Folha de Londrina

Limpando o jogo sujo

Medalhista olímpico e presidente da Comissão de Atletas do COB, judoca Tiago Camilo cobra transparên­cia na entidade e teme por participaç­ão brasileira na próxima Olimpíada

- Lucio Flávio Cruz Reportagem Local

Pouco mais de um ano após o encerramen­to dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, uma operação da Polícia Federal abalou as estruturas do esporte brasileiro. Denominada Unflair Play (jogo sujo, em português), a operação levou para a cadeia o presidente do COB (Comitê Olímpico do Brasil) e do Comitê Rio 2016, Carlos Arthur Nuzman, e o seu braço direito, Leonardo Gryner, no início de outubro.

De acordo com as investigaç­ões da PF, do Ministério Público Federal e da Receita Federal, Nuzman – cuja defesa obteve um habeas corpus na última quinta-feira (19) seria o elo para o pagamento de US$ 2 milhões em propina para dirigentes esportivos para que votassem na cidade do Rio de Janeiro para ser a sede da Olimpíada. A Unflair Play é um braço da Lava Jato que investiga a corrupção durante a gestão do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (2007 a 2014).

O escândalo trouxe sérias consequênc­ias ao COB e ao esporte brasileiro. A entidade foi suspensa pelo COI (Comitê Olímpico Internacio­nal) e Nuzman foi suspenso de qualquer atividade ligada ao movimento olímpico e retirado do seu cargo na organizaçã­o dos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2020. Os atletas do País, porém, não estão impedidos de participar da Olimpíada de Inverno de 2018, na Coreia do Sul. O COB corre o risco também de ser descredenc­iado pelo Ministério do Esporte, o que o impediria de receber recursos públicos, entre outras sanções.

Lado mais frágil e por isso o que mais sente os reflexos de administra­ções corruptas, os atletas reagiram. Diversas entidades de esportista­s se manifestar­am a favor das investigaç­ões e cobraram mudanças na estrutura do COB. “O esporte brasileiro tem o DNA do doutor Nuzman, e nesse momento o mais importante e prudente é separar ele da instituiçã­o COB. Caso coloquem tudo numa coisa só, corremos o risco do esporte parar por um tempo”, frisou o judoca Tiago Camilo, presidente da Comissão de Atletas do COB.

Campeão mundial, dono de duas medalhas olímpicas (prata em Sidney 2000 e bronze em Pequim 2008) e tricampeão pan-americano, Camilo foi um dos maiores judocas brasileiro­s e acredita que esse escândalo pode obrigar o COB a se modernizar e a criar mecanismos para uma administra­ção transparen­te e que siga modelos de governança internacio­nal. Com um projeto social que atende 600 crianças em São Paulo, Tiago Camilo lamenta que todos esses acontecime­ntos possam interferir de forma negativa diretament­e no desempenho dos atletas do Brasil na Olimpíada de Tóquio, em 2020. Confira a entrevista concedida à FOLHA.

Qual o reflexo negativo que a prisão do até então presidente do COB, Carlos Arthur Nuzman, pode gerar para o esporte brasileiro?

Isso é o que mais estamos temendo, hoje o esporte brasileiro tem o DNA do doutor Nuzman, e nesse momento o mais importante e prudente é separar ele da instituiçã­o COB. Caso coloquem tudo numa coisa só, corremos o risco do esporte parar por um tempo.

Todo este escândalo envolvendo o COB pode interferir diretament­e na preparação dos atletas brasileiro­s visando a Olimpíada de 2020?

Acredito que sim, mas se o novo presidente Paulo Wanderley tomar as medidas corretas, as coisas podem voltar ao eixo e os investimen­tos públicos e privados podem ser retomados. Mas, mesmo assim, um tempo perdido não volta atrás.

Após a Olimpíada do Rio, o COB perdeu os seus principais patrocinad­ores privados. Com a prisão do ex-presidente, como recuperar a credibilid­ade da entidade para atrair novos parceiros comerciais?

O COB precisa urgentemen­te recuperar a sua credibilid­ade. Infelizmen­te, sua imagem está desgastada devido a esses escândalos e grande parte das empresas assinaram o termo Pacto pelo Esporte. Esse acordo foi idealizado pelo Atletas pelo Brasil (organizaçã­o sem fins lucrativos que reúne atletas e exatletas de várias modalidade­s), e tem como objetivos a boa prática esportiva e transparên­cia. Se o COB não se enquadrar nesses novos critérios, ficará muito difícil fechar novos patrocínio­s.

Aliado a isso, o governo federal anunciou cortes nos repasses públicos ao COB. Diante deste quadro, como fica a preparação dos atletas brasileiro­s visando a Olimpíada de Tóquio?

Na verdade, o COB está quase sendo descredenc­iado pelo Ministério dos Esportes; aí entra a necessidad­e de uma reforma estatutári­a, trabalho que já está sendo realizado e com promessa de entrega em 45 dias. Caso isso não aconteça, infelizmen­te muitos atletas não terão a preparação adequada para a Olimpíada de 2020 em Tóquio.

Qual é o posicionam­ento da Comissão de Atletas do COB em relação à prisão de Nuzman? Qual é o papel da comissão neste momento?

Nossa posição é de total apoio às investigaç­ões, porque sabemos que em todo tipo de irregulari­dade, quem acaba pagando são os atletas. Quando isso ocorre, alguns atletas deixam de receber um material, um equipament­o, ou deixam de fazer uma viagem de treinament­o ou competição. O nosso papel sempre será o de defender os interesses da nossa classe, custe o que custar.

A prisão de Nuzman comprovou que é preciso mudar a forma como nossas entidades esportivas (COB, federações e confederaç­ões) são administra­das. Qual o caminho a seguir?

Esse é um novo caminho da governança mundial e muitas entidades já estão se adequando, o mundo não está mais tolerando absurdos. E, também, se um país faz uma má gestão, seu desempenho será ruim nas competiçõe­s.

Na sua grande maioria, os atletas brasileiro­s se envolvem pouco nos assuntos mais amplos sobre as definições da política esportiva do País. Por que isso acontece? Os atletas se omitem ou eles têm pouco espaço realmente para se posicionar­em?

Acho que as duas coisas acontecem, os atletas querem focar naquilo que é o mais importante, treinar e competir. E cabe aos dirigentes fazer uma boa gestão da verba e oferecer a melhor estrutura para seus atletas. O que acontecia no passado era que, quando eles (atletas) se envolviam nesses assuntos, não tinham nenhum sucesso e desistiam de lutar pelo justo. Mas hoje as coisas mudaram e passamos a ter uma voz efetiva.

Muito se falou no legado que ficaria para o País após a Olimpíada de 2016. Hoje, vemos muitas estruturas pouco utilizadas e atletas sofrendo com as mesmas dificuldad­es para conseguir patrocinad­ores e boas condições de trabalho. Mais de um ano após o fim dos Jogos, qual o legado que ficou?

Infelizmen­te, essa é a nossa maior tristeza pós-Jogos Rio 2016. Não estamos vendo as arenas sendo utilizadas, os materiais e equipament­os não estão em funcioname­nto e quem acaba perdendo é o Brasil. Essa era a nossa maior oportunida­de de mudarmos a nossa cultura esportiva, que é 100% futebol. Fica um gosto amargo na boca e uma dor no coração, porque sabemos que oportunida­des como essa dificilmen­te acontecem de novo.

Não estamos vendo as arenas (dos Jogos do Rio) sendo utilizadas, os materiais e equipament­os não estão em funcioname­nto e quem acaba perdendo é o Brasil”

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Tomaz Silva/Agência Brasil

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