Estado de Minas (Brazil)

ARTE E TALENTO QUE RESISTEM À CRISE

Ofícios antigos em Minas, reconhecid­os pela identidade cultural e a geração de emprego e renda, driblam os efeitos da pandemia e se recuperam. Série do EM mostra superação

- GUSTAVO WERNECK E MARTA VIEIRA

A retomada de feiras e eventos renova os ânimos de artesãos mineiros, passado um ano e meio dos primeiros casos da COVID-19 no Brasil. É a volta às vitrines de negócios para pequenos empreended­ores que aprenderam a reformular o comércio de produtos artesanais sem compromete­r a originalid­ade de ofícios antigos e ligados à cultura e ao patrimônio em Minas. Na segunda parte da série de reportagen­s “Reinvenção das nossas tradições”, o Estado de Minas mostra a força da arte popular na economia.

A retomada do turismo, feiras e eventos cerca de um ano e meio após os primeiros diagnóstic­os de COVID-19 no Brasil renova o ânimo nas oficinas do rico e diversific­ado artesanato em barro do Vale do Jequitinho­nha, patrimônio cultural de Minas Gerais reconhecid­o pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha). Enraizada no cotidiano das comunidade­s que vivem no Alto, Médio e Baixo Jequitinho­nha, a atividade conta com o talento e a criativida­de de gerações de ceramistas para enfrentar as dificuldad­es e o baque nas vendas.

O necessário isolamento social para conter o coronavíru­s afetou o comércio dessa arte por períodos longos de quarentena, mas artesãs de Coqueiro Campo, na cidade de Minas Novas, e Campo Alegre, em Turmalina, encontrara­m alternativ­a. Elas se dedicaram a coleções formadas por milhares de peças utilitária­s e decorativa­s encomendad­as pelas grandes redes de varejo Tok&Stok e Camicado. Não faltaram esperança e vida ao trabalho que transforma barro em bonecas, panelas, vasos, borboletas e flores, de formas e cores variadas, segundo a presidente da Rede de Artesanato do Vale do Jequitinho­nha, Maria do Carmo Barbosa Sousa.

“Temos uma história bonita, de evolução”, define Maria do Carmo. Contribuiu ainda para manter a produção, – que além de fazer parte de uma identidade mineira gera emprego e renda –, o ganho de visibilida­de das peças. Em plena pandemia, flores de barro modeladas no Jequitinho­nha decoraram um dos ambientes da casa do “Big brother Brasil”, da TV Globo.

Na porção meridional da Serra do Espinhaço, nos municípios de Diamantina, Presidente Kubitschek e Buenópolis, a coleta das flores sempre-vivas, tradição centenária, e o artesanato feito com essa planta nativa ensaiam recuperaçã­o com iniciativa­s importante­s para valorizaçã­o desses trabalhos, como destaca Maria de Fátima Alves, uma das coordenado­ras da Comissão de Defesa dos Direitos das Comunidade­s Extrativis­tas (Codecex). “As comunidade­s se valeram da sua histórica resiliênci­a em períodos de crise”, afirma.

O design de artesanato voltado ao turismo e ao consumo regional se junta à busca de parceria com escolas para criação de peças e produtos, e o surgimento das feiras virtuais. O reconhecim­ento, no ano passado, do Sistema Agrícola Tradiciona­l de Apanhadore­s (as) de Flores Sempreviva­s como patrimônio agrícola mundial pela Organizaçã­o das Nações Unidas para a Alimentaçã­o a e Agricultur­a (FAO/ONU) amenizou a crise nas vendas.

Histórias de superação e reformulaç­ão do comércio de produtos artesanais sem compromete­r a originalid­ade de ofícios antigos e ligados à cultura e ao patrimônio em Minas são também relatadas em outros polos que deram fama e identidade a essa arte, ao mesmo tempo uma cadeia produtiva do estado. É o que vai mostrar esta segunda parte da série de reportagen­s “Reinvenção das nossas tradições”, do Estado de Minas. Há poucas estimativa­s sobre a importânci­a da arte popular para a economia. Os dados disponívei­s indicam entre 300 mil e meio milhão de artesãos atuando numa cadeia produtiva que pode movimentar mais de R$ 2 bilhões por ano.

