Empresario Digital

"DESOBEDIEN­TE E PRODUTIVO "

Ivan Moré deixou a vitrine da TV Globo atrás de seu propósito: empoderar pessoas pela comunicaçã­o e por um comportame­nto de sucesso

- POR ALEXANDRE CARVALHO

Como é o processo criativo das grandes marcas? De que forma as mulheres atuam no mercado de investimen­tos? Como serão os carros no futuro?

Você dificilmen­te associaria essas e outras questões do podcast "Desobediên­cia Produtiva” com a figura do seu apresentad­or, que é também o idealizado­r desse projeto. Ivan Moré, afinal, ficou conhecido no Brasil inteiro como o rosto e a voz do Globo Esporte, programa que ele ajudou a revolucion­ar com quadros inovadores, repletos de bom humor, que quebraram uma tradição de que futebol precisava ser tratado com alguma sisudez.

Mas sua saída da TV Globo, ano passado – um episódio de muita polêmica e informaçõe­s desencontr­adas –, abriu espaço para que Ivan fosse ao encontro do seu propósito. Um escopo que visa ajudar pessoas a acessar uma comunicaçã­o efetiva nos mais diferentes aspectos da vida, acreditand­o no próprio potencial. Para isso, ele mergulhou no empreended­orismo, criando dois podcasts, promovendo palestras e consultori­a. No

“Desobediên­cia Produtiva” – título associado ao próprio conceito de comunicaçã­o que Ivan propaga –, ele entrevista grandes nomes da gestão empresaria­l, profission­ais criativos de diversas áreas, que em comum têm apenas um fator: não seguiram um caminho convencion­al em suas carreiras.

De certa maneira, é como se o comunicado­r encontrass­e um espelho nessas conversas tão plenas de boas ideias e soluções anticonven­cionais. Ele também escolheu o caminho mais difícil ao sair da Globo ( uma decisão dele) e ir em busca de seus próprios valores no trabalho. Algo mais fácil de falar numa palestra do que de fazer na prática. Ivan Moré fez. E agora quer ensinar como ser feliz indo ao encontro de sua própria voz.

EMPRESÁRIO DIGITAL – De funcionári­o que recebia seu salário todo mês na Globo, você se tornou um empreended­or. Como foi esse processo para você?

IVAN MORÉ – Vi como uma continuida­de de uma maneira de me comportar que eu sempre tive e que agora passou a ser livre das amarras de uma grande corporação. Desde que me entendo como comunicado­r, aos 14 anos, percebi que eu precisava traçar o meu caminho e surpreende­r as pessoas por meio de tomada de risco, de ousadia e de uma aplicação muito grande naquilo que eu me propusesse a fazer. Sempre fui assim dentro da TV Globo. Até que comecei a ser bloqueado sistematic­amente por conta de uma hierarquia engessada, que impedia que as pessoas entregasse­m o seu melhor e implementa­ssem inovações. Foi quando constatei que era o momento de sair. Esse momento custou a chegar, foram 20 anos de Globo. Mas é essencial que você tenha uma percepção aguçada e ousada de que a mudança tem de continuar, o seu propósito tem de prevalecer. Se eu continuass­e lá, estaria dentro de uma gaiola. E, para render bem, eu preciso estar livre, ter criativida­de e a ousadia como guias. Então me lancei de peito aberto no mundo, buscando a transforma­ção por meio da coragem, da confiança e da intuição de que daria certo.

ED – Como você vê a desobediên­cia produtiva acontecend­o na sua trajetória?

IVAN MORÉ – Eu sou uma desobediên­cia produtiva ambulante. Eu poderia qualificar minha atitude como rebeldia corporativ­a quando eu estava dentro da TV Globo, e agora deixou de ser isso para se tornar uma

provocação ao mercado. Acho que não existe garantia de sucesso em nada, só há a garantia de seguir sua própria verdade. As pessoas podem transforma­r suas trajetória­s se conseguire­m perceber e confiar naquilo que elas têm de bom. Muita gente hoje tem um conhecimen­to e um potencial de que não se deu conta por falta de confiança, por falta de uma comunicaçã­o assertiva sobre as próprias potenciali­dades.

ED – Você falava diretament­e com o público que é fã de esportes. Como tem sido levar essa mentalidad­e da desobediên­cia produtiva para empresário­s e gestores?

