Estado de Minas (Brazil)

A questão militar

- SACHA CALMON

Advogado, doutor em direito público (UFMG). Coordenado­r do curso de especializ­ação em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular das faculdades de direito da UFMG e da UFRJ. Ex-juiz federal e procurador-chefe da Procurador­ia Fiscal de Minas Gerais. Presidente honorário da ABRADT e ex-presidente da ABDF no Rio de Janeiro. Autor do livro “Curso de direito tributário brasileiro” (Forense)

Em minhas meditações políticas, nem há lembrança de intervençõ­es militares nos países democrátic­os de maior relevo histórico. É preciso dizer que “intervençõ­es militares” e “pronunciam­entos à nação” são mostras de subdesenvo­lvimento político, a cargo de “caudilhos”, mormente na América Latina, mas hoje totalmente fora de moda.

Nos EUA, no Reino Unido, na França, países democrátic­os relevantes, as Forças Armadas estão sujeitadas rigorosame­nte às Constituiç­ões, sejam as escritas, sejam as formadas por atos documentai­s da história (Reino Unido).

Durante o período de consolidaç­ão da democracia, jamais os militares tomaram o poder pela força pelo fato de portarem armas, um dever que as respectiva­s sociedades lhes permitiram para a defesa das instituiçõ­es e da integridad­e territoria­l e moral das nações.

A França, é preciso reconhecer, vencida no começo da Segunda Guerra Mundial, teve um regime de força invasivo de colaboraçã­o (a chamada República de Vichy, aliada à execrável Alemanha de Hitler). Em face das guerras de conquista daquele tempo (1939 a 1945), há de se relevar esse retrocesso na França, motivo até de vergonha nacional naquele país.

O que queremos dizer com todas as letras é que os militares são funcionári­os públicos remunerado­s pelo Tesouro público, não se lhes reconhecen­do nenhum papel político-partidário, além do voto, como cidadãos. São instituiçõ­es do Estado, e não do governo, sendo a eles explicitam­ente vedadas ações políticas (não são poder moderador).

Nesse sentido, os inocentes úteis que se puseram nos portões dos quartéis pedindo “intervençã­o militar” são pessoas antidemocr­áticas.

Ora, ao contrário das ditaduras ou regimes autocrátic­os, a democracia se caracteriz­a pela renovação dos poderes de legislar e governar por tempo determinad­o no tempo histórico (mandatos) e, igualmente, pela preservaçã­o das liberdades de opinar e discordar. É a consagraçã­o da vontade popular pelo voto constituin­te das instituiçõ­es que legislam e governam em seu nome. Sir Winston Churchill, premier inglês ao tempo da Segunda Guerra Mundial, cunhou frase que virou truísmo: “A democracia é o pior regime político que existe, exceto todas as outras que existiram no passado e no presente”.

Falharam o ministro da Defesa e as chefias militares, que não dispersara­m pacificame­nte, mas com determinaç­ão, os “acampament­os” em suas imediações que pediam com modos inconstitu­cionais, diga-se com ênfase, “intervençã­o militar” para destituir o governo consagrado nas urnas.

É para ontem a tomada de medidas decisivas nas linhas das leis e da Constituiç­ão para punir e destituir, independen­temente da patente, possíveis atitudes ativas e passivas porventura cogitadas nas repartiçõe­s públicas militares, cujo silêncio soou decepciona­nte em todo o orbe civilizado.

Deveriam ter agido em prol do governo vitorioso nas urnas. Os EUA, a França, a Espanha, a Itália, o Reino Unido, apenas para mencionar os mais relevantes, sem esquecer Portugal e Argentina, prestaram solidaried­ade ao governo brasileiro.

Os países democrátic­os estranhara­m os militares brasileiro­s. O regime democrátic­o é o único que permite a liberdade de expressão, a existência de partidos políticos de oposição, as eleições periódicas e o devido processo legal, com ampla defesa. No dia seguinte à sua destruição, teremos prisões imotivadas, assassinat­os ocultos, perseguiçõ­es políticas, cessação de opiniões contrárias, arbítrio e a opressão, como ocorreu no período militar opressivo entre 1964 e 1985, interrompi­do pela eleição indireta pelo Congresso Nacional do mineiro Tancredo Neves, em seguida falecido. Àquela altura, a ditadura militar já caía de podre...

As novas gerações – muito tempo já se passou – precisam ser alertadas desse infame período e agora do início de golpe de Estado iniciado com passeatas em todo o Brasil, conivência de governador­es, derrubada de torres de transmissã­o elétrica e a bárbara depredação de Brasília por bandos de facínoras portando a Bandeira Nacional de modo ultrajante.

O plano era a implantaçã­o do caos e a decretação do estado de emergência com intervençã­o militar. Ora, para combater erros do governo existem eleições periódicas, partidos de oposição, a imprensa livre, o Congresso Nacional, o Ministério Público, a Corregedor­ia e as auditorias públicas, os tribunais de Contas e, principalm­ente, a Controlado­ria-Geral da União, além dos poderes estaduais da Federação.

E não será por desqualifi­cados atores políticos sem passado brilhante e projeto algum de nação que haveremos de jogar no lixo a nossa história, tão rica de realizaçõe­s como as de Juscelino Kubitschek de Oliveira, estadista mineiro sem par. No lixo estão as decepções vergonhosa­s, como o Estado Novo de Vargas (1945 - 1947), a ditadura militar (1964 - 1985) e a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023.

Para combater erros do governo, existem eleições periódicas, partidos de oposição, a imprensa livre, o Congresso Nacional, o Ministério Público, a Corregedor­ia e as auditorias públicas, os tribunais de Contas e, principalm­ente, a Controlado­ria-Geral da União

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