um universo de arte e muitas cores.
O local escolhido não poderia ser mais surpreendente: são instalações de um grande complexo de edifícios, no alto da Colina de Santana, em Lisboa.
Alguns deles de grande valor histórico e um em especial que tem arquitetura vanguardista, e está entre os mais importantes edifícios da virada do século 19 para o 20 em Portugal.
Nesse híbrido de experiência e exposição, o visitante será conduzido pelas cores desde a sua chegada por meio de projeções de luzes e imagens, sons, música e cheiros. Terá inclusive a oportunidade de interagir com o mobiliário e as esculturas. Os edifícios, as árvores e o próprio caminho serão transformados em grandes telas, nas quais os artistas convidados contarão a história da arte, da música e das emoções humanas. Cada cápsula será espaço de uma experiência diferente, com os efeitos de luz, som e cor sobre obras de arte expostas.
Para saber mais de iniciativas instigantes como essas, a reportagem de Empresário Digital entrevistou os dois sócios fundadores do Coletivo 284: Adriana falava aqui no Brasil, enquanto Paulo trazia suas percepções lá do outro lado do Atlântico.
EMPRESÁRIO DIGITAL: Por que vocês decidiram trabalhar juntos e fundar o Coletivo 284?
ADRIANA SCARTARIS: Nós nos conhecemos três anos atrás. O Paulo é designer, eu também. Então eu comecei
a usar alguns produtos dele em projetos meus. E, juntos, começamos a perceber uma pressa no mercado de receber algo diferenciado. Paralelamente, percebemos uma vontade de ambos de mudar esse mercado, de interferir, de uma maneira positiva, num setor que é promissor e, de certa forma, carente. Há muitas possibilidades envolvidas, mas poucas pessoas com esse perfil de mudança atuando.
Identificamos essa brecha.
EMPRESÁRIO DIGITAL: Quando você se refere ao mercado, está falando de arquitetura, de design, de arte...?
ADRIANA: Do mercado criativo. Ao mesmo tempo que ele oferece muitas possibilidades, tem muito espaço ainda. A economia do futuro não pode acontecer se ela não for criativa, colaborativa, participativa e compartilhada.
A nossa ideia é focar no futuro mesmo, com base nessa economia criativa.
PAULO ANDRE: Em todos os meus negócios, eu não consigo trabalhar sem compartilhar com outras pessoas.
Uma frase na qual eu acredito é “Se quer ir rápido vá sozinho; se quer ir longe vá em grupo” e eu quero ir longe, não quero ir rápido. Por isso, quero juntar pessoas para fazer uma coisa legal nesse mercado, que ainda é muito cru, muito imaturo. Principalmente no mercado europeu, somos muito jovens e não arriscamos. Vocês aí no Brasil arriscam muito mais. São mais criativos.
EMPRESÁRIO DIGITAL: Como vocês acham que o trabalho de vocês se complementa?
ADRIANA: Eu demorei um pouco para entender a posição dele. O português fala um pouco diferente, e acaba demorando para você compreender como ele expressa cada emoção. O Paulo veio para cá numa edição da Casa Cor, e uma coisa que chamou
muito a atenção dele foi o nosso estilo de acolher o cliente. O brasileiro tem um atendimento extremamente cordial, extremamente próximo, porém não invasivo. Tem um nível de acolhimento que não se vê lá na Europa, e ele ficou impressionado com isso.
Porque o português é um pouco mais retraído, evita contato físico. Então ele disse: “se a gente usar em
Portugal o atendimento que vocês têm aqui, com o mercado que Portugal tem, a gente consegue fazer coisas incríveis”.
PAULO ANDRE: Está certa esta vossa ideia de que nós europeus somos muito frios, muito diretos. “Este é o preço. Quer, quer. Não quer, não quer”. E com vocês também não é fácil. Às vezes a pessoa quer ser prática, quer ser pragmática, e vocês enrolam, contam uma história... Eu ouvi umas vezes no varejo brasileiro que as pessoas querem primeiro criar a relação e depois a venda, e aqui em Portugal é completamente o contrário.
Aqui é produto, produto, produto, e depois a gente tenta uma relação – que no fim nem acontece. É por isso que eu acho que devemos fazer algo diferente com o Coletivo 284, temos que ser um exemplo a seguir.
Usar a boa gente que tem no Brasil, os bons exemplos, e trazer para cá.
ADRIANA: Nós fizemos reuniões com vários empresários e sentimos uma simpatia muito grande quando começávamos a falar de estreitar essa relação, de aproximar criativos de empresas, criar produtos juntos, fazer ações em conjunto, e todos ficaram encantados com a ideia.
O coletivo é isso, uma junção, mas com curadoria, com pessoas que têm o mesmo propósito que nós, que não é apenas vender produto.
PAULO ANDRE: Tivemos de explicar muito o nosso conceito, que não é só venda.
ADRIANA: A grande maioria foi incrível. Um ou outro não, e esse foi o nosso filtro. Se o empresário não está preparado para a economia criativa, para a economia colaborativa, ele já ficou para trás.
EMPRESÁRIO DIGITAL: Eu queria que vocês falassem um pouco sobre o projeto Colourful Experience.
Como surgiu, como está sendo...
