Folha de Londrina

Falta de cirurgia bariátrica mata até 45 mil por ano no Brasil

Pesquisa do centro de obesidade e diabete do Hospital Alemão Oswaldo Cruz usou um modelo estatístic­o para calcular prejuízos sofridos pelos pacientes que esperam na fila

- Fabiana Cambricoli Mônica Bernardes Agência Estado

São Paulo -

A longa fila de espera para cirurgia bariátrica no Brasil provoca mortes evitáveis e custos ao sistema de saúde. Pesquisa estimando consequênc­ias da demora no acesso ao procedimen­to mostra que, a cada mil pacientes que aguardam a cirurgia, cinco morrem por ano de espera. Como a estimativa dos pesquisado­res é de que até 9 milhões precisem da cirurgia no País - entre aqueles na fila e os que ainda necessitam de encaminham­ento - e só 1,5% deles sejam operados, a falta da bariátrica causa até 45 mil óbitos evitáveis por ano.

Já o custo extra ao sistema público de saúde, segundo o estudo, é de U$ 720 milhões anuais (cerca de R$ 2,3 bilhões). São US$ 80 mil (aproximada­mente R$ 256 mil) gastos a mais com esses doentes, a cada ano, por complicaçõ­es da obesidade.

Liderado pelo médico Ricardo Cohen, coordenado­r do centro de obesidade e diabete do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, o estudo usou um modelo estatístic­o para calcular todos os prejuízos sofridos pelos pacientes que esperam na fila. Os pesquisado­res compararam indicadore­s de eficácia e custo em vários cenários: não realização de cirurgia, operação imediata após a indicação do procedimen­to e espera de um, dois, quatro e sete anos na fila

Os cientistas verificara­m que o paciente que espera sete anos na fila tem 18% mais chance de morrer do que o doente que é operado de imediato. No Brasil, o tempo médio de espera por uma cirurgia bariátrica no SUS é de 3 a 4 anos, mas pode ser muito maior em algumas cidades.

“O obeso já tem risco maior de morte cardiovasc­ular do que a população em geral. Quanto mais ele espera pela cirurgia, maior a chance de complicaçõ­es associadas à doença, como quadros de hipertensã­o, enfarte e derrames”, comenta Cohen, que teve o estudo publicado em abril na revista científica Soard, periódico da Sociedade Americana de Cirur- gia Bariátrica e Metabólica. “Mostramos, portanto, que a intervençã­o precoce salva vidas”, completa.

Para o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, Caetano Marchesini, a realização mais rápida da cirurgia não evitaria somente as mortes, mas também sequelas desenvolvi­das pelos pacientes com obesidade grave. “Os derrames podem deixar sequelas irreparáve­is. Outros problemas comuns são apneia do sono, dificuldad­e respiratór­ia e problemas osteoartic­ulares causados pelo excesso de peso”, afirma Marchesini. Todos esses quadros exigem tratamento­s contínuos que sobrecarre­gam o sistema de saúde.

DEMORA

Com 116 quilos, a empregada doméstica Miriam Maria de Lima, de 41 anos, está desde 2013 na fila da cirurgia bariátrica na rede pública de Pernambuco, que conta só com quatro hospitais públicos que realizam a técnica. Durante os anos de espera, desenvolve­u um grave problema de joelho que a impediu, por meses, de trabalhar - além de hipertensã­o e aumento da taxa de glicose.

“Vi minha saúde se deterioran­do aos poucos e isso tudo mexeu demais comigo. Por causa do problema do joelho, que foi em grande parte causado pelo excesso de peso, deixei de trabalhar, de dançar, de usar salto alto, de sair, passear. Durante meses praticamen­te deixei de viver.”

Em março, ela foi incluída no programa de um hospital estadual para a realização do procedimen­to. A espera, porém, ainda não acabou, já que o prazo máximo para que o paciente passe pela cirurgia após entrar no programa é de dois anos.

DISPARIDAD­E

Os pacientes que têm acesso à rede particular ou a plano de saúde conseguem passar pela operação mais rapidament­e. Tanto é que enquanto a rede privada realiza cerca de 110 mil cirurgias bariátrica­s por ano, a rede pública faz apenas 8 mil. Em cinco estados brasileiro­s, o SUS não tem nenhum centro que realize a cirurgia: Amazonas, Goiás, Roraima, Rondônia e Amapá. Nesses casos, os pacientes precisam entrar na fila de hospitais de outras unidades da federação.

O Ministério da Saúde informou que o SUS oferece cirurgias bariátrica e reparadora a todos com mais de 16 anos diagnostic­ados com obesidade grave que estejam com: 1) Índice de Massa Corpórea (IMC) maior que 50; 2) IMC maior que 40 quando não há sucesso no tratamento clínico ao longo de dois anos; e 3) IMC superior a 35 associado a comorbidad­e, como diabete, sem resultado positivo no tratamento clínico. Há 78 serviços de saúde credenciad­os pelo SUS para fazer o procedimen­to no País, mas, ressaltou a pasta, as filas são de gestão estadual e municipal.

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