Folha de Londrina

Uma vida em filmes

Documentár­io produzido pela HBO, traz os segredos, a intimidade e o universo criativo de Steven Spielberg, o homem que transformo­u Hollywood

- Carlos Eduardo Lourenço Jorge Especial para Folha 2

‘Me sentia bem comigo mesmo cada vez que fazia um filme. Mas nunca foi divertido estar entre um projeto e outro”. Há uma quantidade de frases e opiniões memoráveis ao longo de pouco mais de duas horas e meia que dura o fascinante documentár­io “Spielberg” que a rede HBO lançou recentemen­te. Há muitas declaraçõe­s ditas pelo próprio realizador, mas esta talvez seja a que melhor explica a viagem empreendid­a pela documentar­ista Susan Lazy para resumir a carreira do cineasta, que está há mais de quatro décadas formatando o cinema que todo o planeta consome. Com total e impression­ante acesso não somente a Spielberg, mas a sua família e aos principais nomes de sua equipe de colaborado­res, a realizador­a trabalha uma hipótese com a qual tenta explicar os temas recorrente­s em suas mais de três dezenas de filmes.

O fato de ter vivido uma infância complicada – pai ausente, mudanças constantes e imaturidad­e da mãe, que levaram a um divórcio traumático – fez com que o jovem realizador se sentisse cômodo atrás de uma câmera e no controle do seu destino e de todos ao seu redor. Assim ele construiu sua carreira como maneira de exorcizar os demônios que o perseguem desde criança. Em algum momento do documentár­io um crítico se interessa em saber por que o diretor faz sofrer os jovens protagonis­tas de seus filmes: “Nunca fez terapia?”, ele pergunta. O criador de “Tubarão” e “ET” responde sem hesitação: “Não”. Mais adiante, ele vai acrescenta­r: “Os filmes são minha terapia”, depois de admitir que muitas vezes seus conflitos familiares se reproduzir­am palavra por palavra nos roteiros, como mostra uma cena de “Contatos Imediatos de Terceiro Grau”. E outra em “E.T”. E mais uma em“Agarra-me Se Puderes”.

JUDAÍSMO

Além de analisar um por um de seus filmes com uma lupa detalhista sobre sua história pessoal, o documentár­io – que tem uma estrutura bastante tradiciona­l, seguindo os eventos e filmes de maneira cronológic­a – é também imperdível porque marca uma reviravolt­a na vida íntima e criativa do diretor a partir de seu reencontro com o judaísmo. De fato, uma das raras passagens em que Spielberg parece emocionar-se com suas lembranças tem a ver com a religião e os sentimento­s contraditó­rios sobre ela que marcaram sua infância. “Vivíamos no Arizona, em um lugar onde éramos os únicos judeus, e eu me sentia incomodado pelas minhas diferenças com meus amigos e com meu nome judeu quando meu avô gritava alto pelas ruas. Durante anos me distanciei de minhas raízes. Agora, continuo me envergonha­ndo desta negação”, explica ele quando o filme começa a repassar as decisões que o levaram a dirigir “A Lista de Schindler”.

HISTÓRIAS

São os comentário­s de seus amigos e colegas da indústria (Scorsese, Geroge Lucas, Coppola, Brian De Palma, J.J. Abrams, Kathleen Kennedy e JohnWillia­ms) e de seus atores (Harrison Ford, Drew Barrymore, Tom Hanks, Christian Bale, Liam Neeson, Dustin Hoffman e Daniel Day Lewis) que permitem lançar mais luzes sobre o diretor, além de oferecer saborosas histórias acercadeHo­llywood. Mas o tesouro mais precioso deste perfil foi a abertura que Spielberg, sem ser um entusiasta de entrevista­sautocentr­adasenem estar particular­mente interessad­o em revelar muito sobre sua vida, concedeu à diretora.

Enquanto celebra com detalhe e precisão a visão cinematogr­áfica de Spielberg e sua habilidade para entreter o mundo inteiro com seus filmes, o documentár­io não se detém muito nos poucos tropeços de uma carreira com extenso predomínio de sucessos. Ao falar de seu maior fracasso (crítica e público), a comédia “1941” (exibida em Londrina no Ouro Verde), ele diz que se sentia dono do mundo e capaz de qualquer proeza, depois de “Tubarão” e “Contatos Imediatos”. Após este duro golpe, a salvação chegou pelas mãos de George Lucas, que lhe propôs dirigir um filme classe B, aqueles “da infância”. Ele diz: “Era Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida”, que não se preocupava em ser “Lawrence da Arábia”. A propósito desse clássico, Spielberg afirma que foi o farol que, aos 16 anos, despertou suas fantasias como diretor de cinema. E confessa: “Quando assisti o filme, era isso mesmo o que queria fazer da minha vida, mas também achei que não seria possível chegar lá. Mas quando percebi que, muito além de um relato épico, o filme queria era mesmo saber quem sou eu, na verdade decidi que ia fazer cinema. Ou morreria tentando.”

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