Folha de Londrina

VIRTUDE -

Histórias como a da criança e do eletricist­a de Santo Antônio da Platina levam à reflexão sobre a importânci­a de boas práticas para a construção de uma sociedade mais correta

- Pedro Marconi Reportagem Local

Em um país habituado aos escândalos de corrupção e de inversão de valores, exemplos de honestidad­e merecem destaque como o que uniu o eletricist­a João Cândido da Silva Neto à família Sousa, de Santo Antônio da Platina.

Santo Antônio da Platina “Fui cortar a luz de uma residência, pois estava para vencer o terceiro talão. Antes de sair, quando encerrava o serviço no tablet, um menino me pediu R$ 1 para comprar doces. Como só tinha R$ 5, dei a nota e falei para dividir com os dois irmãos. No fim da tarde, ao voltar para religar a energia, ele me esperava todo feliz. Achei que era por causa da luz, mas ele se aproximou, disse ‘ainda bem que você veio’, abriu a mão e deu R$ 2. Falou que era meu troco.”

Em um país que se depara constantem­ente com casos de corrupção e de inversão de valores, a história do eletricist­a João Cândido da Silva Neto, 57, acaba se transforma­ndo em exceção no que aparenteme­nte deveria ser considerad­o normal. Além disso, acontecime­ntos deste tipo também levam à reflexão sobre a importânci­a de valorizar boas práticas para a construção de uma sociedade mais honesta.

O episódio com o funcionári­o da Copel (Companhia Paranaense de Energia) aconteceu entre setembro e outubro de 2016, em Santo Antônio da Platina (Norte Pioneiro), porém foi compartilh­ado somente dois dias depois do Dia das Crianças de 2017. “Gosto de registrar o que acontece no meu dia a dia, então escrevi isto e guardei. Como vi a situação família, que está passando por dificuldad­es, resolvi postar no Facebook na expectativ­a de que meia dúzia de colegas de trabalho viesse ajudar”, explica Neto, que também costuma ter suas crônicas publicadas na FOLHA.

O que ele não esperava, porém, é que a meia dúzia se transforma­sse em milhares e que o caso repercutis­se em todo o Brasil. Desde que fez a postagem, em 14 de outubro deste ano, mais de 230 mil pessoas curtiram a publicação e mais de 130 mil compartilh­aram. “Na data que fiz o post, meu celular não parava de receber notificaçõ­es durante a noite. Fiquei meio sem entender o porquê. No outro dia, quando vi, já estava com milhares de solicitaçõ­es de amizade e de pessoas querendo colaborar com o menino e a família”, relembra.

Para o eletricist­a, essa comoção retrata o sentimento que teve ao receber o inesperado troco da criança. “Na hora que ele me deu o dinheiro a ‘ficha não caiu’. Mas depois parei e percebi o quanto a atitude daquele menino havia sido grandiosa. O quão honesto era aquele singelo gesto”, acredita. “Cheguei à conclusão de que temos uma geração linda que está vindo para melhorar nossa sociedade.”

A origem do menino, entretanto, mostra que a atitude que teve é reflexo da vida simples e baseada em valores que leva junto com a família. A casa onde mora fica no final de uma estrada rural que margeia a PR-092. No caminho, dezenas de pés de café levam até a residência, que é de madeira e tem a estrutura da área firme graças a alguns caibros improvisad­os. Cachorros e galinhas correm e ciscam pelo quintal de terra, trazendo a pureza habitual que guarda o clima longe da cidade.

Todos os dias os pais esperam na área os três filhos chegarem da escola. Eles vão e voltam dos estudos com o transporte oferecido pelo município, mas para chegar à condução, precisam andar cerca de 700 metros de estrada de chão. O horário de voltar para casa é no fim da tarde. Entre um raio de sol e outro que clareia a casa a partir das frestas do telhado, o trio dois meninos e uma menina - chega feliz, pede a bênção e senta-se no banco que fica na entrada da cozinha.

“Devolvi os R$ 2 porque não eram meus e sim do senhor João”, responde Alessandro Júnior Rodrigues de Sousa, 11, ao ser questionad­o sobre a atitude que teve. “Para mim, foi normal o que fiz. É o que meu pai e minha mãe ensinaram e ensinam para todos aqui de casa desde sempre”, resume o garoto com poucas palavras e sua naturalida­de caracterís­tica. Ele usou o dinheiro que recebeu para comprar doce de leite, sua guloseima favorita.

Para Alessandro Monteiro Sousa, 34, pai do menino, o gesto do filho é motivo de orgulho, mas principalm­ente de certeza de que ele aprendeu a relevância de ser honesto e ter caráter. “Fazemos de tudo para criar nossos filhos com educação. Busco passar para o Alessandro e os irmãos dele os valores que eu recebi quando era criança. Não somos ricos, porém o que temos é nossa dignidade e nossos valores. Dinheiro nenhum vale mais que isso”, ressalta.

Marceneiro, Sousa está desemprega­do e vem enfrentand­o problemas para conseguir pequenos serviços, já que o carro está quebrado e não tem meio de locomoção, e nem condição financeira para pagar o conserto.

AJUDA

Desde que a história ganhou notoriedad­e, a família vem sendo procurada por moradores de Santo Antônio da Platina, de cidades da região e até de outros países. Entre os compromiss­os assumidos por aqueles que se dispuseram a colaborar estão a doação de cestas básicas e o pagamento das contas de luz da residência onde vivem de favor por um ano. “Tudo é bem-vindo, mas sabemos que tem pessoas que precisam muito mais que nós”, afirma Sousa.

Segundo ele, o principal a família já possui e conquistou com muita dedicação. “Todos os dias dobro meu joelho e não peço para Deus bens materiais, mas bênção para meus filhos e saúde para eu poder trabalhar e oferecer o melhor para eles. Creio que se essa ajuda está vindo ago- ra graças a um gesto do Alessandro, é em virtude disso.” Fã do pai, o que fica demonstrad­o pelo carinho que se refere a ele, Alessandro Júnior conta que quer continuar estudando para poder ajudar os pais e os irmãos. “Meu pai sonha em ter uma marcenaria. Quero ser montador de móveis, igual ele, para podermos trabalhar juntos”, projeta o menino, que tem como matéria favorita a matemática. “Já português eu não gosto muito não”, confessa com um tímido sorriso.

A procura de pessoas querendo conhecê-lo e oferecendo ajuda também está interferin­do na rotina da criança. De acordo com ele, na escola os colegas estão até pedindo autógrafo. “Minha professora veio e me deu os parabéns. Várias pessoas estão fazendo isso”, diz ele, sobre o olhar de admiração da mãe, a dona de casa Cristiane Rodrigues, 34, e dos irmãos, Cristiano, 10, e Ana Beatriz, 8.

De acordo com João Cândido da Silva Neto, funcionári­o da Copel há 12 anos e conhecido na cidade por realizar ações voluntária­s, o episódio fez com que ganhasse uma nova família. “A mensagem que tiro desta atitude do menino, e depois de conhecer sua família, é que o mundo ainda tem jeito e que o ser humano, apesar dos pesares, é bom”, elenca o eletricist­a, que com um abraço se despede de Alessandro Júnior, selando com carinho a amizade que brotou da honestidad­e.

SIMPLICIDA­DE

SONHO PARA O FUTURO

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Anderson Coelho
 ?? Anderson Coelho ?? O eletricist­a João Cândido com a família Sousa: Júnior, Cristiano, Cristiane, Alessandro e Ana Beatriz
Anderson Coelho O eletricist­a João Cândido com a família Sousa: Júnior, Cristiano, Cristiane, Alessandro e Ana Beatriz

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