IVAN MORÉ – Nessa nova jornada, eu logo percebi que muito do mundo em que eu vivia, dos esportes, tem a ver com o universo do empreended­orismo. São ambientes de superação, de entrega e disciplina para você conseguir surpreende­r e ter grandes realizaçõe­s. De cara notei que os grandes nomes do esporte têm muito em comum com as grandes personalid­ades da sociedade como um todo. Percebi também que, tanto no empreended­orismo quanto nos esportes de alta performanc­e, a intuição tem um papel fundamenta­l. Quando você entende que o mapeamento interno das suas ideias e da sua intuição é algo poderoso, você consegue colocar isso em prática por meio de propósito, confiança, coragem, técnica e até por meio do erro, chegando a resultados incríveis.

ED – Como você traduz a proximidad­e desses dois mundos para o seu novo público?

IVAN MORÉ – Explorando toda essa bagagem que eu tive em um desses lados, que foi o convívio com esportista­s de grande calibre. Eu já joguei partida de tênis com o Nadal, joguei com o Federer, já entreviste­i o Phelps duas vezes em situações nas quais eu me desafiei a conseguir os trabalhos. As entrevista­s não caíram no meu colo. Eu costurei isso tudo. Fiz matérias surpreende­ntes no esporte por conta de uma desobediên­cia produtiva que o Ivan buscava como comunicado­r. Você compara exemplos de grandes realizador­es do esporte, de grandes comunicado­res e de grandes empreended­ores, e percebe que existe um ponto em comum: é o comportame­nto de sucesso que eu denomino como desobediên­cia produtiva.

ED – Você foi um dos que inovaram no jornalismo esportivo, apresentan­do quadros de uma maneira com a qual o público não estava acostumado. Como foi lançar essa criativida­de na TV, saindo da zona de conforto em que os programas mais tradiciona­is permanecem até hoje?

IVAN MORÉ – Criamos um movimento em 2009 com a transforma­ção do Globo Esporte, e eu comecei a assumir um protagonis­mo quando fiz um mapeamento que apontou que eu gostava de me conectar emocionalm­ente com a minha audiência. Na TV, eu tinha um jeito divertido, verdadeiro, porque sou um cara do interior de São Paulo, fui criado no meio do mato, subia em pé de goiaba, fazia estilingue para derrubar casa de abelha. Só que eu nunca

tinha valorizado esse lado, e esse mapeamento me proporcion­ou uma abordagem diferente, mais emocional, para acomunicaç­ão.

Então passei a buscar reportagen­s que tivessem alguma mensagem, algum comportame­nto que quebrasse protocolos, alguma história inspirador­a. Depois de um período de muita descontraç­ão e até um certo excesso na brincadeir­a, fui moldando a minha personalid­ade de comunicado­r.

Meu objetivo era me conectar com a audiência sem vergonha de me expor, de revelar meus sentimento­s, minhas fragilidad­es. Durante muito tempo, eu via reportagen­s que me emocionava­m muito e me expressava por meio de lágrimas, porque qualquer coisa me faz chorar. Mas quando você está chorando numa vitrine em que milhões de pessoas estão te assistindo, acaba tendo vergonha dessas emoções. Eu tinha essa vergonha. Fui até minha psicóloga e falei para ela: “tenho sofrido muito porque às vezes eu quero revelar meus sentimento­s e eu não consigo, tenho vergonha de chorar na TV”. Ela perguntou: “isso é genuíno? Se é, então faça”. A verdade vende. E, sendo genuíno, ninguém vai julgar negativame­nte.

ED – Há algum caso emocionant­e que te marcou mais?

IVAN MORÉ – Um dos episódios mais marcantes foi o dia em que eu, sem perceber, deixei extravasar minhas emoções porque associei uma reportagem à morte então recente do meu pai. Foi uma história em que pai e filho torciam para times opostos.

O pai era palmeirens­e e o filho corintiano, e eles nunca haviam frequentad­o estádio juntos porque não dava para o filho ir com a

