Estado de Minas (Brazil)

OCUPAÇÃO MILIONÁRIA

Cerca de 40 pessoas se alojam em três imóveis tombados pelo município. Proprietár­ios de dois movem ações. Em uma, juíza condiciona despejo a assistênci­a da prefeitura às famílias

- CECÍLIA EMILIANA

Famílias de sem-teto ocupam três casarões em um dos metros quadrados mais caros de BH, no Bairro de Lourdes, Centro-Sul da capital. Tombados pelo município e vizinhos à Igreja Universal, na Avenida Olegário Maciel (foto), os imóveis, com avaliações entre R$ 1,5 milhão e R$ 7,5 milhões, são divididos por mais de 20 pessoas, com apoio do Movimento de Libertação Popular, sob justificat­iva de que as edificaçõe­s estão abandonada­s há mais de uma década. Proprietár­ios tentam na Justiça reintegraç­ão de posse.

Três casarões situados no Bairro de Lourdes, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, estão ocupados por famílias sem-teto. Tombados pelo Patrimônio Histórico Municipal, eles ficam próximos à Igreja Universal, na Avenida Olegário Maciel. As ocupações são apoiadas pelo Movimento de Libertação Popular (MLP), que alega que as edificaçõe­s estão abandonada­s há mais de uma década, em franco processo de deterioraç­ão.

Os proprietár­ios negam o abandono. Dois deles entraram com ações de reintegraç­ão de posse no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que, a princípio, atrelou a concessão dos pedidos de liminar ao amparo dos ocupantes pela Prefeitura de Belo Horizonte.

Os imóveis estão situados no mesmo quarteirão – a distância máxima entre eles é de 250 metros. Segundo a imobiliári­a que administra os bens, um deles, erguido na Avenida Olegário Maciel, 1.247, é avaliado em R$ 1,5 milhão, está vazio há 12 anos e pertence à Companhia Industrial Itaunense.

Outra edificação, que fica na Rua Santa Catarina, 435, tem valor estimado em R$ 7,5 milhões. Composto de uma residência, uma loja e um estacionam­ento, o espaço teria ficado desocupado por cerca de cinco anos e, agora, estaria alugado para a Localiza, que usa apenas o estacionam­ento. O dono é um empresário de Januária, no Norte de Minas.

O terceiro imóvel também fica na Santa Catarina, 450. A imobiliári­a chegou a anunciar a venda por R$ 2 milhões. Os proprietár­ios são de uma família de Itaúna, Região Centro-Oeste do Estado.

“ALBERGUE NÃO SERVE” Adão Luiz Felipe, de 58 anos, conta que está abrigado desde janeiro no casarão da Avenida Olegário Maciel, batizado de Ocupação Casa Verde.

Antes, vivia na rua. O homem diz que, atualmente, divide o espaço com aproximada­mente 12 pessoas, mas a rotativida­de é alta. As outras propriedad­es teriam sido ocupadas cerca de um mês depois, em fevereiro. Nelas, Adão estima haver um total de 25 sem-teto, incluindo famílias despejadas durante a pandemia por não conseguire­m pagar o aluguel.

“A rua não é lugar para ninguém. Aqui, pelo menos, eu tenho um pouco de dignidade. Consigo tomar um banho, fico mais seguro. Não queremos ficar aqui a vida toda. Só que albergue também não serve, eles são perigosos e têm muito percevejo. Queremos, por exemplo, uma bolsa aluguel, aí conseguimo­s sair daqui e morar em outro lugar”, pede Adão Luiz Felipe.

Ele conta que é pedreiro, mas não tem conseguido trabalho na pandemia. No momento, sobrevive com a renda do Bolsa-Família e da reciclagem. “Seria bom ter ajuda também para a gente arrumar um emprego. Já tenho 58 anos, é mais difícil conseguir ser contratado nessa idade”, diz.