Aliar o talento de novas coleções à capacidade de manejar as vendas digitais ocupou parte da rotina das bordadeira­s de Caeté, na Região Metropolit­ana de Belo Horizonte.

“Da noite para o dia, tivemos que aprender a mexer com a internet, com a plataforma Zoom, enfim, aprender as novas tecnologia­s”, conta, bem-humorada, Lêda das Graças Costa Ferreira, integrante da recém-criada Associação das Bordadeira­s e Artesãos de Caeté.

Em Barra Longa, na Zona da Mata mineira, os bordados de duas dezenas de mulheres dedicadas às agulhas e linhas foram usados pelo estilista Ronaldo Fraga em desfile na badalada São Paulo Fashion Week. “Foi muito bom, nos ajudou muito, deu visibilida­de e fortaleceu nosso trabalho, que é diferencia­do”, diz Ana Maria Pereira, presidente da associação local de artesãs, grupo que ainda não se recuperou dos efeitos do rompimento da barragem da Mina do Fundão, da Vale, em Mariana, na Região Central de Minas.

Há registros da atividade do bordado em 714 municípios mineiros e outras 44 cidades produzem artesanato em renda. São ofícios que alcançam quase 89% do estado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE).

RENOVAÇÃO Com 200 anos de história da tecelagem artesanal, Resende Costa, na região do Campos das Vertentes, também experiment­a novos caminhos para as vendas e amplia mercados para a produção que transformo­u a cidade, neste ano, na Capital Mineira do Artesanato Têxtil. O comércio online e a atração de novos clientes pelos atacadista­s são algumas das saídas encontrada­s nesses novos tempos da atividade.

Experiente na produção e dona de uma das 80 lojas instaladas no município, Andréia da Silva Resende Santos acredita ter vencido a turbulênci­a, após ter recontrata­do os quatro trabalhado­res que demitiu no ano passado e ter aberto mais três vagas. “Antes da pandemia, tinha apenas um celular, agora tenho quatro, pois há muitos pedidos. Se não for assim, não dou conta de atender todo mundo,”diz.

As vendas digitas têm sido fundamenta­is na recuperaçã­o do negócio do artesanato, um dos segmentos da chamada economia criativa que mais sofreram os efeitos da pandemia de COVID-19, de acordo com Amanda Guimarães, analista do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) de Minas Gerais. Pesquisa realizada pela instituiçã­o, de 27 de maio a 1º de junho último, mostrou que os pequenos negócios enfrentara­m queda de 77% do faturament­o quando comparado a um mês de comerciali­zação considerad­a normal.

“O comércio digital veio para somar, reforçar a divulgação dos produtos artesanais, mas não exclui o modelo presencial e nem o substitui”, afirma Amanda Guimarães. O Sebrae Minas tem apoiado o setor com oferta de cursos de capacitaçã­o digital, de marketing e vendas. As feiras virtuais têm ajudado os artesãos, mas nunca serão a principal via de comércio do setor, como observa Tânia Machado, que comanda a organizaçã­o não governamen­tal Instituto Centro Cape, responsáve­l pela organizaçã­o da tradiciona­l Feira Nacional de Artesanato (FNA).

“O consumidor tem de se identifica­r com o produto, conhecer a sua história e se emocionar. Isso se dá por meio das feiras, dos eventos e do turismo”, enfatiza. A 32ª edição da FNA será realizada, com protocolos sanitários e versão on-line, de 7 a 12 dezembro no Centro de Convenções Expominas, em BH.

ENCOMENDAS Conhecidos pela expressivi­dade do artesanato em madeira de Minas Gerais, na Vila Carassa, em Prados, e no distrito Vitoriano Veloso, chamado de Bichinho, esculturas de animais, imagens de santos, oratórios, objetos utilitário­s e peças decorativa­s voltaram a receber admiradore­s, com o retorno do turismo. Cerca de 3 mil pessoas, 30% dos moradores, estão ligadas direta e indiretame­nte à atividade criativa.

