Pelo fim do preconceito
No Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua, movimento reivindica políticas públicas para inclusão no mercado de trabalho
No Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua, coordenador da área do governo federal que se dedica a esse público avalia que houve avanços desde a criação de uma política nacional específica, em 2009, e desafio agora é viabilizar acesso ao trabalho e à educação. Maria de Oliveira Cunha é moradora de rua há três anos: “Ninguém consegue ser feliz num lugar desse”
“Não posso perder a fé e a esperança. Ninguém consegue ser feliz num lugar desse.” O desabafo da moradora de rua Maria de Oliveira Cunha, de 34 anos, é o mesmo de muitos que seguem sem rumo e com destino incerto. Maria, natural de Goioerê, foi embora de casa após a morte da mãe. O envolvimento com as drogas a afastou da família, que mora em Londrina. Há três anos, ela segue pelas ruas. “Não tenho muito o que falar. É difícil viver nessa condição”, conta, já contendo as lágrimas. Após a rápida entrevista, ela retornou ao local improvisado para se proteger da chuva e do frio registrados na tarde desta quinta-feira (18). O “barraco” tem vista para um shopping da cidade.
O tom baixo da voz e a timidez também estavam presentes no depoimento de outro morador de rua, que preferiu não ser identificado. “Fui auxiliar de produção, trabalhei na construção civil, trabalhei em usina de álcool, tinha tudo em casa... Saí de casa em 2011. Para mim, é complicado falar de família”, resume. Problemas com o padrasto e o envolvimento com as drogas fizeram com que ele optasse pelas ruas.
No Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua, os dois moradores só pensam em recomeçar. Não sabem como, nem quando terão uma oportunidade, mas seguem na luta diária pela sobrevivência. No Brasil, não há estatísticas precisas relacionadas à população de rua. Levantamento recente feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), baseado em dados de 2015, estima que 102 mil pessoas estejam nessa condição em todo o País. A informação foi repassada pelo coordenador geral dos Direitos da População em Situação de Rua, Carlos Ricardo. A coordenação faz parte da Secretaria Especial de Direitos Humanos do governo federal.
Os resultados da pesquisa são preliminares e a metodologia ainda precisa ser aprovada internamente pelo instituto. O último levantamento oficial realizado em 2008 apontou que 50 mil pessoas viviam nas ruas das 75 maiores cidades do País.
Os desafios, no entanto, vão muito além das estatísticas. A Política Nacional para a População em Situação de Rua foi criada em 2009. Desde então, Ricardo avalia que houve uma série de avanços, principalmente, nos setores de saúde e assistência social. No entanto, a intenção agora é focar o planejamento para políticas voltadas ao acesso ao trabalho e à educação. “A saída definitiva da rua só vamos conseguir quando houver uma garantia dessas duas políticas. A nossa política é intersetorial, precisamos dessa atuação conjunta, mas com enfoque nessas prioridades”, ressalta.
Segundo ele, o preconceito ainda é a principal barreira para a implantação da política nacional. “Essa população é muito discriminada e criminalizada, inclusive. Quando a pessoa está em situação de rua, e ainda tem uma vinculação com dependência química, aumenta ainda mais a criminalização. A gente vê muitas pessoas nessa condição serem criminalizadas por serem alcoólatras, por exemplo. Mas um alcoólatra de classe média não é discriminado. Até mesmo alguns profissionais e algumas gestões locais dos municípios têm preconceito, acham que os moradores ficam na rua porque querem e a sociedade acaba colocando vários rótulos.”
Os moradores de rua têm direito ao cartão SUS, mesmo sem possuir comprovante de residência; ao cadastro único para transferência de renda; aos atendimentos de saúde e assistência social, entre outros itens. No Paraná, mais de 3,4 mil pessoas em situação de rua fazem parte do Cadastro Único disponível em 113 municípios. No entanto, quem apenas passa pelas localidades e segue para outros municípios não faz parte das estatísticas.
Para o integrante da coordenação do Movimento Nacional da População de Rua, Samuel Rodrigues, o tratamento para a recuperação de usuários de álcool e drogas precisa de mais atenção do governo federal. “O Brasil ainda não respondeu a sua demanda em relação a isso. Esse tema precisa ser discutido em um contexto mais amplo. A política nacional é bacana no papel, mas falta ampliar na área de habitação, trabalho e renda”, reforça. Rodrigues atua em Belo Horizonte e estima que 200 mil pessoas vivam em situação de rua no Brasil.