PAULO ANDRE: Começou com uma visita ao espaço, depois eu comecei a pensar em cores, fiz um boneco que enviei para a Adriana e ela fez o resto. Eu logo pensei nas cores, na experiência sensorial. Acho que o importante dos projetos é a experiência. Não forçar a venda do produto, mas criar uma experiência. Nós adaptamos o espaço e fizemos a coisa acontecer, e eu acho que vai ser uma experiência fantástica.
ADRIANA: A área tem 45 mil metros, com 25 mil construídos. É muito grande. Dentro do complexo existe um prédio modernista que me chamou muito a atenção, avançado para a época em que foi construído. O prédio tem um capítulo triste. Por causa disso, ele foi considerado um prédio maldito, o que é injusto com o valor histórico que ele tem, seu valor arquitetônico. Aí veio o desafio: “como eu vou ressignificar esse espaço?”.
Porque a arte tem esse poder.
EMPRESÁRIO DIGITAL: Como as ideias foram surgindo?
ADRIANA: A gente tinha acabado de visitar a fábrica da Viarco, que tem 112 anos. Eles produzem os lápis manualmente, é uma das fábricas mais respeitadas do mundo, e nós mandamos fazer nossos lápis promocionais lá porque fazíamos questão da marca, uma marca portuguesa. O Paulo se encantou e voltou para casa com uma caixa de lápis maravilhosa, com muitas cores... aí tínhamos a planta do espaço, que nos foi oferecido para que pensássemos em algum evento, e recebemos uma proposta desafiadora, para que fôssemos uma agência de captação de grandes eventos em Portugal, o que nós nem esperávamos. Gostamos muito do desafio e ficamos apaixonados pelo lado histórico do prédio e pelas possibilidades que ele dá.
PAULO ANDRE: Eu só colori o circo. A Adriana montou tudo, contou a história.
ADRIANA: Este é um evento do Coletivo que vai ser fora da área do Coletivo. A gente tem um espaço de 550 metros em uma região muito privilegiada, mas também acesso a espaços de milhares e milhares de metros para grandes eventos. Então o Coletivo 284 mesmo vira base para eventos um pouco menores, com relação direta com as marcas, mas também podemos sair para eventos grandes.
EMPRESÁRIO DIGITAL: A ideia também é ter sempre um pouquinho de Brasil e Portugal?
PAULO ANDRE: Sim, tem essa conexão mesmo.
Mesmo antes de inaugurar, nós já reafirmamos que a proposta é a conexão de bons profissionais. Não é o projeto, não é o viés financeiro, não é a competência técnica individual. É o propósito. Juntamos pessoas com o mesmo propósito. Que é fazer acontecer.
EMPRESÁRIO DIGITAL: O que vocês diriam para empresas que vocês pretendem atrair quanto a proposta de valor?
ADRIANA: Este período deixou claro qual é a nossa capacidade. É realmente juntar pessoas que fazem acontecer, que resolvem. Então a empresa pode chegar para nós já com o produto pensado, com toda uma qualidade técnica, com todo um viés, que nós sempre poderemos agregar coisas muito importantes. Atrair outras empresas, fazer conexões com outros criativos, com outro mercado, com a participação em algum evento. O nosso propósito está realmente no que significa a palavra coletivo.
PAULO ANDRE: Nós colocamos as pessoas em contato, quanto mais gente compartilhar, melhor. Eu digo que é muito melhor trabalhar no Coletivo, porque, quando as empresas entram, já ganharam, agregaram contatos, alguma parceria...
EMPRESÁRIO DIGITAL: A expectativa de vocês é de trabalhar sempre nessa linha, juntando arte, tecnologia, experiência?
PAULO ANDRE: Eu acredito que, a médio prazo, nós vamos conseguir inserir nesses eventos uma parte maior de negócios. A gente já está fazendo um estudo muito grande para entender o mercado português e entender os indicadores econômicos de quais áreas são mais fortes.
Por exemplo, a área de alimentos é um setor forte, então possivelmente nós vamos criar eventos dentro desse segmento. Os eventos iniciais são mesmo de arte, design, tecnologia. Mas nós vamos fazer a diferença no mercado.
EMPRESÁRIO DIGITAL: Para você, especificamente, Adriana, como está sendo esse desafio, essa proposta de empreender num outro país, num outro continente?
ADRIANA: Na verdade, o Oceano Atlântico ficou pequeno. Não percebo mais essa distância. Há muitos anos, de 10 a 15 anos, que eu falo de economia colaborativa, de economia criativa, e em São Paulo parece que eu estou pregando no deserto. Cheguei a pensar que eu era só uma sonhadora, que isso não era possível.
Mas eu sempre tive certeza de que esse era o caminho do futuro, mesmo quando ninguém falava disso. Talvez o brasileiro ainda não esteja totalmente preparado.
Quando eu comecei a falar de montar um negócio com o Paulo, eu perguntei “o que é propósito para você?”.
Porque eu sempre falo muito isso, que o que une como sócio, amigo, parente ou qualquer pessoa em torno de um projeto é o propósito. Se não tem o mesmo propósito, não adianta ter o dinheiro, não adianta ter a boa ideia. Aí nós chegamos a uma conclusão, que o que nos movia era construir um grande legado, era impactar positivamente o maior número possível de pessoas. Aí ficou fácil. Porque na hora que você sabe o que você quer, você já enxerga onde você quer estar, como você quer estar e com quem você quer estar. E aí o tamanho da distância não interfere.