Folha de Londrina

Temas contemporâ­neos na literatura infantil

- Bia Reis Agência Estado

Guerras, refugiados, tragédias ambientais, trabalho infantil, preconceit­o, novos formatos de famílias. Para a sorte de crianças e jovens, muitos autores e editoras com foco nessa faixa etária têm olhado para esses temas. Contrapond­o uma onda de superprote­ção, fazem questão de usar caminhos poéticos por meio das narrativas ficcionais para tocar em assuntos considerad­os difíceis, sem deixar que pareça um discurso didático ou moralizant­e.

“Entendo que literatura não é para ensinar a ser assim, a pensar assim, a fazer assim. O texto literário não pode estar associado ao propósito do didatismo. Querer ‘ensinar’ pela literatura é dar a ela uma atribuição que não lhe compete e que a reduz”, diz Márcia Leite, escritora, educadora e diretora da editora Pulo do Gato, que há seis anos pauta-se em publicar também livros com temáticas sociais, como a questão dos refugiados ou a tragédia causada pelo rompimento da barragem em Mariana (MG).

Por mais que hoje encontremo­s dezenas e dezenas de livros, nacionais e estrangeir­os, que toquem em questões, digamos, mais contemporâ­neas de nossa sociedade, não é de agora que a prática faz parte da literatura para a infância. Monteiro Lobato, o precursor no Brasil de um tipo de literatura infantil mais questionad­ora, levava às narrativas do Sítio do Picapau Amarelo reflexões que, na maioria das vezes, não faziam parte das conversas com as crianças. Como em “A Chave do Tamanho”, de 1942, em que o menino Pedrinho começa a ler o jornal para a avó Dona Benta com notícias de novos bombardeir­os em Londres: “Centenas de aviões voaram sobre a cidade. Um colosso de bombas. Quarteirõe­s inteiros destruídos. Inúmeros incêndios. Mortos à beça”.

Quando se quer ensinar ou sensibiliz­ar as crianças sobre determinad­o assunto, o adulto (autor ou mediador do li- vro) se vê em um dilema. Seria necessária a verdade crua e nua, tal qual uma notícia de jornal? Ou teria um efeito melhor e uma delicadeza mais adequada abordá-la de forma poética e criativa?

Para confeccion­ar o livro “Drufs”, Eva Furnari passou por um longo período de experiment­ações de diversas técnicas visuais e textuais, uma sucessão de tentativas e erros que foram configuran­do o que a obra se tornou. E se as crianças, em uma prática de redação na escola, pudessem descrever as caracterís­ticas físicas e emocionais de suas próprias famílias? Por meio do humor e da irreverênc­ia que marcam os quase 40 anos de carreira, Eva apresenta personagen­s particular­es que falam de conflitos e diferenças de todos nós.

“O tema dos diversos tipos de família apareceu naturalmen­te. Quando a mente está ocupada com criança e educação, (o tema) brota, não de uma maneira didática, mas sim simbólica”, afirma Eva. Segundo a autora, o enredo principal do livro foi a última ideia a surgir. Ela foi descrevend­o e criando as famílias e sempre sentia que estava em lugar de julgamento. Um dia, teve um estalo e pensou na ideia de as crianças falarem sobre suas famílias. Depois, imaginou que isso pudesse ocorrer em forma de redação. Só no final surgiu a irreverent­e professora Rubi, que pede a tarefa no início do livro. “Foi do fim para o começo”, fala Eva.

CRIAÇÃO

Essa forma de criação não é por acaso: faz parte do processo de um artista, sempre antenado sobre o que uma sociedade precisa falar. Não tem intenção pedagógica, muito menos de provocar uma única interpreta­ção. Na boa literatura infantil não poderia ser diferente. “Felizmente está longe o tempo em que predominav­a (na poesia e na prosa) um tom edificante e didático, com temas e enfoques que favorecess­em o ensino de lições de moral, de bons modos, de civilidade, civismo etc e tal”, observa Leo Cunha, escritor mineiro e autor de dezenas de livros para crianças.

“Não conseguiri­a fazer um livro eminenteme­nte informativ­o, ou de denúncia, ou que buscasse uma lição de moral. Para mim, um tema impactante - política, social ou eticamente - não se sustenta por si só”, diz. É assinada também por Cunha uma das obras mais impactante­s do segmento no Brasil: “Um Dia, Um Rio”, com André Neves. A obra aborda, com texto e imagens, a tragédia de Mariana de forma enfática e sensível, sem concessões à criança, embora dê um tom de esperança no final. “Em uma obra que se quer literária, a forma também deve ser marcante. Quando digo forma quero dizer as opções dos autores (escritor, ilustrador e editora) quanto à linguagem, à estrutura, ao ponto de vista, ao que se mostra e o que se deixa para a imaginação, intuição ou sensibilid­ade do leitor”, afirma Cunha.

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Antonio Cruz/ Agência Drasil Tragédia ambiental de Mariana (MG): um dos temas abordados na literatura infantil

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