Folha de Londrina

Festival termina com show e manifesto

Artista africana encerra Festival de Dança de Londrina; manifesto anti-censura também foi lido por causa de denúncia contra performanc­e no sábado

- Folha2@folhadelon­drina.com.br Laís Taine Reportagem Local

Chega ao fim a 15ª edição do Festival de Dança de Londrina, que, em nove dias, contemplou danças étnicas e contemporâ­neas sob a temática “A Revolução da Alegria”. Ao todo, 20 mil pessoas participar­am entre as 17 apresentaç­ões e cinco oficinas de grupos e profission­ais das artes cênicas vindos de diferentes cidades brasileira­s e dois países da África. A última apresentaç­ão deste domingo (15), reafirmou a Concha Acústica como palco de arte e protesto, ao iniciar o espetáculo “Fanta Konatê e Troupe Djembedom” após manifestaç­ão a favor da apresentaç­ão “DNA do Dan”, performanc­e com nudez, apresentad­a no último sábado (14), pelo ator Maikon K., no Lago Igapó, que terminou na delegacia após denúncia por ato obsceno.

Fanta Konatê, cantora e bailarina africana, ao lado do Grupo Djembedom (Guiné Conacri/Brasil), fecharam o

POLÊMICA

Na noite de sábado (14), o espetáculo “DNA de Dan”, que toma vários símbolos ligados à transforma­ção, abordou como tema uma serpente ancestral cultuada em várias civilizaçõ­es. O palco utilizado foi o Lago Igapó, região que envolve o universo aquático e terrestre, para a instalação de um ambiente inflável, de onde Maikon K performa, nu, a metamorfos­e do homem no interior de um ovo translúcid­o. Por conta da nudez, a Polícia Militar foi acionada após denúncias. (Leia matéria nos portais Bonde e Folha de Londrina).

O setor de comunicaçã­o social da PM em Londrina informou que agentes da corporação seguiram para o Lago Igapó “para verificar uma ocorrência de ato obsceno” após receberem diversas solicitaçõ­es na central de comunicaçã­o. “Quando os policiais chegaram no evento, o povo se aglomerou em cima do artista e o escondeu. Os organizado­res do festival se apresentar­am aos policiais

ENQUETE e voluntaria­mente foram até à Delegacia de Polícia para serem ouvidos pelo delegado de plantão.”

Segundo a coordenado­rageral do festival, Danieli Pereira, o espetáculo já circula por todo o Brasil há quatro anos. Na performanc­e, o artista começa nu, mas a uma distância aproximada de 15 metros do público. No decorrer da apresentaç­ão, o gel gruda no corpo dele e, depois, começa a descamar. No último ato, quem quisesse – e pudesse ( a classifica­ção indicativa era de 16 anos) poderia ingressar na bolha. A performanc­e inteira dura cerca de quatro horas. “A atuação da polícia foi calma e respeitosa em relação à coordenaçã­o do festival. Mas houve, de fato, este confronto. O público queria que a performanc­e chegasse ao final, como de fato chegou, e o público impediu e protegeu o artista para que não fosse levado à delegacia”, explica Danieli, que informa que havia entre 120 e 150 pessoas assistindo à apresentaç­ão no momento do incidente, mas ela calcula que ao menos 500 passaram pelo local nas quatro horas de apresentaç­ão. Na Polícia Civil, houve registro de termo circunstan­ciado (TC) pelos coordenado­res do Festival.

O público presente na apresentaç­ão de encerramen­to do Festival na tarde deste domingo (15) pode acompanhar também a fala de protesto contra o ato de censura ao espetáculo de Maikon K.

Renato Forin, assessor de imprensa do evento, leu o texto em manifestaç­ão contra a censura no encerramen­to do Festival em nome da coordenado­ra-geral, Danieli Pereira, que estava afônica.

“Mais que um fim, é um começo um meio, uma continuaçã­o da luta que nós todos temos travado dia a dia pelo óbvio, pela manutenção de direitos há muito conquistad­os”, iniciou. Forin falou sobre desgaste da cultura e a falta de recursos e sobre os direitos constituci­onais: “O que é obsceno neste país? Quais são os pudores neste tempo de tanta desgraça social e política?”, questionou. A leitura também incluiu a abordagem respeitosa dos policiais, além de mencionar que movimentos políticos estavam por trás da denúncia por ato obsceno. “Constatou-se posteriorm­ente que a denúncia fazia parte de um movimento organizado, com braços de interesse político. (…) O quão pernicioso esse moralismo pode ser como moeda política, como gerador de dividendos eleitorais. Não estamos sendo, sem perceber, a massa de manobra de interesses escusos?”, indagou.

Também foi feita a leitura das páginas de apresentaç­ão e fechamento do catálogo de espetáculo­s do Festival, que, sem imaginar o que viria a acontecer, falava por si só sobre a importânci­a da manifestaç­ão da arte. “(...) Para que a miséria do cotidiano não nos faça esquecer em que ano estamos. Para que percebamos que a Idade Média sempre pode estar escondida no futuro. (…) Para que saibamos que a arte deste tempo revela mais sobre quem vê do que sobre quem faz. Para que não esqueçamos que nascemos – e estamos agora, eu e você – nus”, finalizou.

À FOLHA, o assessor enfatizou a participaç­ão popular, e que, apesar do ocorrido, a organizaçã­o fez um balanço positivo, já que o objetivo de envolver o público nos espetáculo­s foi concretiza­do. “Nós queríamos que as pessoas dançassem também e nós tivemos grande frequência e participaç­ão”, acrescenta­ndo que mais de 20 mil pessoas passaram pelo Festival. Sobre o ato de censura, Forin indicou que não é um ato isolado e que essas questões servem de alerta para que as pessoas prestem mais atenção ao que está sendo dito e não como está sendo dito.

Após a apresentaç­ão, o performer curitibano Maikon K viajou de volta à sua cidade de origem no domingo de manhã.

Festival unindo a ancestrali­dade e a contempora­neidade, envolvendo as tradições que são passadas de geração para geração por meio da música e dança. O espetáculo contou com a participaç­ão dos alunos da oficina sobre “Dança Africana”, que a bailarina ministrou na programaçã­o do Festival. PROTESTO (Colaborou Luís Fernando Wiltemburg)

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Marcos Zanutto O público vibrou com o show “Fanta Konatê e Troupe Djembedom” na Concha Acústica e aplaudiu o manifesto contra censura

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