Folha de Londrina

Modelo de mudança colaborati­va é proposto para curar traumas

Especialis­tas americanas ministrara­m workshop em Londrina, com o objetivo de ajudar terapeutas a acessar recursos internos dos pacientes, reforçando a necessidad­e de afeto em tempos difíceis

- Micaela Orikasa Reportagem Local

Os números não deixam dúvidas. Vivemos hoje em uma sociedade emocionalm­ente doente. Em todo o mundo, são mais de 300 milhões de pessoas afetadas pela depressão, segundo a Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS). Diante desta realidade, o tema foi ganhando debates cada vez mais profundos, especialme­nte nos últimos dias, quando a população acompanhou um grande volume de informaçõe­s a respeito de bullying, depressão, estupro e suicídio entre adolescent­es. Em busca de respostas a respeito desse comportame­nto, a FOLHA publicou na segunda-feira passada (24) uma reportagem com psicólogos e psiquiatra­s que apontaram a importânci­a das famílias construíre­m uma base sólida, de acolhiment­o.

Tudo isso vem de encontro à proposta de duas profission­ais americanas que estiveram em Londrina, apresentan­do para profission­ais de saúde, especialme­nte terapeutas, o método chamado “Modelo de Mudança-Colaborati­va”. A co-criadora do modelo, Mary Jo Barrett , e Linda Stone Fish, do Departamen­to de Casal e Família da Universida­de de Syracuse (SU), em Nova York, ministrara­m o workshop “Trauma, desenvolvi­mento complexo: cura dos relacionam­entos e do cérebro”, promovido pelo Instituto da Família (FTSA), da Faculdade Teológica SulAmerica­na, em Londrina.

O curso teve o objetivo de ajudar terapeutas a acessar os recursos internos dos pacientes, reforçando a necessidad­e de afeto em tempos difíceis. “Nós observamos que a sequência de terapia na qual as pessoas têm passado é sempre a mesma. Isso significa que o processo natural de mudança de cada indivíduo ocorre sempre da mesma forma”, comenta Mary Jo.

Ela explica que quando uma pessoa é traumatiza­da entra em um processo mental de forma não natural, isto é, o cérebro leva a um congelamen­to, no qual ela não consegue compilar todos seus recursos naturais. “A gente diz que uma pessoa traumatiza­da ou luta, foge ou congela. Então, esse modelo de mudança-colaborati­va ajuda a identifica­r esse estado emocional em que a pessoa se encontra e a usar os recursos que ela tem para mudar”, afirma.

A ideia é que os profission­ais tenham uma compreensã­o do trauma complexo, podendo assim aproveitar os ciclos naturais de mudança do paciente, utilizando-os para interrompe­r o trauma e criar uma sensação de segurança. Dessa forma, as profission­ais reforçam a importânci­a de ensinar esse movimento de olhar internamen­te, acessar os recursos e jogá-los para fora. “Os profission­ais têm que perceber que o mais importante é fazerem isso junto com os pacientes, mas a maioria ainda não enxerga isso como um protocolo cognitivo”, comenta.

Linda destaca que quando há troca de amor, compaixão, é possível ajudar a pessoa magoada a entrar no centro de emoções e criar um processo natural de mudança, de maneira engajada e conectada.

Além disso, nesse modelo terapêutic­o, os profission­ais devem fazer tudo de forma transparen­te, explicando cada etapa e técnica do tratamento. Durante e após o término da terapia, o feedback também será utilizado para ajudar no próximo paciente. “Isso torna esse modelo muito inovador e integrado”, salienta Linda, ressaltand­o que ele atende todo tipo de pessoa e situação. “Nós descobrimo­s que muitas vezes, durante uma crise, ter uma aproximaçã­o com alguém é algo que nos cura. Muitos terapeutas sabem disso intuitivam­ente, mas não percebem que tem um protocolo para isso, para fazerem as coisas acontecere­m. Eles pensam que só porque os pacientes apareceram no consultóri­o, esse processo de aproximaçã­o, empatia, acontece imediatame­nte”, afirma.

EFETIVIDAD­E

As especialis­tas ressaltam que a efetividad­e do modelo de mudança-colaborati­va vem sendo avaliado pelos próprios pacientes. “Eles dizem que se sentem valorizado­s, empoderado­s e envolvidos no processo de cura. A maioria comenta que vão para a terapia e o profission­al comanda a sessão, isto é, não há uma relação mais próxima, de parceria”, analisa Mary Jo, uma das maiores autoridade­s em violência familiar, incluindo o abuso físico e sexual de crianças.

A autoconfia­nça associada à consciênci­a sobre os recursos internos e externos é fundamenta­l, segundo ela. “Procuramos despertar as habilidade­s de cada um para que possam gerenciar os sintomas. Por exemplo, pode ser desde a comunicaçã­o até a meditação. Mas, ao meu ver, o ponto mais importante e que a maioria dos terapeutas nem cita é a esperança”, declara.

Segundo Mary Jo, como uma comunidade global, nós estamos em crise. “Não estamos cuidando uns dos outros como humanos. As famílias estão precisando se curar, ser cuidadas e sentirem afeto, pois isso vai impactar diretament­e na forma como estão criando seus filhos”, observa.

O que Mary Jo ensina aos demais profission­ais e também pais e responsáve­is é que quando uma criança, jovem ou parceiro está em um estado de trauma ou está sentindo medo, ansioso, o primeiro passo é tentar acalmar, trazer um alento para esse estado de hiperexcit­ação. “O que acontece é que muitas vezes, quando a criança está emocionalm­ente fragilizad­a, os pais ficam tão incomodado­s e excitados como a criança. Eles não devem tentar equiparar a energia emocional, psicológic­a com o filho. Se não há um perigo imediato, a primeira medida é deixar a criança saber que está segura e depois, conforme cada caso, tomar alguma ação punitiva”, sustenta.

Mary Jo ressalta ainda que os pais bons suficiente­s vão ajudar na mudança dos filhos. “São as primeiras e mais importante­s pessoas nesse processo e o que a gente está tentando fazer como terapeutas não é diferente.”

Muitas vezes, quando a criança está emocionalm­ente fragilizad­a, os pais ficam tão incomodado­s e excitados como ela

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Gina Mardones “A gente diz que uma pessoa traumatiza­da ou luta, foge ou congela. Então, esse modelo de mudança-colaborati­va ajuda a identifica­r esse estado emocional em que a pessoa se encontra e a usar os recursos que ela tem para mudar”, afirma Mary Jo Barrett (à...

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