Balão “espião” eleva tensão entre Estados Unidos e China
Pequim afirma que dispositivo avistado no espaço aéreo americano é aparato meteorológico que se desviou, mas não convence Washington. Blinken decide adiar viagem ao país asiático
Washington – Em meio a uma nova escalada significativa de tensões entre Estados Unidos e a China, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, decidiu adiar uma viagem a Pequim prevista para amanhã. O estopim da crise mais recente foi o anúncio pelo Pentágono da descoberta de um balão chinês sobrevoando território americano. Os EUA afirmam que o balão seria um instrumento de espionagem, enquanto Pequim sustenta ser um equipamento de pesquisas meteorológicas que saiu da rota. Havia a expectativa de que Blinken se encontrasse com o líder do regime chinês, Xi Jinping. A viagem não foi cancelada, mas adiada, sem que uma nova data tenha sido estabelecida.
O balão foi avistado pela primeira vez no Alasca, antes de passar pelo Canadá e entrar outra vez no espaço aéreo americano. Na quarta-feira, o objeto sobrevoou Billings, no estado de Montana, onde fica uma base militar com silos de mísseis balísticos intercontinentais. Washington decidiu não derrubar o balão, sob o argumento de que o item tem capacidade limitada de coleta de informações e seus destroços poderiam cair sobre áreas civis. O artefato teria o tamanho de três ônibus, segundo testemunhas.
De acordo com autoridades americanas, Blinken, que viajou ontem à Coreia do Sul, telefonou ontem para o conselheiro de Estado Wang Yi, maior autoridade diplomática chinesa, e afirmou que o balão era uma violação de soberania inaceitável. Pequim tentou minimizar as tensões ao afirmar, via comunicado no site do Ministério das Relações Exteriores, que o balão era uma aeronave civil usada em pesquisas meteorológicas que tinha se desviado de seu trajeto planejado em razão de ventos. "A China lamenta a entrada não intencional do balão no espaço aéreo dos EUA devido a força maior. A China continuará se comunicando com os EUA e lidará adequadamente com essa situação inesperada causada por força maior", diz a nota, colocando panos quentes.
Já o Pentágono — sede do Departamento de Defesa dos Estados Unidos — contestou a versão e disse que o balão tem autonomia para manobrar. Ao contrário do que o governo chinês havia alegado, desviou de seu curso original deliberadamente, comporta uma "grande carga" dentro e um mecanismo de vigilância na parte de baixo, e serve para fins de vigilância, e não para pesquisas meteorológicas e científicas, como havia alegado Pequim.
Com a nova versão do Pentágono, a hipótese de que se trata de espionagem chinesa continua de pé, e as tensões entre os dois países voltaram a se acirrar. Mesmo antes do encontro do artefato, porém, o clima já era de tensão e as expectativas para a viagem de Blinken eram baixas. Na quinta-feira, o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, foi a Manila e anunciou um acordo para que os americanos possam usar quatro bases militares no país, expandindo a presença no Mar do Sul da China, região reivindicada por Pequim.
Além disso, o Departamento de Comércio dos EUA avisou empresas americanas que não deve renovar licenças de importação de tecnologia da gigante chinesa Huawei, segundo o jornal britânico Financial Times, em um movimento para proteger a segurança nacional de espionagem chinesa. O governo chinês afirmou que o país "se opõe firmemente à generalização dos EUA do conceito de segurança nacional, ao abuso do poder do Estado e à repressão irracional de empresas chinesas".
CRÍTICAS EM CASA O episódio do balão gerou críticas de políticos republicanos. O presidente da Câmara, Kevin McCarthy, qualificou o balão como um exemplo da "afronta descarada da China sobre a soberania americana", argumento ecoado por outros congressistas da mesma legenda. Ele afirmou que pediria a realização de um briefing de segurança nacional sobre a situação para um grupo seleto de membros das duas casas.
O momento já era de tensão entre Washington e Pequim mesmo antes do incidente, com o vazamento de um memorando dos EUA na semana passada em que o general Mike Minihan, chefe do Comando de Mobilidade Aérea do país, afirmou que as duas potências travariam uma guerra em 2025. O motivo seria uma tentativa do gigante asiático de tomar à força Taiwan, ilha que considera uma província rebelde.
As relações entre a China e os Estados Unidos vêm se desgastando nos últimos anos, em especial após a visita a Taiwan, no ano passado, da então presidente da Câmara, Nancy Pelosi, a mais alta autoridade americana a pôr os pés na ilha em 25 anos. Pequim considera a ilha parte inalienável de seu território – só reconhecer seu governo como autônomo já significaria violar a política de "uma só China" e, portanto, a soberania do gigante asiático.
Desde então, Washington e Pequim têm tentado se comunicar com mais frequência, de modo a prevenir maiores atritos. Em novembro, Biden e Xi Jinping fizeram o primeiro encontro presencial em Bali, na Indonésia, antes da cúpula do G20, e deram sinais de distensão dos dois lados --ainda que ambos tenham marcado suas diferenças, com Pequim reforçando uma "linha vermelha" sobre Taiwan.