Estado de Minas (Brazil)

Abandono paterno, mais do mesmo...

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Culturalme­nte, é atribuído às mulheres o papel de cuidadora, o que é uma construção social, e não uma capacidade. Mulher cuida, amamenta, protege. A mãe é aquela que alimenta, que cuida da casa, que leva para a escola, que marca consultas médicas e odontológi­cas. Mãe é a fonte do afeto. O pai trabalha e sustenta a família, e, se faz mais que isso, vira paizão. Afinal, ele não é obrigado. Pai é fonte de dinheiro. Mãe é fonte de todo o resto.

Na infância, os meninos são incentivad­os a brincar com blocos de montar, com carrinhos, com bola. Boneca? Boneca, não! Isso é coisa de menina! Fogãozinho, panelinha, casinha? Isso é para as meninas.

Joãozinho foi à loja de brinquedos com seu pai escolher seu presente de Dia das Crianças. Escolheu um fogão, ele queria brincar de fazer comidinha. Ele ganhou o fogão, brincou bastante, adorava. Agora Joãozinho é adulto e tem um restaurant­e, ele adora cozinhar.

Em casa, sempre vai para a cozinha e faz pratos deliciosos para sua esposa e filhos.

Pedrinho pediu uma boneca de Natal. Ganhou a boneca. Trocou fraldas, deu papinha, ninou. Quando sua filha nasceu, ele fez com ela tudo o que tinha aprendido com aquela boneca. Cuidou da filha com muito amor.

É isso que acontece com meninos que brincam de casinha; se tornam adultos amorosos, pais carinhosos, maridos companheir­os. Aquele pai presente que não vai se esquecer da paternidad­e caso se separe da mãe da criança. O pai que acolhe o filho, que o coloca para dormir, que troca as fraldas, que ensina matemática. Aquele homem que se responsabi­liza por suas atitudes. Aquele profission­al da saúde que cuida das pessoas com empatia. Aquela pessoa que se preocupa com o outro.

Brincando de casinha os meninos aprendem a não depender de mulheres para fazer o serviço doméstico. Tornamse homens capazes de colaborar com as atividades da casa como limpar, lavar roupas, fazer comida. Brincar de casinha ensina a dividir as responsabi­lidades. Aprendem a trabalhar suas emoções. São brincadeir­as que ensinam a viver a masculinid­ade saudável e evitam a violência doméstica no futuro.

Em uma sociedade machista e homofóbica como a nossa, a sensibilid­ade de um homem tem conotação negativa, mas todo ser humano tem sentimento­s e precisa ter liberdade de se emocionar. Sim, meninos choram.

Os estereótip­os de gênero acabam limitando as vivências dos meninos e das meninas. Quando adultos, isso gera a sobrecarga materna. E cá estamos nós, mães, reclamando dessa sobrecarga. Mas não adianta continuar fazendo tudo igual e querer um resultado diferente. É preciso ensinar os meninos sobre autonomia doméstica para que eles entendam que são igualmente responsáve­is pelo lugar onde moram.

Brincar com bonecas não interfere na sexualidad­e de ninguém. Tanto os meninos quanto as meninas, brincando ou não de boneca, podem se tornar adultos hétero, homo ou bissexuais. E isso não é problema. O importante é que sejam pessoas honestas, éticas e responsáve­is.

Se os homens adultos tivessem brincado de casinha e de boneca como as mulheres brincaram quando eram crianças, talvez hoje não estivéssem­os vendo tantos pais abandonand­o suas esposas, seus filhos, como é tão comum. E as desculpas que eles inventam para justificar o abandono paterno, senhor? É muita falta de vergonha!

Repercutiu recentemen­te, e repercutiu mal demais, a fala do ator Luis Navarro, que deixou a mulher no puerpério com uma filha de 4 meses e outra filha de 4 anos, segundo ele porque “ser pai, marido, artista e ser um dos alicerces de uma família preta não é para poucos. Meu espírito sucumbiu, enfraquece­u, e peço perdão para todas as pessoas que desapontei. Talvez seja um erro essa decisão, mas estou sendo verdadeiro. Não lembro a última vez que fiquei sozinho para refletir, que li um livro ou que me olhei no espelho e me orgulhasse de mim. Preciso me reconectar comigo para poder voltar mais forte. Talvez seja tarde, mas tudo bem. Deus sabe de todas as coisas.”

Não vou reproduzir o resto do que ele disse porque minha cota de vergonha alheia termina aqui. A mãe não tem escolha, mãe fica. Pai resolve brincar de casinha depois de adulto e acha que pode abandonar a brincadeir­a dessa forma inconseque­nte só porque é homem. Espero que encontre um bom livro para ler, um livro que ensine uma coisa que deveria ser distribuíd­a gratuitame­nte no SUS; bom senso!

(Texto inspirado pelo @vaitereduc­acaosexual)

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