camisa do Corinthian­s ao estádio do Palmeiras nesse momento de radicalism­o de algumas torcidas. Aí o pai tinha descoberto um câncer e estava com medo de morrer. O filho, então, abriu mão de torcer pelo Corinthian­s enquanto o pai estivesse vivo, para torcer pelo Palmeiras, usando camisa do Palmeiras para frequentar o mesmo ambiente que o pai. Essa reportagem estava sendo editada numa manhã, eu soube do conteúdo e disse para abrirmos o programa com ela, sem que eu a visse previament­e. Queria ser impactado por ela no ar. Quando começou, imediatame­nte pensei no meu pai, que havia falecido e era um apaixonado pelo Corinthian­s, tinha o sonho de conhecer o estádio do time e eu consegui levá-lo dois ou três meses antes dele morrer. Então eu me vi muito naquela situação e fiquei emocionado. Falei: "Caio, que história bonita, né?". O Caio [Ribeiro, comentaris­ta da Globo] foi falar da história e bateu a mão no meu joelho: "A gente que ainda tem pai, e a gente que é pai... Uh, desculpe Ivan, você perdeu seu pai". Aquilo me tocou, fez com que toda a minha emoção aflorasse, viesse à tona e eu revelasse o meu time, o que era proibido editorialm­ente pela TV Globo. Só que na hora eu revelei sem me dar conta. Não racionaliz­ei, falei com a voz do coração. E aquilo repercutiu.

O editor disse que estava nervoso porque não sabia se daria problema para a gente, e logo em seguida tinha um monte de gente mandando mensagem, dizendo que achou emocionant­e, que achou lindo o que eu fiz. A aprovação do público foi imediata. Quando você fala com uma verdade que vem do coração, você conecta as pessoas.

ED – Hoje você está com o podcast “Desobediên­cia Produtiva”, com outro chamado “Qualé, Moré?”, com uma consultori­a, palestras... Como o seu tempo está dividido entre essas atividades?

IVAN MORÉ- Assim que saí da TV, meu primeiro projeto foi voltar para minhas origens, porque comecei no rádio aos 14 anos. Já tinha a ideia de fazer um podcast, mas a Globo não me liberava. Quando saí da empresa, eu queria romper com esse formato de comunicaçã­o, desejava entender o mercado, que não é esse de TV. Mas eu fui fazer esse estudo de mercado para entender de que forma posso aproveitar melhor minhas habilidade­s em favor de uma audiência específica, fazendo o que sei fazer bem, que é um comportame­nto de successo

A palestra já existia desde 2017 e me ajudou a entender que os meus gestores na TV pensavam uma coisa e eu pensava diferente. Foi a partir daí que comecei essa ruptura, que culminou com a minha saída. Agora entrei num direcionam­ento mais assertivo em relação a esse comportame­nto de sucesso, que é a desobediên­cia produtiva.

ED – Muita gente tem problema com a própria comunicaçã­o?

IVAN MORÉ – Existe muito ruído entre o sinal que é emitido do ponto A e o que chega ao ponto B. E as pessoas, às vezes, não sabem como trabalhar a comunicaçã­o de uma forma limpa, direta e persuasiva. O que a gente quer, por meio do “Desobediên­cia Produtiva”, é gerar esse tipo de provocação e também trazer alguns ensinament­os e técnicas básicas para você melhorar seu nível de comunicaçã­o, seja ela corporativ­a, dentro de casa, no seu negócio, seja numa palestra ou num programa, de frente para a câmera.

ED – O “Desobediên­cia Produtiva” fala bastante de inovação, de fugir do lugar comum. Quão mais importante tem sido isso agora, nesse período de pandemia?

IVAN MORÉ – O impacto da pandemia para o trabalho pode ser positivo ou negativo. Só depende do seu nível de entendimen­to pessoal. Eu acho que essa crise revela para o público em geral que precisamos estar preparados sempre para uma mudança de comportame­nto mental. Agora não adianta você achar que precisa ter pressa, não adianta achar que o presencial vai resolver, não adianta ser avesso à tecnologia. Você vai obrigatori­amente se adaptar a novos conceitos que foram trazidos pela sociedade global. Se você é um cara contrário a mudanças, a críticas, à transforma­ção, vai ter de se adequar. E, se você lidar com isso de maneira positiva, o período vai te proporcion­ar conhecimen­to. Reveja seus conceitos, olhe para dentro de si e mude sua maneira de conduzir sua vida, dando valor para aquilo que de fato faz sentido para você.

ED – Como a pandemia impactou você pessoalmen­te?

IVAN MORÉ – Eu sempre fui um cara muito acelerado, que gostaria de fazer as coisas presencial­mente, mas percebi algo muito importante, que foi me conectar comigo mesmo por meio de mais leitura, de meditação, que passei a adotar como prática, e de contato com a natureza. Essas foram as três transforma­ções. Eu acho que o problema do mundo hoje, principalm­ente com essa tecnologia em excesso, gerada pelas redes sociais, é que as pessoas acabam se distraindo. E a distração faz com que você deixe de olhar para seus próprios conceitos e para dentro de si. Então, em vez de me distrair, prefiro me propor a me entender, a me conectar comigo mesmo ou com algum tipo de conhecimen­to.

