‘João, o Maestro’: mãos à obra
João Carlos Martins esteve em Gramado acompanhando a exibição hors concours da cinebio que abriu o festival de cinema. Antes da projeção, subiu ao palco e disse algumas palavras. Na manhã seguinte já tinha partido para cumprir compromisso no outro extremo do país, e não esteve no debate-coletiva. Na mesa apenas o roteirista-diretor, Mauro Lima, a produtora Paula Barreto e Rodrigo Pandolfo, o ator que faz o pianista em sua fase jovem. Foi bom assim mesmo. Aos 77 anos, JCM transformou-se numa espécie de lenda viva da arte no Brasil. Sua história de glorias e atribulações está contada – e bem contada, especialmente para quem sabia pouco ou nada sobre ele – no longa metragem em exibição no país, Londrina inclusive. Vale a pena aproveitar este bom momento de nosso cinema nas telas.
Nem 23 cirurgias nas mãos fizeram com que JCM desistisse de sua consagrada e histórica carreira como um dos maiores intérpretes do piano em todos os tempos. É claro que o cinema não faria vista grossa para vida tão pródiga em talento e peripécias, desejadas, planejadas ou acidentais. “João , O Maestro” é o terceiro filme sobre JCM – o primeiro é o documentário franco-alemão de 2004, “A Paixão Segundo Martins”, de Irene Langemann, o segundo é o documentário belga “Reverie”, de 2006 – e provavelmente não será o último, já que o personagem, tão incansável quanto resistente, continua a se movimentar na área artística, agora como regente da orquestra.
O filme é uma versão ficcionalizada de fatos reais da vida de JCM, que aprovou o argumento, inclusive servindo como consultor para diversos episódios narrados. Mauro Lima, especialista em cinebiografias (“Meu Nome Não é Johnny” e “Tim Maia”) se encarregou de levar à tela o projeto da LC Barreto Filmes. O roteiro cobre as três fases da vida do personagem, infância, juventude e maturidade. Não houve nenhuma restrição a fatos da vida profissional, e o que está mostrado no filme teve o aval de JCM. Já a vida pessoal teve algumas partes preservadas, a pedido dele, embora esteja em cena a ligação com suas mulheres. O que realmente importa é a relação do protagonista com a música (ele se torna o maior interprete “alternativo” das obras de Bach, ao lado de Glenn Gould) e como essa relação é circunstancialmente alterada – o acidente durante uma pelada jogada no Central Park em Nova York, o incidente na Bulgária, quando JCM é golpeado na cabeça por ladrões e tem parte do cérebro afetada, prejudicando os movimentos de alguns de seus dedos.
Se for respeitado e aceito o método de Mauro Lima de não aprofundamento de certas facetas e contradições do personagem, preferindo a superficialidade e o simplismo, o filme cai muito bem, é um ótimo entretenimento. Mas quem conhece a trajetória não artística do personagem, sua controvertida e polêmica passagem pela política durante os anos em que ficou longe do piano, pode fazer cobranças não esclarecidas e sem respostas. A eleição foi pelo sofrimento decorrente da paixão pela música – e esta música é personagem vital na história e uma dádiva aos ouvidos do espectador. Talvez o único senão para este filme seja esta coisa de abraçar o mundo – a vida de JCM não cabe num filme só, e a tentativa de incluir tudo termine por privilegiar a superficialidade.
Mas ainda assim esta jornada chega a ser deslumbrante e memorável em muitos momentos, em especial pelo biônimo paixãosuperação.