Folha de Londrina

Farid. Aliás, Lola Pater

Filme do franco-argelino Nadir Moknèche é um conto comovedor sobre família, raízes e, sobretudo, sobre identidade de gênero

- Carlos Eduardo Lourenço Jorge Especial para o Folha2

Amãe de Zino acaba de morrer. Tristeza imensa que o devora, sem que ele saiba, no entanto, que isso o levará a um nascimento. Quando pequeno, seus pais se separaram. E Zino perdeu a maioria das lembranças da figura paterna, que nunca mais viu durante os últimos vinte e cinco anos. E diante da inesperada morte da mãe, Zino parte em viagem ao sul da França para encontrar e dar a notícia dessa morte ao pai ausente, Farid, em outros tempos um bailarino argelino. Mas agora Zino bate de frente com Lola, professora de dança do ventre que vive com uma companheir­a. Lola é uma mulher com um olhar conhecido em uma aparência estranha. Há muito tempo Farid mudou de gênero, o que causou a separação e a saída de casa. Uma evasão em busca da felicidade, e que deixou muitas questões não resolvidas naquela Paris onde moravam. Aí está, num parágrafo, a síntese desta surpreende­nte estreia que chega ao circuito local para desafiar a teimosa mediocrida­de. Dirigido pelo franco-argelino Nadir Moknèche, “Lola Pater” nunca perde o controle deste conto comovedor sobre família, raízes e, sobretudo, sobre identidade, com uma Fanny Ardant esplendida­mente sutil no papel de transexual.

A partir desse momento, pai e filho se reencontra­m sob novas condições. O roteiro arma uma terna intriga ao redor de temas difíceis e dolorosos sem ceder à tentação de exceder na dramatizaç­ão. Há uma calculada (e às vezes prudente demais) distância, e também se injeta algum humor, evitando-se que a situação inusitada caia em chateação pomposa ou descambe para o vaudeville circense. Zino (Tewfik Jallab) descobrirá assim, rapidament­e, o que é importante saber sobre seu pai, que agora é a bela e madura Lola, vivida maravilhos­amente por Fanny Ardant. O desejo latente de encontrar esse pai desconheci­do explode em rejeição no primeiro tête-à-tête de verdade, mas aos poucos a aceitação vai chegando e abrindo os sentimento­s (Farid/Lola nunca se assume culpada): os personagen­s se aproximam e aprendem a se conhecer e a se reconcilia­r. Mais além da identidade sexual e de suas motivações, que Lola vai clareando lentamente (“você não imagina o sofrimento que significa habitar um corpo que não pertence a você!”), a quebra de um vínculo íntimo não vai desaparece­r jamais: o abandono de um filho por seu pai. Lola Pater não entende a culpa e vai lutar para recuperar o filho perdido.

Apoiado em uma direção tão discreta quanto contida, a produção franco-belga “Lola Pater” é um filme bonito e a um só tempo modesto. Principalm­ente porque sabe como reprimir o lado folclórico que atualmente cerca a transexual­idade, oferecendo ao grande público uma dimensão mais aberta de um tema que via de regra chega ao cinema em sua vertente mais sensaciona­lista. O enfoque é doce e iluminado, e deve muito à criteriosa e cativante escolha da dupla principal de atores e à sensibilid­ade de Nadir Moknèche, diretor com um sentido de ritmo narrativo especialme­nte agudo. “Lola Pater” pode às vezes ceder ao sentimenta­lismo (ainda assim comedido), mas a performanc­e de Ardant segura tudo em nível de convincent­e realidade emocional.

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Reprodução Fanny Ardant interpreta um transexual em ‘Lola Pater’, num enfoque doce, iluminado e sem sensaciona­lismo

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