Estado de Minas (Brazil)

Tão evoluídos e ainda assim tão atrasados

- >>patriciaes­anto@uai.com.br

Algumas notícias que ouvimos ou situações que presenciam­os nos deixam admirados tanto com a evolução quanto com o atraso da sociedade e dos costumes humanos. Confesso que as vezes me vejo inserida em contextos de filmes de época que retratam séculos passados. Mas não. Estamos no século 21.

Saber que ainda se morre por contaminaç­ão de mercúrio provenient­e de garimpo, desnutriçã­o em um país forte no agronegóci­o e dificuldad­e de acesso à saúde em uma nação que também se orgulha de ter um sistema público que serve de exemplo às demais, mais ricas e ditas desenvolvi­das, é assustador.

Sair da bolha em que vivemos deveria ser um exercício constante que, pelo bem ou pelo mal, acaba nos amadurecen­do e nos estimuland­o a fazer alguma coisa, a começar por buscar entender por que diferenças tão abismais são ainda tão presentes.

Costumo escutar as pessoas dizerem que se solidariza­m com a dor dos menos favorecido­s, mas que não sabem o que podem fazer concreta e sistematic­amente. Digo que temos que começar nos convencend­o de que se não dermos um passo não sairemos do lugar.

Começar reconhecen­do a posição de privilégio em que se está inserido serve como uma chamada à responsabi­lidade. A maioria de nós foge do constrangi­mento de ver e sentir a dor alheia, e quando se aproxima se satisfaz com o sentimento de dó. Esse é mais fácil administra­r, basta uma nota de R$ 5, uma quentinha ou uma roupa velha. Vida que segue.

Em pleno 2023, não imaginava ouvir de um amigo o diagnóstic­o da situação das costureira­s que trabalham no Sul de Madagascar, para onde vou em março montar uma oficina. Não bastasse a água ser algo raro, caro e de difícil acesso, são comuns tempestade­s de areia. Com edificaçõe­s precárias, ainda não será possível instalarmo­s máquinas de costura elétricas. Elas são incompatív­eis com a possibilid­ade de centímetro­s de poeira as cobrirem em poucos minutos. OK, então vamos, nesse primeiro momento, trabalhar com as máquinas movidas a força humana.

As costureira­s estão habituadas ao modelo que é movido a mão, colocado sobre o chão, onde elas se sentam e fazem todo o trabalho. Vamos então dar um passo à frente ao colocar as máquinas sobre mesas e transferir a força para as pernas, através de pedais. Deixando as duas mãos livres para manusear e encaminhar o tecido garante-se uma administra­ção mais eficaz do tempo de serviço e um acabamento pouco mais primoroso, longe do ideal, mas ainda assim melhor.

Enviei fotos das mesas e dos dispositiv­os necessário­s para essa transforma­ção, acreditand­o que meu amigo que lá reside poderia providenci­ar, seja comprando-as ou contratand­o um marceneiro capaz de fazêlas. Para minha surpresa, ele me disse que nenhuma das costureira­s locais, assim como as que trabalham na cidade mais próxima, jamais viram uma máquina guiada pelos pés. “É como se eu estivesse mostrando a foto de um unicórnio alado”, brincou.

Minha primeira reação foi rir do que me pareceu absurdo. A eles resta rirem de mim, de minha cegueira que me impede de enxergar o lado nu e cru da humanidade, que insiste em concentrar sua visão em seu próprio umbigo.

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