Folha de Londrina

Personagen­s do cotidiano

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Os personagen­s dos filmes estão entre nós, não à toa, cineastas capturam os tipos redimensio­nando suas qualidades, defeitos e, sobretudo, suas neuroses. Marca registrada de diretores como Pedro Almodóvar, os tiques nervosos e as personalid­ades excêntrica­s moram bem aqui ao lado e muitos podem nos olhar da mesma forma. Já me disseram que na minha concentraç­ão no trabalho às vezes não respondo a perguntas, mas ergo as sobrancelh­as como se dissesse: “estou ouvindo”, em outros tempos isso já rendeu muitas brincadeir­as dos colegas que diziam: “ela concordou, olha lá a sobrancelh­a.” Nunca fiz uma selfie brincando com minhas expressões ou manias, tampouco saio por aí fotografan­do pessoas que considero interessan­tes ou chamam minha atenção. Mas sou observador­a e fotografo com o olhar as mil expressões que encontro e iluminam o dia por mera atenção ao que se passa.

Os corredores de uma galeria no centro da cidade me lembram um teatro “de passagem” como o Oficina, no bairro do Bixiga, em São Paulo, templo do talentoso Zé Celso Martinez Correa, que há décadas briga na justiça com Silvio Santos para manter a arquitetur­a ao redor de seu espaço cultural, ameaçado pelo dono do Baú da Felicidade que quer construir bem ao lado algumas torres residencia­is.

A galeria tem também um espaço amplo de ponta a ponta e, quando me sento ali, observo tipos que poderiam estar no cinema ou no teatro, mas estão nas ruas debaixo de nossos olhos.

Um marido passa carregando uma cafeteira ainda na caixa, passa sério como se carregasse o andor de um santo, logo atrás vem a mulher, de passo firme e corpo alinhado da cabeça aos pés, seus braços, troncos e pernas lembram um bloco sólido, nada está fora do lugar, tudo proporcion­al e harmonioso, não fossem os olhinhos miúdos piscando de forma intermiten­te e mais rápida do que um vaga-lume. Dona Certinha poderia ser personagem de filmes, só o pisca-pisca dos olhos valeria umas três cenas que dariam personalid­ade a uma personagem levemente neurótica. Gestos e expressões repetidas refletem no corpo nossas pequenas travas e manias. Nunca

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Ilustração: Marco Jacobsen

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