A alegria de enganar a morte
‘Só Um Minutinho’, história infantil da escritora mexicana Yuyi Morales, resgata conto popular sobre a arte de ludibriar o derradeiro fim
Alguma hora ela chega para uma visita. Bate na porta e faz aquilo que é seu destino fazer: comunicar às pessoas que o fim chegou.
Quando a Senhora Morte bate à porta, todo mundo leva um susto. Considerada visita indesejada, geralmente ninguém deseja abrir a casa para essa velha senhora. Nessa hora, todo mundo embroma, embola e rebola.
Para tentar driblar ludicamente esse momento fatal, a cultura popular criou uma coleção de histórias sobre a arte de enganar a morte. Trata-se de um tema presente na tradição folclórica de vários povos.
A escritora mexicana Yuyi Morales reconta uma dessas histórias em “Só Um Minutinho”, obra infantil publicado pela editora FTD com ilustrações da própria autora.
Inspirada nas tradicionais narrativas populares do povo mexicano, Yuyi Morales brinca com um assunto considerado carrancudo de maneira lúdica e bem humorada.
O livro narra a história de Dona Carocha, uma vovozinha que um belo dia, logo de manhã, ouve alguém bater na porta. Ao abri-la, dá de cara com o Senhor Esqueleto.
Logo a vovozinha sabe que sua hora chegou. Mas, antes de partir, solicita ao sujeito esperar um minutinho para levá-la. Ela precisa terminar de varrer a casa.
O Senhor Esqueleto, que naquele dia não tem muito que fazer, aceita o pedido. Senta numa cadeira e espera.
Quando termina de varrer a casa, Dona Carocha pede para o Esqueleto esperar mais um minutinho até ela fazer um chá. Após terminar o chá, convence a Morte a esperar mais um pouquinho para que termine algumas tortilhas.
Seguindo o ritmo do trabalho cotidiano, Dona Carocha ganha tempo fazendo almoço, queijo, salada de frutas, bolos, doces e outras comidinhas mais. E assim, ao longo do dia, a velhinha vai adiando sua partida fazendo o Esqueleto esperar até que ela terminar os afazeres do dia a dia.
Quando os afazeres finalmente terminam, e ela pode partir com a Senhora Morte, chegam em sua casa nove netinhos. As crianças logo sentam à mesa para comer, beber, falar, rir e brincar. Tudo para comemorar o aniversário da avó.
A grande esperteza de Dona Carocha está em, ao enganar a Morte, preparar sua festa de aniversário.
“Só Um Minutinho” revela que a morte é para aqueles que já se sentem mortos. Para aqueles que se sentem vivos, a morte pode ser sabiamente protelada, enganada, ludibriada.
Realizando de modo verdadeiro as tarefas mais simples do cotidiano, a vida ganha intensidade. Os afazeres mais simples podem representar um acolhedor sentido para a existência.
“Só Um Minutinho” faz lembrar que a alegria sempre foi a maneira mais eficiente de enganar a Senhora Morte. A alegria como algo que é capaz de fazer o Esqueleto dançar e querer mais.