Folha de Londrina

A alegria de enganar a morte

‘Só Um Minutinho’, história infantil da escritora mexicana Yuyi Morales, resgata conto popular sobre a arte de ludibriar o derradeiro fim

- Marcos Losnak Especial para a Folha 2

Alguma hora ela chega para uma visita. Bate na porta e faz aquilo que é seu destino fazer: comunicar às pessoas que o fim chegou.

Quando a Senhora Morte bate à porta, todo mundo leva um susto. Considerad­a visita indesejada, geralmente ninguém deseja abrir a casa para essa velha senhora. Nessa hora, todo mundo embroma, embola e rebola.

Para tentar driblar ludicament­e esse momento fatal, a cultura popular criou uma coleção de histórias sobre a arte de enganar a morte. Trata-se de um tema presente na tradição folclórica de vários povos.

A escritora mexicana Yuyi Morales reconta uma dessas histórias em “Só Um Minutinho”, obra infantil publicado pela editora FTD com ilustraçõe­s da própria autora.

Inspirada nas tradiciona­is narrativas populares do povo mexicano, Yuyi Morales brinca com um assunto considerad­o carrancudo de maneira lúdica e bem humorada.

O livro narra a história de Dona Carocha, uma vovozinha que um belo dia, logo de manhã, ouve alguém bater na porta. Ao abri-la, dá de cara com o Senhor Esqueleto.

Logo a vovozinha sabe que sua hora chegou. Mas, antes de partir, solicita ao sujeito esperar um minutinho para levá-la. Ela precisa terminar de varrer a casa.

O Senhor Esqueleto, que naquele dia não tem muito que fazer, aceita o pedido. Senta numa cadeira e espera.

Quando termina de varrer a casa, Dona Carocha pede para o Esqueleto esperar mais um minutinho até ela fazer um chá. Após terminar o chá, convence a Morte a esperar mais um pouquinho para que termine algumas tortilhas.

Seguindo o ritmo do trabalho cotidiano, Dona Carocha ganha tempo fazendo almoço, queijo, salada de frutas, bolos, doces e outras comidinhas mais. E assim, ao longo do dia, a velhinha vai adiando sua partida fazendo o Esqueleto esperar até que ela terminar os afazeres do dia a dia.

Quando os afazeres finalmente terminam, e ela pode partir com a Senhora Morte, chegam em sua casa nove netinhos. As crianças logo sentam à mesa para comer, beber, falar, rir e brincar. Tudo para comemorar o aniversári­o da avó.

A grande esperteza de Dona Carocha está em, ao enganar a Morte, preparar sua festa de aniversári­o.

“Só Um Minutinho” revela que a morte é para aqueles que já se sentem mortos. Para aqueles que se sentem vivos, a morte pode ser sabiamente protelada, enganada, ludibriada.

Realizando de modo verdadeiro as tarefas mais simples do cotidiano, a vida ganha intensidad­e. Os afazeres mais simples podem representa­r um acolhedor sentido para a existência.

“Só Um Minutinho” faz lembrar que a alegria sempre foi a maneira mais eficiente de enganar a Senhora Morte. A alegria como algo que é capaz de fazer o Esqueleto dançar e querer mais.

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Imagens: Reprodução
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