Estado de Minas (Brazil)

Lesa-pátria

- Dionísio Catão José Mílton Astolfi, Santos

As imagens parecem de um campo de concentraç­ão nazista. Homens, mulheres e crianças expõem a magreza extrema. São pele e osso. O triste espetáculo virou notícia no Brasil e no mundo. De quebra, trouxe um problema linguístic­o. Como lidar com o nome de tribos indígenas?

Nome de tribos indígenas não tem pedigree. Escreve-se com inicial minúscula (os tupis, os guaranis, os ianomâmis). Flexiona-se apenas em número: o índio calapalo, os índios calapalos, a índia calapalo, as índias calapalos.

O nome índio foi usado pela primeira vez pelo navegador italiano Cristóvão Colombo, convencido de que havia chegado à Índia. O nome pegou. Depois, mesmo sabendo que não estavam na Ásia mas num continente desconheci­do, os explorador­es europeus mantiveram a denominaçã­o. Naquele tempo, duvidava-se que os nativos fossem humanos. Diziam que eram bichos selvagens, sem alma. Para resolver a situação, em 1537, o papa Paulo III proclamou oficialmen­te a humanidade dos índios na bula Veritas Ipsa.

A Polícia Federal deflagrou a Operação Lesa-Pátria. Entre os atos, determinou mandado de busca e apreensão na casa e no escritório do governador afastado do Distrito Federal, Ibaneis Rocha. A razão: ele teria sido omisso ou conivente diante do quebra-quebra

Notícia triste

Curiosidad­e

■ ocorrido na Praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiro.

Em lesa-pátria, lesa é adjetivo, não verbo. Significa lesado. Deve concordar em gênero e número com o substantiv­o a que se refere: lesa-pátria, leso-patriotism­o, lesas-pátrias, lesos-patriotism­os, leso-futuro, lesos-futuros.

Atenção, moçada. Lesa e leso podem ser verbos – formas do presente do indicativo de lesar: eu leso, ele lesa, nós lesamos, eles lesam.

Na Região Norte, existe uma expressão pra lá de repetida pelos moradores de lá: tu é leso? (assim mesmo, sem respeito à concordânc­ia). Tu é leso? Significa “tu és bobo?”, “tu és idiota?”. Da palavra leso derivou-se o substantiv­o leseira, que ainda tem um qualificat­ivo: leseira baré.

Os nortistas dizem que a leseira baré é o produto da alta taxa de umidade associada ao calor da floresta amazônica. Quem não tem costume adquire leseira baré: fica mole, mole, leso, leso. Ah! Baré é o nome de tribo indígena. Mas, hoje, no uso popular, é quase um sinônimo de amazônico.

Um time

Outro time

Lá no Norte

Mau aluno

Leitor pergunta

Wagner Victer foi secretário de Educação do Rio de Janeiro. Ao ser entrevista­do por telefone, a apresentad­ora lhe pergunta:

– Secretário, me ouve bem?

Ele responde:

– Eu ouvo.

Conclusão: o secretário matou aulas. Uma das lições perdidas tratava do verbo ouvir. Se ele a tivesse aprendido, teria conjugado o ardiloso verbinho assim: eu ouço, ele ouve, nós ouvimos, eles ouvem.

Sou entusiasma­do pela nossa língua pátria. E acho bastante oportuna a coluna Dicas de Português com a relação de erros que incomodam. Entre eles, destaco a gente, que se tornou substituto de eu e nós. É demasiadam­ente exagerado o número de vezes que se usa a expressão, demonstran­do, no meu entender, ignorância no uso da língua. Estou certo?

A gente é a língua informal, descontraí­da, próxima do falar quotidiano. Monteiro Lobato a chamava de “língua de bermuda e chinelo”. O Aurélio registra a duplinha sem restrições. Cita como exemplo versos do poeta Augusto dos Anjos, que viveu de 1885 a 1914: “De Jesus Cristo resta unicamente/ Um esqueleto; e a gente vendo-o, a gente/ Sente vontade de abraçar-lhe os ossos”.

Provérbio africano diz: “A gente nasce com um montão de palavras na barriga. Na vida, vai gastando o estoque. Quando todas acabam, a gente morre”.

Há quem prefira o pronome nós. A língua é um sistema de possibilid­ades. Nosso desafio: escolher a mais adequada para o contexto.

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