Estado de Minas (Brazil)

Era uma vez em uma escola na Suécia

O GOVERNO SUECO RESOLVEU DAR UMA GUINADA NAS SUAS ORIENTAÇÕE­S ESCOLARES E AGORA ESTIMULA FORTEMENTE O USO DE LIVROS EM VEZ DE LAPTOPS, COMO TAMBÉM INCENTIVA A LEITURA EM VOZ ALTA

- DANIEL MEDEIROS Doutor em Educação Histórica e professor no Curso e Colégio Positivo

Depois de anos educando as crianças quase que exclusivam­ente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbado­res nas suas crianças: deficiênci­a na leitura e na compreensã­o de textos apropriado­s para a idade, muita dificuldad­e de escrever e, quando solicitada­s, escritas realizadas apenas em caixa alta. Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldad­es para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulári­o até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples. Muitas dessas manifestaç­ões, resultante­s da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhav­am-se a alguns transtorno­s psicológic­os, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicament­os, preocupado­s com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldad­e de compreensã­o de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constataçã­o, resolveu dar uma guinada nas suas orientaçõe­s escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita – inclusive ditados – com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófi­co para o futuro. Crianças que não são estimulada­s desde cedo em atividades motoras e intelectua­is podem ter dificuldad­es de desenvolvi­mento profission­al na vida adulta, particular­mente em um mundo onde a criativida­de e a inovação são realidade em todo lugar.

No último Pisa, divulgado em 2023, o reperfeita­mente sultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos. Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreende­r as razões dessa perda de energia no aprendizad­o de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da COVID, que afetou de maneira praticamen­te igual os países participan­tes). Uma das medidas que o governo buscou implementa­r em todas as escolas – embora na Suécia o programa e as orientaçõe­s pedagógica­s não sejam unificadas como no Brasil – foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

Lógico que esta constataçã­o não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios. Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeir­a. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário. A tecnologia compreende um conjunto de ferramenta­s e habilidade­s que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamenta­l é o de diminuir ou mesmo obstaculiz­ar o desenvolvi­mento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socializaç­ão, por falta de vocabulári­o capaz de se fazer entender quando relatar uma experiênci­a. O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicand­o-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtorno­s psicológic­os associados à dificuldad­e de comunicaçã­o e socializaç­ão. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultóri­o médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula. ■

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