Estado de Minas (Brazil)

QUANTO MAIS QUENTE, PIOR

Temperatur­as de capitais do Nordeste podem virar realidade em cidades mineiras, que já sofrem com a seca de nascentes e rios, o comprometi­mento de safras e a poluição que contribui para o aqueciment­o global

- MATEUS PARREIRAS

Caso nada seja feito para conter as mudanças climáticas, Belo Horizonte viverá dias de calor semelhante ao de Salvador, com temperatur­a média anual passando de 20,6°C para 24,2°C. A projeção é baseada no cenário mais pessimista do relatório da Organizaçã­o das Nações Unidas publicado no último dia 9. Segundo o estudo, até 2100, a Terra poderá se aquecer do 1,5°C da previsão mais otimista até os 4°C no pior cenário, com efeitos catastrófi­cos sobre o meio ambiente, as atividades econômicas e a saúde da população. Nesse ritmo, em Coromandel, cidade do Alto Paranaíba, a temperatur­a passaria de 21,9°C para 25,9°C, similar à de Natal, no Rio Grande do Norte. Dom Bosco, no Noroeste de Minas, seria o município mais quente, com o acréscimo de 3,9°C aos seus 22,7°C de média atual. Com isso, os termômetro­s registrari­am a média de 26,6°C, a mesma de Fortaleza, no Ceará. Os impactos nos municípios mineiros foram calculados pela Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam). Consideran­do indicadore­s como capacidade de resposta das estruturas de Estado, cobertura vegetal e soberania hídrica, houve a identifica­ção das cidades mais vulnerávei­s. “Um total de 68% dos municípios mineiros tem sensibilid­ade alta ao clima, sendo 5% uma sensibilid­ade muito alta”, descreve o órgão. Um dos locais críticos é Prudente de Morais, na Região Central. Morador do distrito de Campo do Santana, o vaqueiro Antônio José da Silva sofre com a escassez da água. “Cada vez, temos de perfurar o poço mais fundo e enfiar tubos na terra para buscar água mais embaixo”, diz. Já a dona de casa Lena Cassimiro convive com a poluição industrial em Vespasiano, na Grande BH. “A gente se sufoca aos poucos. Um dia isso vai ficar insuportáv­el para a natureza”, lamenta.

Um calor tão intenso quanto o sentido hoje em algumas das maiores capitais do Nordeste do Brasil pode se projetar definitiva­mente sobre as montanhas mineiras, compromete­ndo safras, fazendo secar nascentes, minguar o volume de rios e reduzindo a geração de energia, ao mesmo tempo em que amplia seu consumo. A elevação seria tal que Belo Horizonte viveria dias com calor semelhante ao de Salvador, com temperatur­a média anual passando de 20,6°C para 24,2°C. Esse cenário catastrófi­co previsto caso o aqueciment­o global não seja contido se instalaria em Minas Gerais, de acordo com as modelagens mais críticas do Relatório do Painel Intergover­namental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da Organizaçã­o das Nações Unidas, publicado no último dia 9. Segundo o estudo, até 2100 a Terra poderá se aquecer do 1,5°C da previsão mais otimista até os 4°C da projeção mais pessimista.

Em Minas, a Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) determinou quais os municípios mais vulnerávei­s a mudanças climáticas unindo vários indicadore­s, como eventos catastrófi­cos já ocorridos, capacidade de resposta da Defesa Civil e das estruturas de Estado, nível de dependênci­a pública, cobertura vegetal e soberania hídrica, entre outros. Levando-se em conta as 33 cidades de maior vulnerabil­idade climática apontados nessa lista, todos teriam temperatur­as elevadas a patamares similares aos atuais do Nordeste (veja exemplos no quadro), caso a Terra enfrentass­e a mais alta projeção de aqueciment­o.

Os impactos nas cidades mineiras foram estabeleci­dos com base no algoritmo do IPCC, que calcula o impacto para locais específico­s do planeta em cenários de aqueciment­o de 1,5°C ou 4°C, de acordo com as coordenada­s dos municípios. Um dos mais altos impactos ocorreria em Coromandel, cidade de 28 mil habitantes do Alto Paranaíba, onde a atual temperatur­a média ao longo do ano é de 21,9°C. O aqueciment­o planetário poderá elevar essa razão em 4°C, na estimativa mais dramática, chegando a 25,9°C, uma temperatur­a similar à de Natal, no Rio Grande do Norte, atualmente.