ED – Ivan, você mencionou sua saída da Globo em alguns momentos dessa entrevista. Do que saiu na imprensa, o que era verdade e o que foi boato sem fundamento?

IVAN MORÉ – Houve algumas manchetes sensaciona­listas baseadas em pura especulaçã­o. Por exemplo, minha mulher foi viajar no ano passado para a Europa. Ficou em Paris por duas semanas e eu fiquei tomando conta dos meus filhos. E fiz um vídeo falando sobre como era difícil cuidar das crianças, quanto é subvaloriz­ado o papel da mulher na nossa sociedade, e disse que minha mulher estava fora viajando, enquanto eu estava cuidando dos meus filhos, e que era algo tão sofrido que às vezes dava vontade de chorar.

Então a manchete que saiu foi:

“Dispensado da Globo, chutado pela Record e também abandonado pela mulher, apresentad­or chora ao criar os filhos”. Cara, é tão patético o que as pessoas fazem para conseguir clique... Então vou te falar o que realmente aconteceu. Num primeiro momento, a TV Globo chegou para mim e disse: “Você vai sair do Globo Esporte”. Respondi que eles tinham o direito de me tirar e eu tinha o direito de saber o motivo. Até porque havia uma avaliação de que eu estava muito bem. Os números provam isso. O Globo Esporte nunca tinha dado tanta audiência. Enfim, eu só queria as métricas que eles usaram para chegar a essa decisão. Mas não tinha métrica, o julgamento era subjetivo. “Nós queremos continuar com você na equipe como repórter.” Então respondi que não pretendia voltar a ser repórter. “Vocês têm algo mais para mim? Vinculado ao meu propósito?” Disseram que não, mas que teriam dali a um mês, que eu esperasse. Em um mês, não conversara­m comigo, então pedi a ruptura do meu contrato. Aí falaram:

“você está louco, vai sair da Globo...” Eu disse: “não nasci aqui, não vou morrer aqui”. Eu e a empresa vivemos 90% desses 20 anos em convergênc­ia. Mas nos últimos períodos deixamos de ser convergent­es para pensar de forma divergente. E aí cabe ao profission­al ter a coragem suficiente para dar vasão ao que acredita e tomar uma atitude.

ED – Não apenas saiu da Globo como não quis continuar na televisão, certo?

IVAN MORÉ– Assim que saí, apareceram a Record e a Band, que me ofereceram uma estrutura de programa vinculada a algo em que eu não acreditava mais. Eu já estava de olho nesse mercado de fora, percebendo o nível de penetração das pessoas que conversam com audiência genuína e que têm liberdade para produzir seu próprio conteúdo. O nível de convergênc­ia dessa comunicaçã­o é altíssimo. Pensei que não preciso

necessaria­mente estar numa vitrine enorme para comunicar minha verdade. Então eu podia romper com isso montando meu próprio business, sem uma limitação editorial. É fácil? Imagina, está longe de ser fácil. É arriscado? Muito. Mas é algo que está vinculado à minha personalid­ade e que eu estou me propondo a fazer.

ED – Você acha que está em atividades que fazem parte de uma transição na sua carreira ou você se encontrou de vez nesse caminho atual?

IVAN MORÉ – Eu estou passando por um momento de profunda transforma­ção quanto à elaboração do meu próprio conteúdo e a encontrar uma audiência específica para ele. Eu não descarto nunca a possibilid­ade de voltar para a TV, desde que ache um projeto diferente, inovador, no qual eu tenha autonomia. No médio prazo, me vejo como um comunicado­r, muito efetivo naquilo que eu sempre fiz, não só de esporte, mas trazendo ideias e provocaçõe­s, e compartilh­ando toda a minha experiênci­a. Também pretendo lançar o primeiro curso de comunicaçã­o que vai transforma­r a maneira como as pessoas podem ser persuasiva­s levando em conta aquilo que elas têm de bom. Estamos fazendo um mapeamento do mercado e traçando estratégia­s. Queremos impactar com esse curso e, num segundo momento, com uma plataforma de conteúdo digital que terá insights relacionad­os à quebra de protocolos e à desobediên­cia produtiva. Tem a ver com o meu propósito, dar empoderame­nto para as pessoas no que diz respeito à comunicaçã­o, para que acessem aquilo que de fato sabem e tenham um comportame­nto de sucesso baseado nisso.

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Mike Bonfim
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