SOB INVESTIGAÇÃO
Ministro do STF autoriza inquérito para apurar versões de senador sobre suposta trama para golpe de Estado
“Após a oitiva, o relator constatou que o senador apresentou quatro versões antagônicas sobre o fato, a última em depoimento à PF, o que demonstra a ‘pertinência e necessidade’ da realização de diligências para o seu completo esclarecimento e para a apuração dos crimes de falso testemunho, denunciação caluniosa e coação no curso do processo”
Alexandre de Moraes, ministro do Supremo, ao autorizar inquérito para apurar se o senador Marcos do Val (Podemos-ES) cometeu crimes
Diante das várias versões apresentadas pelo senador Marcos do Val (Podemos-ES) em declarações sobre suposto plano para um golpe que impedisse a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou ontem a abertura de inquérito para investigar o parlamentar. Em live via rede social, em entrevistas e em depoimento à PF, o político capixaba deu informações contraditórias ao relatar reunião com a participação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e do então deputado federal Daniel Silveira sobre a trama.
“Foi feito um detalhe do histórico, (...) como é que o ex-deputado federal Daniel me contactou, (…) se a fala dele realmente dava a entender alguma coisa no sentido de aplicar algum golpe de Estado”
■ Senador Marcos do Val, ao afirmar que deu à PF acesso ao conteúdo de conversas com Daniel Silveira via aplicativo de mensagens
Moraes – que segundo declarações do senador seria alvo de uma escuta clandestina, como parte da trama golpista – determinou a investigação para apurar se Marcos do Val cometeu crimes de falso testemunho, denunciação caluniosa e coação no curso do processo. A reunião a que o parlamentar se referiu teria ocorrido em dezembro do ano passado, mas os locais variam entre a Granja do Torto e o Palácio da Alvorada, segundo as diferentes versões. Em uma delas, Bolsonaro teria convocado o encontro; em outra, apenas presenciado a conversa.
Brasília – O senador Marcos do Val (Podemos-ES) apresentou várias versões do suposto plano para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que envolveria o ex-presidente Jair Bolsonaro e o então deputado Daniel Silveira. Na original, em transmissão ao vivo na madrugada de sexta-feira, ele disse que foi chamado por Bolsonaro, em 7 de dezembro, para participar de uma trama que envolvia gravar o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, para conseguir alguma declaração comprometedora do ministro e anular o resultado da eleição.
Em outra versão, o parlamentar sustentou que a ideia partiu de Daniel Silveira e que foi exposta em reunião, na Granja do Torto, com a presença de Bolsonaro. Alegou, depois, que o encontro ocorreu no Palácio da Alvorada. Nessa época, Bolsonaro mantinha um silêncio sobre o resultado das urnas. A única manifestação foi feita em uma coletiva no Palácio do Alvorada, em 9 de novembro.
Também nesse período, acampamentos bolsonaristas em frente a quartéis espalhados pelo país já tinham cerca de 40 dias.
Em paralelo, o general Augusto Heleno, então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), dava declarações contra Lula, sugerindo a não aceitação da vitória do petista. Em curso também estava a resistência de oficiais do alto-comando das Forças Armadas de realizar uma transição pacífica de comando. No início de janeiro, em cumprimento a um mandado de busca e apreensão, a Polícia Federal (PF) encontrou na casa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro, uma minuta de golpe de Estado. A suspeita do governo é que esse documento seja datado do período entre o fim de novembro e começo de dezembro. Por fim, um mês depois do encontro entre Marcos do Val, Silveira e Bolsonaro, eclodiram os atos criminosos que depredaram os prédios do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal.
Em todas as versões que deu, Do Val destacou que, primeiramente, foi chamado por Silveira para conversar na área externa do Congresso. Ao chegar lá, o então deputado estava em uma chamada de vídeo com Bolsonaro.
Segundo o senador, o presidente perguntou se o parlamentar poderia "ir lá", ao Alvorada. O encontro foi marcado para o dia seguinte. "Antes de ir na sextafeira, conversei com o ministro Alexandre de Moraes e perguntei se eu deveria ou não ir. O ministro disse: 'Vai, que informações são importantes'", relatou.
De acordo com o senador, "Daniel estava tentando achar uma forma de prender o ministro Alexandre de Moraes". Também segundo ele, o deputado tentou convencê-lo a participar do plano afirmando que haveria apoio do GSI com equipamentos eletrônicos. "O presidente estava todo o tempo calado", contou. Ao fim, prosseguiu, Bolsonaro disse: "A gente espera uma resposta". Do Val ressaltou que o convite partiu de Silveira, mas que o "presidente reforçou".
Do Val teria sido chamado para a trama devido à relação profissional que teve com Moraes quando o ministro integrava o governo de São Paulo, e o senador prestava serviços de consultoria no estado. Após fazer a denúncia, Do Val chegou a anunciar a renúncia ao mandato de senador, mas, horas depois, desistiu. Disse ter recebido mensagens de colegas para não abrir mão do mandato. As ligações foram um alerta de que, se renunciasse, perderia o foro privilegiado e corria o risco de ser preso.