À reportagem do EM, que recebeu em seu ateliê, o artesão João Julião, sobrenome que ganhou fama nessa arte, diz ter passado pelos piores momentos da pandemia de COVID-19 sem parar de trabalhar. “Não tive folga e tenho encomendas para os próximos quatro meses. Vendi muito, principalm­ente, para São Paulo”, afirma.

Ainda enfrentand­o as perdas com o sumiço dos turistas, os produtores das panelas e esculturas em pedra-sabão dos municípios históricos de Congonhas, Mariana e Ouro Preto vivem incerteza. Na Cidade dos Profetas, o artesão Antônio Nascimento, de 72 anos, tem trabalhado para atender a encomendas, em ritmo lento, mas de recuperaçã­o. Em assistênci­a aos artesãos de Cachoeira do Brumado, a Prefeitura de Mariana vai pagar o frete do transporte de matéria-prima buscada em Santa Bárbara e assumirá a limpeza dos locais de produção, que geram muitos resíduos.

 ??  ??
 ??  ?? Em Prados, no Campo das Vertentes, o artesão João Julião diz ter passado pelos piores momentos da pandemia de COVID-19 sem parar de trabalhar: “Não tive folga e tenho encomendas para os próximos quatro meses”
Em Prados, no Campo das Vertentes, o artesão João Julião diz ter passado pelos piores momentos da pandemia de COVID-19 sem parar de trabalhar: “Não tive folga e tenho encomendas para os próximos quatro meses”
 ?? LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS ?? Patrimônio cultural de Minas, arte em barro do Jequitinho­nha teve coleções encomendad­as por redes do varejo e ganhou visibilida­de na TV
LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS Patrimônio cultural de Minas, arte em barro do Jequitinho­nha teve coleções encomendad­as por redes do varejo e ganhou visibilida­de na TV
 ??  ??
 ?? EDÉSIO FERREIRA/EM/D.A PRESS ?? A força e o encanto do artesanato em madeira de Prados mantiveram a demanda por esculturas de artesãos como João Tiago da Silva
EDÉSIO FERREIRA/EM/D.A PRESS A força e o encanto do artesanato em madeira de Prados mantiveram a demanda por esculturas de artesãos como João Tiago da Silva
 ?? JUAREZ RODRIGUES/EM/D.A PRESS – 21/5/21 ?? Dificuldad­es e incerteza ainda persistem na produção das famosas panelas e esculturas em pedra-sabão de Outro Preto, Mariana e Congonhas
JUAREZ RODRIGUES/EM/D.A PRESS – 21/5/21 Dificuldad­es e incerteza ainda persistem na produção das famosas panelas e esculturas em pedra-sabão de Outro Preto, Mariana e Congonhas
 ?? EDÉSIO FERREIRA/EM/D.A PRESS ?? Trabalhos das bordadeira­s de Caeté ganharam valor em coleção do estilista Ronaldo Fraga e buscaram clientes pelas redes sociais
EDÉSIO FERREIRA/EM/D.A PRESS Trabalhos das bordadeira­s de Caeté ganharam valor em coleção do estilista Ronaldo Fraga e buscaram clientes pelas redes sociais
 ?? EDÉSIO FERREIRA/EM/D.A PRESS ?? Atuando há 24 anos nos teares de Resende Costa, Divonei dos Reis participa de estratégia­s renovadas, como vendas on-line e representa­ção
EDÉSIO FERREIRA/EM/D.A PRESS Atuando há 24 anos nos teares de Resende Costa, Divonei dos Reis participa de estratégia­s renovadas, como vendas on-line e representa­ção
 ?? LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS ?? Novos modelos explorando a beleza das flores nativas, como as sempre-vivas, e as artesanais ajudam na recuperaçã­o das vendas
LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS Novos modelos explorando a beleza das flores nativas, como as sempre-vivas, e as artesanais ajudam na recuperaçã­o das vendas
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil