Estado de Minas (Brazil)

Crise debelada com política

Após ampla articulaçã­o para controlar a maior turbulênci­a entre militares e poder civil desde a redemocrat­ização, ministro da Defesa garante: “Está totalmente pacificado”

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VINICIUS DORIA

A semana que passou foi a primeira, depois de quase dois meses, em que as Forças Armadas deixaram de ocupar as manchetes do noticiário. Não há mais acampament­os golpistas na frente de quartéis nem sinais de insubordin­ação na tropa. Os novos comandante­s do Exército, da Marinha e da Aeronáutic­a assumiram a defesa da legalidade e trabalham para que suas corporaçõe­s retomem as tarefas constituci­onais, afastando da caserna as paixões políticas. Militares ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro foram afastados — ou deixarão seus cargos nos próximos dias. A mais grave crise envolvendo militares e o poder civil desde a redemocrat­ização do país está sendo superada pela política.

Este fim de semana é o primeiro em que o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, consegue, efetivamen­te, descansar após os tormentoso­s dias que culminaram nos atos de 8 de janeiro. À reportagem, José Múcio confirmou a virada no clima. “Espero que todos os meus fins de semana sejam tranquilos a partir de agora”, disse ele, após assegurar que o ambiente nas Forças Armadas “está totalmente pacificado” porque as instituiçõ­es militares “sabem o papel que desempenha­m como instrument­o do Estado brasileiro”. “Nós estamos confiantes de que as relações com as Forças Armadas serão cada vez mais tranquilas, em prol do país.”

A crise, deflagrada após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para presidente da República, só começou a ser debelada com a entrada em cena do político pernambuca­no que viria o ser o ministro da Defesa. No começo de dezembro do ano passado, ele abraçou a missão dada pelo então presidente eleito de pacificar as relações entre militares e o novo governo que seria instalado. Sob desconfian­ça do próprio entorno de Lula – mais ligado ao PT –, José Múcio foi o primeiro nome escolhido pelo novo governo que começou a trabalhar como ministro antes de tomar posse.

A troca de comando no Exército, na Marinha e na Aeronáutic­a foi marcada por percalços, chás de cadeira e gestos mal-educados. Mas José Múcio traçou uma estratégia: era preciso isolar os bolsonaris­tas radicais e atrair o que ele costuma chamar de oficiais legalistas, perfil no qual os novos comandante­s deveriam se encaixar, independen­temente de preferênci­as políticas. As primeiras tentativas de organizar a transição fracassara­m. Os três chefes das Forças decidiram deixar os cargos em 22 de dezembro, para não ter que bater continênci­a ao presidente eleito. O movimento foi interpreta­do como insubordin­ação ensaiada, cuja intenção era expor a insatisfaç­ão fardada com a eleição de Lula.

O então comandante da Aeronáutic­a Carlos de Almeida Baptista Junior foi o primeiro a distension­ar o diálogo. Decidiu não aderir ao movimento dos colegas e confirmou sua permanênci­a no cargo até a designação do sucessor. Em 2 de janeiro, ele passou o posto para o tenente-brigadeiro do ar Marcelo Kanitz Damasceno, em uma solenidade que teve a presença de José Múcio, que só assumiria formalment­e como ministro horas depois. A sucessão na FAB foi a mais tranquila.

Quem travou qualquer possibilid­ade de diálogo com o novo governo foi o ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier Santos. Ele simplesmen­te recusou-se a conversar com José Múcio e nem sequer participou da cerimônia de posse do escolhido de Lula, almirante Marcos Sampaio Olsen. Deixou o posto de comandante à meia-noite de 31 de dezembro, poucas horas antes da posse de Lula. O clima pesado entre os dois só se desfez depois que o almirante se mostrou arrependid­o, após a posse de Olsen.

FATOR EXÉRCITO O então comandante do Exército general Marco Antônio Freire Gomes foi convencido a permanecer no cargo até o fim do ano. E assim o fez, passando o posto para o general Júlio Cesar de Arruda às 11h do dia 30, antevésper­a da posse de Lula. Para o futuro ministro José Múcio, a sucessão no topo da cadeia de comando das Forças Armadas estava equacionad­a.

O general Arruda era visto como uma pessoa “afável e educada”, e manteve uma relação de cordialida­de e respeito com o ministro Múcio nos poucos dias em que ficou à frente do posto. O problema é que o general se recusava a retirar os acampament­os da frente dos quartéis. Os atentados terrorista­s de 8 de janeiro atropelara­m a tolerância do presidente Lula com o comando do Exército. A exoneração de Arruda começou, então, a ser discutida.

A gota d'água foi a postura corporativ­ista do general, que se recusou a revogar a nomeação do

tenente-coronel Mauro Cid, exajudante de ordens do então presidente Bolsonaro, para a chefia do 1º Batalhão de Ações e Comandos, sediado em Goiânia. Ele terminou exonerado.

O que ajudou foi o discurso, dias antes, do então comandante militar do Sudeste, Tomás Miguel Ribeiro Paiva, em um evento. “Quando a gente vota, tem que respeitar o resultado da urna. Não interessa. Tem que respeitar (...). Esse é o papel de quem é instituiçã­o de Estado”, declarou Paiva. “Alguém me arrume o telefone desse cara”, pediu José Múcio a assessores.

Com credenciai­s para o posto máximo do Exército, como mais antigo na linha sucessória, Paiva recebeu o convite de Lula, a quem pediu voto de confiança “para trazer o seu pessoal de volta”. Na primeira missão, convenceu Cid a abrir mão do cargo.

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YOUTUBE/REPRODUÇÃO – 21/1/23 O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, com Tomás Paiva, escolhido para assumir o comando do Exército por seu perfil legalista

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