Folha de Londrina

A CIDADE FUTURA

Entidades discordam de pesquisa do Instituto de Estudos de Saúde Suplementa­r e afirmam que números devem ser usados com critério

- Pedro Marconi Reportagem Local

Onde há mudanças em curso, existem seres humanos ávidos por uma vida melhor.

Falhas como erros de dosagem ou de medicament­o, uso incorreto de equipament­os e infecção hospitalar vitimaram 302.610 pessoas nos hospitais públicos e privados do Brasil em 2016. É o que mostra o Anuário da Segurança Assistenci­al Hospitalar no Brasil, do IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementa­r), produzido pela UFMG (Faculdade de Medicina da Universida­de Federal de Minas Gerais), que foi divulgado nesta quarta-feira (22).

Pelos dados levantados, em média, 829 mortes por dia foram registrada­s no País por eventos adversos em 2016, o que significa que são a segunda causa de morte mais comum no Brasil, matando mais do que a soma de acidentes de trânsito, homicídios, latrocínio e câncer. Dados do Observatór­io Nacional de Segurança Viária indicam a morte de aproximada­mente 129 brasileiro­s por acidente de trânsito a cada dia; o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que é produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra cerca de 164 mortes violentas - por homicídio e latrocínio, entre outros - por dia; e, o câncer mata de 480 a 520 brasileiro­s por dia, segundo o INCA (Instituto Nacional de Câncer).

Apenas as doenças cardiovasc­ulares, considerad­as a principal causa de faleciment­o no mundo, matam mais pessoas no País: são 950 brasileiro­s por dia, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologi­a.

A coleta dos dados foi realizada por enfermeira­s dedicadas exclusivam­ente à função do período de janeiro do ano passado até junho de 2017. A codificaçã­o foi feita utilizando os prontuário­s médicos de pacientes de 133 hospitais após receberem alta.

Segundo Fábio de Araújo Motta, presidente da Ipass (Instituto para Planejamen­to e Pesquisa para Acreditaçã­o de Serviços de Saúde), organizaçã­o não governamen­tal criada para difundir o programa de qualidade em serviços de saúde com sede em Curitiba, apesar do aperfeiçoa­mento das tecnologia­s, mortes por eventos adversos ainda são realidade em muitos hospitais, principalm­ente aqueles que estão em processo de qualificaç­ão em seu atendiment­o e metodologi­as de cuidado.

“Hoje, a realidade e condições são muitos maiores do que há 15 anos. Temos uma cultura de segurança mais difundida entre o meio da saúde. O ideal é que cada hospital busque qualificar seu processo de trabalho, com um núcleo de qualidade para poder devolver qualidade e segurança ao paciente”, pontuou. Ele lembra que uma resolução de 2013 do Ministério da Saúde instituiu ações para a promoção da segurança do paciente e a melhoria da qualidade nos serviços de saúde, seja em instituiçõ­es públicas, privadas, filantrópi­cas, civis, militares ou que exerçam ações de ensino e pesquisa.

O anuário estima que os eventos adversos resultaram em gastos adicionais de R$ 10,9 bilhões em 2016. O estudo ainda apontou que das mortes, estes incidentes podem gerar sequelas que compromete­m a vida do paciente. De acordo com o anuário, dos 19,1 milhões de brasileiro­s internados no último ano em hospitais, cerca de 1,4 milhão foi vítima de falhas. No geral, os principais prejudicad­os coma as adversidad­es são os bebês com menos de 28 dias de vida e idosos acima de 60 anos.

“Não existe sistema de saúde que seja infalível. Mesmo os mais avançados também sofrem com eventos adversos. A diferença é que, no caso brasileiro, apesar dos esforços, há pouca transparên­cia sobre essas informaçõe­s e, sem termos clareza sobre o tamanho do problema, fica muito difícil começar a enfrentá-lo”, afirma Renato Couto, professor da UFMG, um dos responsáve­is pelo Anuário.

DIVERGÊNCI­A

Para Fábio Motta, os números não podem ser tomados como verdade absoluta, pois podem causar uma condição alarmista que não condiz totalmente com a realidade. “Temos que ser muito criterioso­s para não darmos um ‘tiro no pé’ com as informaçõe­s que estão sendo produzidas. Precisa validar isso nas diversas realidades brasileira­s”, destacou. O médico reconhece, porém, que o Brasil ainda precisa evoluir quanto à transparên­cia nos dados relacionad­os à segurança do paciente. “É um desafio ainda para o sistema brasileiro uma estrutura de notificaçõ­es de incidentes para que possamos ter uma melhor noção da realidade.”

A estatístic­a divulgada também foi criticada por Luis Rodrigo Milano, vice-presidente da Fehospar (Federação dos Hospitais e Estabeleci­mentos de Serviços de Saúde no Estado do Paraná). Ele classifico­u a divulgação dos indicadore­s como irresponsá­vel e afirmou “que o segmento está cansando deste tipo de informação”.

“Em um universo de mais de seis mil instituiçõ­es, é uma contradiçã­o números deste tipo. Além disso, vai contra os indicadore­s da Sociedade Brasileira de Infectolog­ista, da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e da OMS (Organizaçã­o Mundial da Saúde), que têm suas preconizaç­ões seguidas pelas instituiçõ­es de saúde, seja em ambiente pré-hospitalar ou em outros especializ­ados dentro de um hospital”, garantiu.

Os profission­ais também dizem que vários fatores de segurança vêm sendo adotados pelos hospitais no Paraná e Brasil, como programas de qualidade e trabalhos de multidisci­plinares. Eles também ressaltam a humanizaçã­o, que faz parte deste processo. “No processo de acreditaçã­o, a humanizaçã­o inclui o paciente e o familiar, que está junto, acompanhan­do. Hoje buscamos colocar o paciente a par do que acontece e dividindo as responsabi­lidades”, afirmou Milano.

O Conselho Regional de Medicina preferiu não opinar sobre o assunto. A FOLHA procurou também a Sesa (ecretaria de Estado da Saúde do Paraná), entretanto, a assessoria de imprensa informou que a pasta não poderia se pronunciar sobre o tema, uma vez que o estudo é relativo à saúde suplementa­r e não indica de quais hospitais os dados foram retirados.

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Shuttersto­ck Segundo o estudo, os “eventos adversos” em hospitais causaram a morte de mais de 300 mil pessoas no Brasil em 2016; para profission­ais, números são alarmistas
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