‘Escola sem Partido’, ignorância sem limites
Os ataques de vereadores da Câmara Municipal de Londrina a professores de escolas das séries iniciais municipais surpreendem pelo total desconhecimento de literatura, cultura popular e educação que, ao menos, como representantes do Legislativo, deveriam cuidar e estimular. A proposição de um projeto de lei que se prolifera como uma onda ultraconservadora pelo País, e cujo nome denuncia em si o grande paradoxo duma ideologia neutra, está contribuindo para burocratizar e cercear a expressão em nosso já fragilizado sistema educacional.
No final dos anos 80, a principal crítica ao regime soviético era de que seu radicalismo de esquerda era o grande responsável por levá-lo ao conservadorismo de ultradireita. E parece que, numa ordem inversa, vereadores de direita estão adotando as piores práticas do regime totalitário comunista, o qual se dizem avessos!
A primeira vítima de um regime totalitário é a verdade, já diz o ditado popular. A segunda, a literatura e as artes. A margem de interpretação do que pode ser lido ou não pelo aluno é ampla e deve depender, exclusivamente, daquilo que motiva o professor a eleger um texto ou outro para sua aula. Uma lei, aplicada nesse sentido, tem como interesse fim a manutenção de determinados grupos no poder, cujos valores e ideologias não têm nada de neutro e muito menos de apartidário. Não se melhora o ensino desrespeitando a formação e o trabalho de cidadãos habilitados para o exercício de sua profissão, a maioria deles formada com recursos públicos.
Pois bem, circula a informação de que o livro de José Mauro Brant, “Enquanto o sono não vem”, está sendo retirado das escolas municipais de Londrina, em razão da pressão de apoiadores da “Escola sem Partido”, porque numa dessas suas histórias o pai queria casar com a filha. A lógica que opera a cabeça do censor é a de que todo tema que rompe com o padrão social vigente deve ser extirpado em nome da moral e dos bons costumes.
Ditar regras e modelos morais cabe bem à velha e caquética “Educação Moral e Cívica” (herança dos militares), menos ao trabalho com o texto literário. O censor está sendo incapaz de entender que textos literários são heranças culturais que fundamentam nossos marcos civilizatórios. Já pensou censuramos a tragédia de Édipo Rei porque seu personagem principal dormiu com a mãe e matou o pai?
A literatura é a possibilidade de experienciarmos conflitos e situações inusitadas capazes de preencher o vazio de nossa existência, aliada à capacidade de criarmos um sentimento de mundo. A literatura estende a vida no limite da experiência alheia, com tudo o que ela tem de bom e de ruim. Ao fazer isso, provoca no ser humano a alteridade: a capacidade de pensar o eu no outro e o outro em mim. A literatura nesses termos educa porque nos torna parte do mundo, desconstruindo e reconstruindo estruturas de imaginário e libertando-nos do aprisionamento ideológico.
Toda e qualquer censura, reitero, atenderá apenas a interesses de grupos que querem, tão-somente, se manter no poder, por isso desrespeitam as ideias alheias e jogam a educação literária na lata do lixo, ao retirar do professor sua autonomia de escolha! Portanto, os vereadores, ao aprovarem um projeto como este, estarão descumprindo o papel para o qual realmente foram eleitos: o de garantir a qualidade do ensino.
A escola pública já tem muitos problemas como todos sabemos, desvirtuar o foco da atenção sobre eles com este projeto é o tiro no pé mais bem dado, que afetará drasticamente a formação de gerações futuras.
Toda e qualquer censura atenderá apenas a interesses de grupos que querem, tãosomente, se manter no poder”