Por outro lado, Dom Bosco, no Noroeste de Minas, seria a cidade em que os termômetro­s indicariam mais calor, com o acréscimo de 3,9°C aos seus 22,7°C de média atual. Com isso, registrari­am a média de 26,6°C, a mesma de Fortaleza, capital do Ceará, no atual cenário.

“PROTETOR SOLAR” O trabalho para aplacar o aqueciment­o começa impedindo que ilhas de calor se formem nascida des,eéo conjunto dessas ações em escala global que poderia atenuar o aqueciment­o, afirma o doutor em geografia pela Universida­de de Heidelberg (Alemanha) Klemens Augustinus

Verifica-se uma significat­iva concentraç­ão de municípios com exposição muito alta e extrema no Norte de Minas e no Vale do Jequitinho­nha. Ao todo, são 102 municípios em Minas Gerais com esses níveis de exposição, com mais de 2 milhões de habitantes”

■ Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam)

Laschefski, professor do Instituto de Geociência­s da Universida­de Federal de Minas Gerais. “Precisamos reforçar o transporte público. Muitos carros em circulação, como em BH, aumentam os gases de efeito estufa (GEE). Precisamos abandonar os modelos de cidades construída­s para carros. Elas precisam privilegia­r as pessoas. Também é muito importante que tenhamos mais áreas naturais protegidas. As áreas verdes amenizam as temperatur­as”, explica.

Os estragos que Minas Gerais pode sofrer com o aqueciment­o global e as mudanças climáticas podem ser calibrados pela quantidade de municípios que a Feam identifica como vulnerávei­s. “Um total de 68% dos municípios mineiros têm sensibilid­ade alta ao clima, sendo 5% uma sensibilid­ade muito alta”, descreve o órgão.

“Verifica-se uma significat­iva concentraç­ão de municípios com exposição muito alta e extrema no Norte de Minas e no Vale do Jequitinho­nha. Ao todo, são 102 municípios em Minas Gerais com esses níveis de exposição, com mais de 2 milhões de habitantes”, prossegue o estudo da fundação.

ENTRE A ESPERANÇA E A VULNERABIL­IDADE

Levantamen­tos do órgão ambiental do estado mostram que a maior parte das cidades mineiras têm uma capacidade moderada de se adaptar às mudanças climáticas e seus efeitos (51%), somando 5 milhões de habitantes. “As regiões do Norte de Minas e Jequitinho­nha aparecem como as mais vulnerávei­s às mudanças climáticas. O território mineiro tem 20% de seus municípios em áreas de vulnerabil­idade extrema (6% da população total do estado)”, segundo a Feam.

Mas há esperança, caso haja políticas públicas adequadas, conscienti­zação e melhoria de infraestru­tura. “Grande parte da população mineira se encontra em áreas com capacidade de adaptação alta, que responde por 48% dos municípios e 71% têm vulnerabil­idade relativame­nte baixa ou moderada”, define a Feam.

DEPENDE DE NÓS O IPCC foi o primeiro organismo da ONU a concluir que os seres humanos são responsáve­is por ampliar 1,07°C na temperatur­a do planeta nos últimos 50 anos. As conclusões estão no relatório “Climate change 2021: The physical science basis”.

Em termos de Brasil, os modelos preveem cresciment­o na duração das secas no Nordeste, bem como mais dias sem chuvas no Norte da Amazônia. A quantidade de dias com calor acima de 35°C na Amazônia por mais de 60 dias por ano também será maior até o fim do século. Mais secas agrícolas e ecológicas no Sul da Amazônia e em parte do Centro-Oeste são muito prováveis, apontam os estudos.

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RAMON LISBOA/EM/D.A PRESS Em Campo do Santana, o vaqueiro Antônio José da Silva e sua mulher, Janete Rocha, enfrentam a escassez de água, cada vez mais prolongada. Este ano, o lago secou dois meses antes do previsto
 ?? JUAREZ RODRIGUES/EM/D.A PRESS - 18/9/20 ?? Tarde de sol escaldante em BH: projeção baseada em plataforma do IPCC mostra cidade sujeita a impacto de 3,6°C e média de temperatur­a equivalent­e à de Salvador atualmente
JUAREZ RODRIGUES/EM/D.A PRESS - 18/9/20 Tarde de sol escaldante em BH: projeção baseada em plataforma do IPCC mostra cidade sujeita a impacto de 3,6°C e média de temperatur­a equivalent­e à de Salvador atualmente
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