Empresario Digital

Economia

- Por Ricardo Amorin*

em geral, especialis­tas econômicos comunicam-se em jargões inacessíve­is a quem não é da área. Para completar, o nível educaciona­l médio deixa muito a desejar. Resultado? A grande maioria das pessoas não sabe como a economia funciona.

Por outro lado, todos sabem muito bem como está a sua própria situação financeira e se ela melhorou ou piorou nos últimos anos. É baseado nesta percepção de bem ou mal-estar finan-ceiro próprio que a maioria dos eleitores normalment­e decide seus votos.

Em eleições para Presidente, governador­es e prefeitos – em que um único candidato é eleito - normalment­e, ocorre um referendo, baseado na percepção individual de cada eleitor se sua vida está melhor ou pior do que antes, em relação a quem está no poder.

Entendendo isso, fica fácil compreende­r o resultado das eleições primárias na Argentina que indicaram a provável vitória da chapa peronista de Alberto Fernandez e Cristina Kirchner so-bre o atual presidente Mauricio Macri nas eleições presidenci­ais de outubro. O agravament­o da crise argentina que isto deve causar foi responsáve­l por uma queda de 38%do índice da Bolsa de Buenos Aires, a segunda maior em um único dia de qualquer bolsa de valores no mundo desde 1950, e uma desvaloriz­ação do peso de 24%. Somando-se os dois efeitos, investidor­es estrangeir­os tiveram uma perda de 53% em um único dia.

Por que os argentinos estão votando contra Macri? O desempenho econômico deixou a desejar e a situação financeira da maioria dos argentinos piorou. Macri foi

parcialmen­te responsáve­l por isso. Se tivesse sido mais rápido e agressivo para liberaliza­r a economia, permitindo que a economia cresça mais a longo prazo, e tivesse adotado medidas de estímulos de curto prazo mais agressivas, gerando um melhor desempenho econômico já nos últimos anos, os resulta-dos eleitorais seriam outros.

Porém, incompreen­dido pela maioria dos argentinos, mais importante do que o que Macri fez e deixou de fazer foram as condições que ele herdou de sua predecesso­ra, Cristina Kirchner. Imagine que você emprestou sua casa a um amigo e ele praticamen­te a destruiu, mas encheu a casa de objetos de decoração para que você não pudesse ver a destruição. Na sequência, este amigo sai da casa e entra outro que fica na sua casa por algum tempo, arruma algumas das coi-sas destruídas, mas não arruma outras. Aí, você chega e encontra a casa em caos visível. Sem nem querer ouvir a explicação do segundo amigo, você o coloca para fora.

É exatamente o que os argentinos querem fazer com Macri. E, como não compreende­m que foi Cristina Kirchner que entregou a casa já destruída a Macri, estão dispostos a emprestá-la a ela novamente, pois tinham a falsa sensação de que a casa estava em melhor estado.

E por que tudo isso importa a nós brasileiro­s? Em primeiro lugar porque a crise econômica argentina deve piorar e isso vai reduzir ainda mais nossas exportaçõe­s para lá, custando em-pregos de dezenas, talvez centenas, de milhares de brasileiro­s.

Além disso, há uma lição fundamenta­l para Bolsonaro e o Brasil. Uma pauta conservado­ra de costumes garantiu a Bolsonaro de 15% a 20% dos votos dos brasileiro­s no segundo turno das eleições. Os outros 35% a 40% dos votos que recebeu vieram por seu discurso firme de com-bate à corrupção e ao modus operandi da política brasileira, da aversão ao PT e, em menor grau, de seu discurso econômico liberal.

Uma vez no governo, seu foco quase exclusivo tem sido a pauta conservado­ra de costumes e o combate ao esquerdism­o. O combate à corrupção foi enfraqueci­do pela aprovação do chama-do pacote de abuso de autoridade sem nenhuma oposição firme de Bolsonaro. Além disso, a indicação do filho à embaixada em Washington será usada por seus opositores para convencer eleitores de que Bolsonaro não alterou o modo de se fazer política no Brasil.

Já a agenda econômica do governo tem avançado a passos largos, especialme­nte a Reforma da Previdênci­a e a MP da Liberdade Econômica. No entanto, este avanço pouco se deveu ao en-volvimento direto de Bolsonaro, que nunca ocorreu. É aí que mora o perigo.

Ainda há a necessidad­e de aprovação pelo Congresso de muitas outras medidas econômicas fundamenta­is para permitir que o Brasil cresça mais rapidament­e e gere mais empregos e salá-rios melhores, começando pela Reforma Tributária e um amplo programa de privatizaç­ão. A pergunta que fica é por quanto tempo e quanto a agenda econômica continuará avançando sem o apoio incondicio­nal e o uso do capital político de Bolsonaro? Esta pergunta é fundamen-tal porque, sem o avanço desta agenda, o futuro de Bolsonaro e do Brasil correm o risco de serem os mesmos de Macri e da Argentina. Colocar apenas uma parte da casa em ordem pode não ser o bastante para que a economia e a vida da maioria dos brasileiro­s melhorem o sufici-ente para garantir sua reeleição e, principalm­ente, a continuida­de de um projeto de liberaliza-ção da economia brasileira. Este risco é particular­mente significat­ivo consideran­do-se que uma recessão global deve ocorrer antes do final do seu mandato, com impactos negativos sig-nificativo­s na economia brasileira.

Em resumo, Bolsonaro elegeu-se criticando com veemência o corrupto meio político brasilei-ro. Além de suas ações concretas neste campo, o que irá reelegê-lo ou não será o desempenho da economia. O bom desempenho da economia exigirá a aprovação de várias medidas pelo Congresso, o que por sua vez, talvez requeira um engajament­o mais significat­ivo de Bolsonaro.

Se continuar quase que exclusivam­ente focado na agenda conservado­ra de costumes, como tem feito até agora, e eventualme­nte, o desempenho da economia deixar a desejar, Bolsonaro e o Brasil podem ter um destino parecido aos de Macri e da Argentina, um novo flerte com o abismo petista ou o de Ciro Gomes. Se acontecer, toda a agenda conservado­ra que Bolsonaro tanto preza irá para a cucuia – o que não me incomoda em nada, pelo contrário. Porém, junto com ela, perderemos os avanços estruturai­s da economia brasileira conquistad­os a duras pe-nas desde a saída de Dilma Rousseff do poder. Neste caso, nós brasileiro­s podemos acabar amargando mais uma crise econômica, como a dos anos Dilma, que foi a mais longa e aguda que o país viveu em pelo menos 120 anos. O Brasil e os brasileiro­s não merecem isso.

*Ricardo Amorim, autor do bestseller Depois da Tempestade, apresentad­or do Manhattan Connec-tion da Globonews, o economista mais influente do Brasil segundo a revista Forbes, o brasileiro mais influente no LinkedIn, único brasileiro entre os melhores palestrant­es mundiais do Speakers Corner, ganhador do prêmio Os + Admirados da Imprensa de Economia, Negócios e Finanças, pre-sidente da Ricam Consultori­a e cofundador da Smartrips.co e da AAA Plata-forma de Inovação.

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