QUANTO MAIS QUENTE, PIOR
Temperaturas de capitais do Nordeste podem virar realidade em cidades mineiras, que já sofrem com a seca de nascentes e rios, o comprometimento de safras e a poluição que contribui para o aquecimento global
Caso nada seja feito para conter as mudanças climáticas, Belo Horizonte viverá dias de calor semelhante ao de Salvador, com temperatura média anual passando de 20,6°C para 24,2°C. A projeção é baseada no cenário mais pessimista do relatório da Organização das Nações Unidas publicado no último dia 9. Segundo o estudo, até 2100, a Terra poderá se aquecer do 1,5°C da previsão mais otimista até os 4°C no pior cenário, com efeitos catastróficos sobre o meio ambiente, as atividades econômicas e a saúde da população. Nesse ritmo, em Coromandel, cidade do Alto Paranaíba, a temperatura passaria de 21,9°C para 25,9°C, similar à de Natal, no Rio Grande do Norte. Dom Bosco, no Noroeste de Minas, seria o município mais quente, com o acréscimo de 3,9°C aos seus 22,7°C de média atual. Com isso, os termômetros registrariam a média de 26,6°C, a mesma de Fortaleza, no Ceará. Os impactos nos municípios mineiros foram calculados pela Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam). Considerando indicadores como capacidade de resposta das estruturas de Estado, cobertura vegetal e soberania hídrica, houve a identificação das cidades mais vulneráveis. “Um total de 68% dos municípios mineiros tem sensibilidade alta ao clima, sendo 5% uma sensibilidade muito alta”, descreve o órgão. Um dos locais críticos é Prudente de Morais, na Região Central. Morador do distrito de Campo do Santana, o vaqueiro Antônio José da Silva sofre com a escassez da água. “Cada vez, temos de perfurar o poço mais fundo e enfiar tubos na terra para buscar água mais embaixo”, diz. Já a dona de casa Lena Cassimiro convive com a poluição industrial em Vespasiano, na Grande BH. “A gente se sufoca aos poucos. Um dia isso vai ficar insuportável para a natureza”, lamenta.
Um calor tão intenso quanto o sentido hoje em algumas das maiores capitais do Nordeste do Brasil pode se projetar definitivamente sobre as montanhas mineiras, comprometendo safras, fazendo secar nascentes, minguar o volume de rios e reduzindo a geração de energia, ao mesmo tempo em que amplia seu consumo. A elevação seria tal que Belo Horizonte viveria dias com calor semelhante ao de Salvador, com temperatura média anual passando de 20,6°C para 24,2°C. Esse cenário catastrófico previsto caso o aquecimento global não seja contido se instalaria em Minas Gerais, de acordo com as modelagens mais críticas do Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas, publicado no último dia 9. Segundo o estudo, até 2100 a Terra poderá se aquecer do 1,5°C da previsão mais otimista até os 4°C da projeção mais pessimista.
Em Minas, a Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) determinou quais os municípios mais vulneráveis a mudanças climáticas unindo vários indicadores, como eventos catastróficos já ocorridos, capacidade de resposta da Defesa Civil e das estruturas de Estado, nível de dependência pública, cobertura vegetal e soberania hídrica, entre outros. Levando-se em conta as 33 cidades de maior vulnerabilidade climática apontados nessa lista, todos teriam temperaturas elevadas a patamares similares aos atuais do Nordeste (veja exemplos no quadro), caso a Terra enfrentasse a mais alta projeção de aquecimento.
Os impactos nas cidades mineiras foram estabelecidos com base no algoritmo do IPCC, que calcula o impacto para locais específicos do planeta em cenários de aquecimento de 1,5°C ou 4°C, de acordo com as coordenadas dos municípios. Um dos mais altos impactos ocorreria em Coromandel, cidade de 28 mil habitantes do Alto Paranaíba, onde a atual temperatura média ao longo do ano é de 21,9°C. O aquecimento planetário poderá elevar essa razão em 4°C, na estimativa mais dramática, chegando a 25,9°C, uma temperatura similar à de Natal, no Rio Grande do Norte, atualmente.
Por outro lado, Dom Bosco, no Noroeste de Minas, seria a cidade em que os termômetros indicariam mais calor, com o acréscimo de 3,9°C aos seus 22,7°C de média atual. Com isso, registrariam a média de 26,6°C, a mesma de Fortaleza, capital do Ceará, no atual cenário.
“PROTETOR SOLAR” O trabalho para aplacar o aquecimento começa impedindo que ilhas de calor se formem nascida des,eéo conjunto dessas ações em escala global que poderia atenuar o aquecimento, afirma o doutor em geografia pela Universidade de Heidelberg (Alemanha) Klemens Augustinus
Verifica-se uma significativa concentração de municípios com exposição muito alta e extrema no Norte de Minas e no Vale do Jequitinhonha. Ao todo, são 102 municípios em Minas Gerais com esses níveis de exposição, com mais de 2 milhões de habitantes”
■ Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam)
Laschefski, professor do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais. “Precisamos reforçar o transporte público. Muitos carros em circulação, como em BH, aumentam os gases de efeito estufa (GEE). Precisamos abandonar os modelos de cidades construídas para carros. Elas precisam privilegiar as pessoas. Também é muito importante que tenhamos mais áreas naturais protegidas. As áreas verdes amenizam as temperaturas”, explica.
Os estragos que Minas Gerais pode sofrer com o aquecimento global e as mudanças climáticas podem ser calibrados pela quantidade de municípios que a Feam identifica como vulneráveis. “Um total de 68% dos municípios mineiros têm sensibilidade alta ao clima, sendo 5% uma sensibilidade muito alta”, descreve o órgão.
“Verifica-se uma significativa concentração de municípios com exposição muito alta e extrema no Norte de Minas e no Vale do Jequitinhonha. Ao todo, são 102 municípios em Minas Gerais com esses níveis de exposição, com mais de 2 milhões de habitantes”, prossegue o estudo da fundação.
ENTRE A ESPERANÇA E A VULNERABILIDADE
Levantamentos do órgão ambiental do estado mostram que a maior parte das cidades mineiras têm uma capacidade moderada de se adaptar às mudanças climáticas e seus efeitos (51%), somando 5 milhões de habitantes. “As regiões do Norte de Minas e Jequitinhonha aparecem como as mais vulneráveis às mudanças climáticas. O território mineiro tem 20% de seus municípios em áreas de vulnerabilidade extrema (6% da população total do estado)”, segundo a Feam.
Mas há esperança, caso haja políticas públicas adequadas, conscientização e melhoria de infraestrutura. “Grande parte da população mineira se encontra em áreas com capacidade de adaptação alta, que responde por 48% dos municípios e 71% têm vulnerabilidade relativamente baixa ou moderada”, define a Feam.
DEPENDE DE NÓS O IPCC foi o primeiro organismo da ONU a concluir que os seres humanos são responsáveis por ampliar 1,07°C na temperatura do planeta nos últimos 50 anos. As conclusões estão no relatório “Climate change 2021: The physical science basis”.
Em termos de Brasil, os modelos preveem crescimento na duração das secas no Nordeste, bem como mais dias sem chuvas no Norte da Amazônia. A quantidade de dias com calor acima de 35°C na Amazônia por mais de 60 dias por ano também será maior até o fim do século. Mais secas agrícolas e ecológicas no Sul da Amazônia e em parte do Centro-Oeste são muito prováveis, apontam os estudos.