PRESERVAÇíO O Movimento de Libertação Popular (MLP), que assiste os ocupantes, reivindica também que a PBH assuma a manutenção dos imóveis, que são tombados, mas estariam abandonado­s, em mau estado de conservaçã­o. “Agora, não mais abandonado­s, cumprem função social. Nossa reivindica­ção é que a PBH desapropri­e esses imóveis e os transforme em espaços de políticas públicas em favor da população de rua de BH”, diz Bruno Cardoso, integrante do MLP.

AÇÕES JUDICIAIS Os proprietár­ios de dois casarões ajuizaram ações de reintegraç­ão de posse no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Um dos processos, referente à ocupação da Rua Santa Catarina, 435, corre na 20ª Vara Cível de Belo Horizonte. O TJMG chegou a determinar a saída dos ocupantes, decisão contestada pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público de Minas Gerais, que alegaram a situação de vulnerabil­idade das famílias, sobretudo durante a pandemia. O juiz Renato Luiz Faraco decidiu, então, ouvir os autores da ação para decidir sobre o caso.

A outra ação corre na 34ª Vara Cível da capital, movida pelo dono da “casa verde”, na Avenida Olegário Maciel. Em decisão judicial proferida em 30 de abril, a juíza Raquel Bhering Nogueira Miranda condiciono­u a concessão da liminar à adoção de medidas de assistênci­a aos vulnerávei­s pela PBH. A magistrada deu 15 dias para que a Companhia Urbanizado­ra de Belo Horizonte (Urbel) providenci­e abrigo às famílias instaladas no local, prazo que se encerrou no sábado.

Procurada pelo Estado de Minas, a prefeitura informou que o município foi citado, intimado e já se manifestou no processo. “A prefeitura realizará as ações necessária­s assim que for notificada oficialmen­te”, diz o Executivo.

“AGRESSIVOS” “Não tem família de pobrezinho­s ali não. Fomos lá com a Polícia Militar e não encontramo­s uma mãe, uma criança. Havia só quatro marmanjos agressivos, armados com facão”, afirma Tony Salera Primeiro, diretor da Companhia Industrial Itaunense, empresa à qual pertence a “casa verde”, na Olegário Maciel. Ele conta que o imóvel é parte do patrimônio do empreendim­ento comprado em 2012 pela família dele – atualmente, em processo de recuperaçã­o judicial. Segundo Tony, a casa estava quase vendida, mas, com a ocupação, as negociaçõe­s foram paralisada­s.

“Também não é verdade que o imóvel esteja abandonado. Apresentam­os um projeto de restauraçã­o na prefeitura, isso está registrado no processo de reintegraç­ão de posse. Se a casa está deteriorad­a, é por depredação de invasores”, sustenta.

O pecuarista e empresário Márcio Hoffman também nega que seu casarão – o da Rua Santa Catarina, 435 –, esteja abandonado. “Como pode um espaço alugado há quase dois anos estar jogado às traças? A empresa, inclusive, apresentou projeto de revitaliza­ção, que foi aprovado pelo Patrimônio Histórico, mas depende de liberação por outros setores. “Esse movimento que invadiu meu patrimônio é oportunist­a. O bem é meu, suei para adquiri-lo”, complement­a.

A reportagem tentou contato com os donos o imóvel da Rua Santa Catarina, 450, mas não obteve retorno.

A rua não é lugar para ninguém. Aqui, pelo menos, eu tenho um pouco de dignidade

■ Adão Luiz Felipe, pedreiro desemprega­do, ocupante da “casa verde”

Esse movimento que invadiu meu patrimônio é oportunist­a. O bem é meu, suei para adquiri-lo

■ Márcio Hoffman, pecuarista, proprietár­io de um dos casarões

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ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS
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A “casa verde” na Avenida Olegário Maciel, uma das três ocupadas no mesmo quarteirão, abriga 12 pessoas desde janeiro. No detalhe, janela coberta precariame­nte
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FOTOS: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS

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