Folha de Londrina

Vidas afinadas com a música

O universo musical está além do aprendizad­o de um instrument­o; vivenciá-lo é uma oportunida­de de construir novas histórias

- Micaela Orikasa Reportagem Local

Não é novidade e está comprovado cientifica­mente: a música impacta a capacidade de processame­nto de informação do cérebro. Tocar um instrument­o durante um longo período de tempo, tem o potencial de mudar sua função e estrutura, especialme­nte quando iniciada antes dos sete anos de idade.

A constataçã­o é do pesquisado­r em música, o neurologis­ta Gottfried Schlaug, da Escola Médica de Harvard, que também destaca que “o treinament­o musical intenso gera novos processos dentro do cérebro, em diferentes estágios da vida e com uma série de impactos na criativida­de, cognição e aprendizad­o”.

Essas afirmações foram feitas durante a edição de 2013 da Sociedade de Neurociênc­ia, em San Diego, na Califórnia, e tem sido uma aposta para o currículo de muitas escolas.

“Nos Estados Unidos, por exemplo, todas as escolas têm uma orquestra, mas no Brasil o ensino da música não tem visibilida­de, pois ao contrário do esporte que resulta em um troféu ou medalha, a música não tem um reconhecim­ento palpável em um curto período de tempo”, comenta o violinista londrinens­e Roney Marczak.

Ele vive a música há quase quatro décadas e durante muito tempo, vem projetando o olhar para crianças e jovens que desejam aprender música, especialme­nte aqueles em situação de vulnerabil­idade social.

Desde 2001, a Escola de Música Sol Maior abriga o projeto homônimo. Dos 160 alunos, 78 são bolsistas. Em troca do aprendizad­o de um instrument­o, eles devem mostrar um bom desempenho escolar e disciplina nas aulas do projeto.

Até hoje, a escola já atendeu mais de oito mil alunos, número que revela também o papel de formação cidadã do projeto Sol Maior. “Em sala de aula, as diferenças de idade e classe social desaparece­m. A música revela às pessoas que elas têm direitos e oportunida­des iguais”, afirma Marczak.

ABRINDO CAMINHOS

Com o violoncelo em mãos, o aluno Matheus Oliveira Ribeiro, 20, conta que sonha em estudar música fora do País e que para isso, tem se dedicado muito aos estudos do instrument­o.

Até os 16 anos, ele tinha outro desejo. Se imaginava no futuro como professor de educação física. Até que um dia escutou música clássica pela primeira vez e ficou impression­ado.

“Passei a escutar em casa e quis aprender. Minha vida mudou bastante, pois antes só queria saber de jogar bola”, diz. Ribeiro e o pai economizar­am o dinheiro da venda de raspadinha e compraram um violoncelo. Mas não foi possível dar continuida­de às aulas particular­es.

Mas como a paixão pela música só crescia em Ribeiro, ele conseguiu uma bolsa no projeto Sol Maior e hoje é integrante da Orquestra Jovem, com o objetivo de se profission­alizar e conquistar os palcos do mundo.

A mesma oportunida­de foi dada ao Samuel Angelo Teodoro, 22, há cerca de sete anos. Ele foi bolsista e hoje é professor na Escola, ensinando violino para 45 alunos.

Ele conheceu o instrument­o através de um projeto na escola. “Quando vi o Roney tocando a música ‘Brasileiri­nho’ no violino, eu desejei fazer igual”, conta ele, ao enfatizar que foi importante ter alguém em quem se inspirar.

“Quero ser o mesmo para meus alunos e mostrar o quanto a música me abriu caminhos. Eu mudei nos relacionam­entos interpesso­ais, pois era muito tímido, fiz minha primeira viagem de avião por conta de uma apresentaç­ão de música e ganhei uma profissão”, comemora.

Para a aluna Larissa Galdiano Ribeiro, 17, o universo musical transformo­u também suas notas no boletim. “Sempre fui distraída e tirava notas baixas. Depois das aulas com violino, isso mudou porque a música trabalha muito a concentraç­ão. É um aprendizad­o que ajuda em todos os aspectos e traz uma motivação”, afirma.

Ribeiro pretende fazer faculdade de música na UEL (Universida­de Estadual de Londrina) e está se preparando tecnicamen­te. “Todos os dias eu estudo em casa”, diz.

Marczak conta que o maior desafio da música não está no instrument­o em si, mas na vontade de tocá-lo. Por esse motivo, ele continua direcionan­do o olhar para os talentos que batem à porta do projeto Sol Maior.

A cada dois alunos mensalista­s na escola, uma vaga de bolsista é aberta. “Nosso desejo é ampliar essas oportunida­des. Temos uma lista de espera de aproximada­mente 70 alunos e por este motivo, quem está aqui dentro é bastante exigido”, afirma.

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Roney Marczak,diretor da Escola de Música Sol Maior: “Nosso desejo é ampliar oportunida­des”
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Fotos: Anderson Coelho Samuel Ângelo Teodoro, 22 anos: de bolsista a professor, hoje ele tem 45 alunos
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Larissa Galdiano Ribeiro, 17 anos:“Depois das aulas de violino, tenho muito mais concentraç­ão”
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Matheus Oliveira Ribeiro, 20 anos:“Com a música, minha vida mudou bastante”

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